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Ainda amores

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Sim, fiquei devendo. Em crônica desavisada falei de amores distantes como se todos estivessem condenados à separação eterna, como se jamais pudessem viver o desafogo dos abraços, como Marílias e Dirceus afastados para sempre. Duas leitoras me cobram: e os amantes que vivem longe um do outro mas se vêem de tempos em tempos? É verdade, leitoras, há os que se amam com oceanos entre eles e no entanto se navegam. Está certo, ficou faltando.

Alguns amantes separados pela geografia têm encontros programados, buscam-se periodicamente. Para esses, a distância é só uma fase, adubada de esperanças. Arquite-tam com paciência o futuro sob o mesmo lençol. Conheci um engenheiro que abria estradas na Amazônia, noivo; veio, casou em festa, viajou de volta para a mata. Dois filhos nas visitas. Mas a floresta passou, foi uma fase.

Em outros casos, a construção do encontro é delicada, quando um, ou os dois, esbarra em alguma força que o impede, seja lei, mão pesada, aliança, algema ou o preço da passagem.

A alguns, entre esses, a prudência recomenda buscarem um lugar neutro, cidade neutra, zona desmilitarizada, defendidos de obuses e intrigas. Um acréscimo às dificuldades.

Outros, tendo apenas a distância como impedimento, enfrentam animados as complicações para o encontro, um quebra-cabeça de encaixar folgas, férias, fins de semana, horários, vôos, conexões, reservas, disponibilidades, desejos. Tudo isso dificulta, mas não impede esse amor que não se alimenta de cinema, locadora, sexo semanal, convivência ou filhos.

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Filhos? Os que se amam em encontros tão esparsos e tão difíceis quanto intensos correm riscos: e se ela ficar grávida? O impedimento que os mantém separados se tornaria desgraça; a barriga, adorável em outra circunstância, seria um problema desesperador. Assim, quando se encontram, se não vão prevenidos, contra a vontade tomam cuidados, roubam-se um pouco.

Existem inclusive os que acham o amor melhor assim, a distância, com episódios de reencontro e entrega. Um amor defendido contra as fraquezas do outro, feito só de picos de amor. Apesar da cautela, romântico. Uma das leitoras que me escreveram expressou lindamente seu ponto de vista, de que esses amores “não se deterioram com o tempo e o convívio”. Embora contraponha a cautela à paixão, a idéia é romântica: “Cada reencontro proporciona momentos inesquecíveis de pura alegria”… “Cada palavra, cada gesto, carinho, confissão, tudo é profundamente sorvido para que permaneça vivo até o próximo reencontro”… “É assim que todos os amores deveriam ser, mas sem dúvida é assim que o amor distante é: longevo, excitante, o amor em sua forma mais pura, valorizado pela distância, que nos dá tempo para pensar e avaliar quanto ele é im-prescindível.”

Isso não seria prescindir do imprescindível ou fazer do imprescindível um de-vez-em-quando?

E às vezes, raras vezes, o reencontro se dá quando nem era mais esperado. O acaso vai construí-lo, misteriosamente engendrá-lo. É um recurso manjado dos escritores românticos. Ao destino, que importa que seja manjado, que importa repetir o truque? Dois amigos meus, naqueles anos difíceis de exílios e desencontros e renúncias e buscas espirituais, se reencontraram por acaso em Katmandu, no Nepal. “O que tem de ser tem muita força”, escreveu Clarice Lispector, parafraseando os árabes.

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