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Amor ao próximo

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Quando vim do interior para São Paulo, aos 15 anos, não conhecia judeus. No meu novo colégio, em Santa Cecília, havia muitos. Fiz vários amigos, muitos dos quais mantenho até hoje. Tive um contato profundo com a comunidade, com seus hábitos, sua culinária, sua religião. Lembro de um Ano-Novo judeu na casa de duas amigas gêmeas, em que sua mãe me deu mel para “adoçar” o futuro. Desde a adolescência, ouvi falar muito do holocausto. Também vi filmes, li livros. Ao longo da minha vida, continuei convivendo com judeus. Mas, confesso, só agora senti na carne sua dor.

Há algumas semanas, reuni um grupo de amigos e fui para a Alemanha. Alugamos uma van e percorremos 1 200 quilômetros. Contemplei montanhas cobertas de branco, castelos que lembram contos de fadas e casinhas parecidas com as de bonecas. Em meio a uma viagem tão turística, resolvi conhecer um campo de concentração.

Dachau fica perto de Munique. É um lugar desolado, com enormes galpões. Ao entrar, percorri um museu sobre os prisioneiros. Alguns sobreviveram, a maioria não. Vi fotos, documentos e alguns objetos. Como um bastão de madeira usado para dar pancadas. É de gelar o sangue. Havia beliches nos dormitórios. Beliches? Tratava-se de uma espécie de prateleira, onde os prisioneiros – na maioria judeus – eram despejados, como se não tivessem identidade. A pessoa se transformava em um número. Banheiro comum, com os vasos sanitários lado a lado, sem divisórias, retirando todo o resquício de dignidade. Vi onde ficavam as enfermarias em que se faziam experiências científicas com seres humanos. Passei por uma vala gigantesca usada para depositar corpos. Depois entrei na câmara de gás.

Há uma sala grande, na qual cabiam 150 pessoas por vez. Todas deviam se despir com o pretexto de que iriam tomar banho. Imaginei as mulheres fazendo montinhos com as roupas, colocando identificação. Talvez pedindo a um soldado para não confundir com o de ninguém. Arrumando a roupa dos filhos em cima, delicadamente. Depois, nuas, as pessoas entravam em outro salão. E dos supostos chuveiros fincados no teto saía o gás assassino. Na seqüência, uma série de fornos crematórios para os cadáveres. Foi espantoso constatar o planejamento, prático e eficiente, para que o extermínio de seres humanos se tornasse banal.

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Saí sem ar. Lá fora algumas garotas choravam, emocionadas. Meu amigo Gabriel murmurou, comovido:

– Aqui não houve lugar para a compaixão. E, quando o ser humano não é capaz de ter compaixão, não resta mais nada.

Os campos eram destinados principalmente a judeus, mas também a ciganos, homossexuais, portadores de deficiências, dissidentes políticos. Fiquei com a certeza de que é preciso saber respeitar o outro. Durante minha vida aqui em São Paulo, aprendi a conviver com pessoas, religiões, tipos humanos diferentes. Tantos comportamentos, tantas crenças, tantos modos de ser! Nunca mais quero ouvir uma piada de judeu nem qualquer brincadeira preconceituosa. Agora, quando encontro um amigo judeu, eu penso em tudo o que sua família viveu, a dor da separação e da perda. E tenho a certeza de que é necessário lutar contra qualquer tipo de discriminação, para que nunca aconteça o horror. Visitar um campo de concentração é constatar que, quando não há compaixão, a civilização desaba. Amar o próximo deve ser uma atitude diária, constante, porque só esse amor nos identifica como seres humanos.

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