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Asmáticos se entendem

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 18h13 - Publicado em 26 mar 2011, 00h52

Minha leitora estacionou o carro na frente de uma residência no Morumbi, abriu a porta e, antes que pudesse botar a perna para fora, um revólver surgiu diante do seu rosto.

— Assalto! Chega pra lá! — ordenou um jovem, e logo surgiu outro, empurrando-a para o banco do carona, com força, gritando “Rápido! Rápido!” com um palavrão no entremeio.

O jovem com o revólver abriu ligeiro a porta de trás e entrou, enquanto ela acabava de se sentar e, apavorada, fazia xixi nas calças, implorando, ofegante:

— Ai, meu Deus, não me mata não, não me mata não.

— Fica quieta, dona! Ninguém vai matar ninguém, não. Mas fica quieta!

Ela começou a se sentir mal, e puxava o ar com força para dentro dos pulmões, ruidosamente. Sua bolsa estava no banco de trás.

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— Você pode me passar minha bolsa, por favor?

— Sua? Tudo aqui agora é nosso! — disse o rapaz do banco de trás, zombeteiro. Depois, vendo que ela piorava a cada respiração, falou, mais delicado: — Fica calma, dona.

— Procura na minha bolsa, por favor, minha bombinha de Aerolin — implorou ela numa agonia de espasmos, e repetia “Por favor, por favor” enquanto o ladrão procurava a bombinha, realmente apressado.

— Não está aqui, dona, não tem nada aqui — disse ele, aflito.

— Ai, meu Deus, ai, meu Deus, minha asma — gemia ela sufocada, voz esganiçada, respirando ruidosamente pela boca, cabeça para cima, apoiada no encosto.

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O ladrão motorista, também aflito, achando que a mulher ia apagar ali no carro, procurou a bombinha para asma nas bolsas da porta ao seu lado. Achou um maço de cigarros vazio.

— Cigarro! Que vergonha! Asmática fumante! É por isso que você tem falta de ar.

Nesse momento, surgiu a mão do ladrão que estava atrás, segurando uma bombinha igual à dela, e ele falou com bons modos:

— Toma, usa a minha. Eu também tenho asma.

Ela aceitou, aflita, o aparelhinho, bombeou, bombeou, respirou, bombeou, bombeou e, quando se sentiu melhor, devolveu-o ao ladrão.

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Rodaram duas horas sacando o dinheiro dela em caixas eletrônicos. Eles tentaram outro assalto, num sinal vermelho, mas o trânsito andou e desistiram. Disseram pouco depois que iam deixá-la e que não se preocupasse com o carro, porque o encontraria logo.

— Desce, dona!

— Minha bolsa.

— Tá brincando.

— Você tá com meu dinheiro, com tudo o que é meu, podia ao menos me ceder sua bombinha.

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— De jeito nenhum. Não largo minha bombinha nem morto.

— E se eu tiver outro ataque?

— Nem pensar.

— Eu posso morrer.

— Não dou mesmo. Cuidasse da sua.

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— Então me dá uma folhinha do meu talão de cheques para eu poder comprar uma no caminho. E meu RG. O ladrão asmático vacilou, o do volante se irritou:

— Resolve isso logo ou dá um tiro nela.

Ela se apressou a sair do carro, novamente apavorada, dizendo “Deixa, deixa, eu vou”, e abriu a porta para sair. O asmático arrancou uma folha de cheque, catou o RG e entregou a ela, dizendo:

— Você teve sorte. A gente é ladrão bom.

Ela saiu, ele tomou o seu lugar no banco da frente. Aliviada, ela não resistiu a uma pequena vingança:

— Bem-feito. Você agora vai sentado bem no meu xixi.

e-mail: ivan@abril.com.br

 

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