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A viagem do Dengoso

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 17h11 - Publicado em 5 Maio 2012, 00h50

No réveillon de 2002, eu e minha mulher, Luli, ganhamos um anão de jardim, o Dengoso, da Branca de Neve. Não era pequeno pelos padrões usuais de decorações desse tipo. Devia ter 1 metro de altura (ou quase isso). Pesava, por baixo, 20 quilos. Juro. A comemoração ocorreu na residência da Virgínia e do Rafa em Itamambuca, ao norte de Ubatuba, no Litoral Norte. Não me recordo do que fizemos para merecer o presente. Acho que foi sorteado. A ideia do prêmio era divertida. Os organizadores da festa pretendiam criar um “mico”, como se diz, que circulasse, ano a ano, pelas casas da vizinhança na praia. Mas foi ganho justo pelo único casal “de fora” ali na festa.

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Morávamos, na época, em um apartamento daqueles predinhos antigos sem elevador da Rua Simão Álvares, no bairro de Pinheiros. Fato que foi lembrado e relembrado réveillon adentro, tornando a premiação mais divertida, pelo menos para quem não ficara com o mico. No dia seguinte, fomos obrigados a acomodar o Dengoso no porta-malas do Gol da Luli para trazê-lo à capital. Para o anão, a viagem foi agitada, sobretudo naquele trecho de curvas no início da subida da praia em direção a Taubaté. Quando eu virava a direção para a esquerda, o boneco se deslocava para a direita, fazendo uns barulhos preocupantes ali na traseira do nosso automóvel.

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Durante a jornada, já comecei a planejar a vingança. Pensei em colocar o “presente” no correio e despachá-lo de volta para Itamambuca, repetindo uma estratégia utilizada pelo meu saudoso pai. Certa vez, como já tive oportunidade de relatar aqui, o velho enviou uma árvore de Natal da Califórnia para o irmão dele que morava na Alemanha. No meu caso, porém, o plano não foi levado adiante, pelo menos de imediato. O Dengoso era pesado demais. Em São Paulo, ele passou a viver na varanda do apartamento.

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Lembrei-me dessa história na semana passada ao encontrar no ótimo livro “1922: a Semana que Não Terminou”, do jornalista Marcos Augusto Gonçalves, uma referência à campanha idealizada pelo escritor Monteiro Lobato, em 1917, pela “expulsão dos gnomos e anões germânicos dos jardins e sua substituição por estátuas de caiporas e saci-pererês”.

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Sou fã dos enfeites de jardim desde que os vi pela primeira vez, em uma loja de Taubaté em 1980. Foi o professor José Carlos Sebe Bom Meihy, da USP, estudioso de Lobato, quem me ensinou a apreciar a exuberância kitsch dos flamingos, sapos e gnomos, assim como a dos caiporas e de outros nacionalismos. Inspirado pela aula, cheguei a levar de presente para o esconderijo do meu amigo Tota, em Atibaia, estátuas “gregas” de 2 metros de altura de onças de gesso.

Pensando bem, talvez merecesse mesmo ganhar o Dengoso naquele réveillon. Estava longe de ser um inocente no assunto. Mas não deixei barato. Seis meses depois, em pleno inverno, voltamos para Itamambuca, sem contar para ninguém. Pulei a cerca no quintal da casa da Virgínia e do Rafa e abri o portão por dentro. Tirei o Dengoso, que, coitado, enfrentara outra viagem no porta-malas, e o coloquei, em pé, ao lado dos bambus, próximo à piscina, onde ele seria descoberto pelos proprietários da casa meses depois — e onde, quero crer, ele mora até hoje.

Há, ainda, um epílogo. Você não vai acreditar, mas na semana passada, sem nada saber destas mal traçadas, minha filha Maria trouxe de Taubaté um saci de gesso para mim. Quando a Luli tentou explicar a graça do presente para nosso filho Sammy, de 8 anos, ele perdeu a paciência e saiu-se com esta: “Já sei, mamãe, saci é o mascote do Internacional”. Monteiro Lobato ficaria feliz.

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E-mail: matthew@abril.com.br

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