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Bar Léo mancha sua história ao enganar clientes

Boteco decano na cidade, estabelecimento vendia chope Ashby como se fosse Brahma

Por Fabio Wright e Nathalia Zaccaro
Atualizado em 1 jun 2017, 18h18 - Publicado em 6 abr 2012, 09h01

Parecia pegadinha antecipada de 1º de abril, Dia da Mentira. No último sábado (31), os desavisados que foram até a esquina das ruas Aurora e dos Andradas, na região de Santa Ifigênia, não encontraram a festiva muvuca de bebedores na calçada, os garçons apressados, os bolinhos de bacalhau nem, menos ainda, o chope tirado com precisão.
Grande instituição botequeira da cidade, o setentão Bar Léo havia sido fechado no dia anterior por dar um golpe bem baixo na sua fidelíssima freguesia. Com base na denúncia de um cliente, descobriu-se que a casa estava vendendo chope da Ashby (fabricado em Amparo, no interior do estado) como se fosse Brahma, que custava ali inflacionados 6 reais. Notas fiscais em poder da polícia mostram que o endereço, somente na data da autuação, havia comprado 500 litros de chope da Ashby, por 2.200 reais — praticamente a metade do preço do da Brahma.
Durante a batida dos investigadores, também havia por lá dezoito barris para servir os frequentadores, cada um deles com capacidade para 50 litros, da marca “genérica” — e nenhum do tradicional produto da cervejaria AmBev. “Houve crime ao induzir o consumidor a erro”, afirma o delegado Marcelo Jacobucci, da 1ª Delegacia de Saúde Pública, que cuida do inquérito. Para completar o cenário de desastre, uma equipe da Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa) encontrou por ali no mesmo dia produtos vencidos e malconservados, como parmesão, farinha de rosca, bacalhau e refrigerantes.
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Devido a esses problemas na cozinha, o estabelecimento foi interditado e só voltará a funcionar depois de cumprir as normas da Vigilância Sanitária. “Se uma nova inspeção constatar que as irregularidades foram sanadas, ele receberá o aval para reabrir”, explica Ricardo Antônio Lobo, gerente da Covisa. Num processo paralelo, os proprietários do bar vão responder pelo crime contra a relação de consumo, que prevê uma pena entre dois e cinco anos de detenção. “Mexeram no maior patrimônio da casa, o chope”, afirma Milton Di Francesco, que gerenciou o Léo por oito anos antes de abrir o Bar do Nico, no Ipiranga. “É lastimável.”

Mario Rodrigues

No dia 3, já fechado: problemas graves também na cozinha

Ao contrário do que ocorre na maior parte dos casos de falsificação, os envolvidos não tentaram desmentir as evidências. Espécie de lenda viva do Léo (trabalha lá desde o início da década de 60), o garçom Luiz de Oliveira, de 90 anos, conta que o esquema rolava fazia cerca de dois meses. “Sempre fui contra”, afirma ele.
A Ashby, que não tem nada a ver com o problema da enganação, confirma o fornecimento do seu produto para lá. “Começamos a vender para eles em fevereiro”, diz a dona da cervejaria, Anelise Marques. “Desde então, enviamos 63 barris.”
Responsável atual pela administração do bar, a empresária Madir Milan, de 77 anos, admite a venda de gato por lebre. Segundo ela, brigas familiares nos últimos anos fizeram o bar acumular dívidas de 400.000 reais, entre encargos trabalhistas, impostos atrasados e empréstimos bancários. “Faltou dinheiro para comprar chope à vista e acabamos apelando para uma opção mais barata”, confessa.

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Mario Rodrigues

Bar Léo - Chope - Brahma - Ashby - Garçom Luiz -  2264
Bar Léo – Chope – Brahma – Ashby – Garçom Luiz – 2264 ()

O garçom mais antigo, Luiz de Oliveira, de 90 anos: “Fui contra a troca do chope”

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Antes do estouro do caso, alguns frequentadores já haviam notado algo de estranho nos copos. Dono do boteco Bar do Giba, em Moema, e habitué do Léo desde os anos 80, Gilberto Abrão Turibus, o Giba, esteve ali cerca de um mês atrás. “Na ocasião, chamou minha atenção o fato de a bebida estar sendo servida mais gelada que o normal”, conta. Segundo especialistas no assunto, o truque provavelmente foi usado para mascarar seu sabor, de qualidade inferior ao da Brahma. “Fiquei horrorizado e chateado com a notícia, pois era um templo da bebida para mim”, diz Giba.
Com origem em 1940, o Bar Léo ganhou esse nome na década de 50 graças ao já falecido curitibano Leopoldo Urban, criador também de outras duas choperias no centro — a Amigo Leal, aberta desde 1967 na Rua Amaral Gurgel e ainda em funcionamento, e em 1968 o Bar Barão, que fechou as portas em 2009. No início dos anos 60, Urban vendeu o negócio a Hermes de Rosa, proprietário de uma mercearia das redondezas e cliente da casa. Nos tempos áureos, ele se orgulhava de servir 500 litros da bebida nas tardes de sábado. Seu chope foi eleito quatro vezes o melhor da cidade na edição “Comer & Beber” de VEJA SÃO PAULO, a última delas em 2003.
Hermes comandou o lugar até morrer, em janeiro daquele mesmo ano. A viúva, Célia, não era do ramo. Foi aí que entrou em cena sua irmã, Madir Milan. “Eu vou ao bar a cada quinze dias, mas precisei me ausentar nos últimos dois meses por causa de uma contusão no braço”, explica ela, que promete regularizar a situação em dez dias para reabrir o local. Está em seus planos tentar conseguir dinheiro para voltar a servir aos fregueses uma bebida de primeira. “Quero levantar o nome do Léo e colocá-lo nos eixos”, declara. “Será minha última ação pelo bar.”
 
Instituição dos bons de copo
Os números e fatos que fizeram a fama do estabelecimento
– Desde 1940, funciona na esquina das ruas Aurora e dos Andradas, em Santa Ifigênia
– Foi eleito quatro vezes o melhor chope da cidade na edição “Comer & Beber” de VEJA SÃO PAULO, em 1997, 2000, 2001 e 2003
– Em seu auge, servia, em média, 1 000 chopes por dia
– Numa tarde de sábado de calor, vendia 100 litros de chope por hora
– Às quartas e aos sábados, fritava mais de 100 bolinhos de bacalhau
– Passaram por lá clientes como o ex-presidente Jânio Quadros e o ator John Herbert
Diferenças sutis a quase zero grau

Divulgação

Bar Léo - Chope - Brahma - Ashby - 2264
Bar Léo – Chope – Brahma – Ashby – 2264 ()
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Fundada em 1993, em Amparo (a 132 quilômetros da capital), a Cervejaria Ashby é mais conhecida no interior do estado. Tem 52 funcionários e dezessete distribuidores na Grande São Paulo. Na capital, poucos endereços vendem o produto. Um barril de 50 litros custa a partir de 220 reais, quase metade do preço do da Brahma.
Para os conhecedores, apesar de visualmente muito parecido ao concorrente, o Ashby é mais aguado e pesado que as bebidas de primeira linha. Tais diferenças, porém, ficam menos evidentes quando o produto é servido bem gelado. “O frio inibe a percepção de aroma e de sabores”, explica o especialista em cerveja Eduardo Passarelli. Sua dica para evitar beber gato por lebre é prestar atenção no que se está consumindo. “Os clientes, em geral, não têm esse costume.”

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