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A pizza insuperável

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h44 - Publicado em 18 set 2009, 20h19

Meu amigo gosta de cozinhar. Uma coisa que ele nunca fez por prazer é pizza. Acha que comer pizza em casa não é a mesma coisa que na pizzaria. Ele tem hipóteses, diz que talvez não seja bem um problema da comida, o que fica faltando são o calorzinho, a conversa ruidosa, o cheiro da lenha queimando, os aromas do ambiente, mistura de orégano, queijo e massa no forno. Não fecha questão, admite que pode ser um estado de espírito, mas que é diferente é, diz ele. Bom, casou-se.

A mulher, nascida no bairro paulistano da Mooca, velho reduto de italianos, falava de uma pizza inesquecível que a mãe fazia. Não saberia repeti-la, não cozinhava. O rapaz, de seus 30 anos, vinha de uma família calorosa, dada a almoços e jantares. Havia sempre um vinho passando de mão em mão, mas sem radicalismo que excluísse a cerveja dos aficionados. O pai achava engraçado comentar depreciativamente “Tem gosto pra tudo” antes de ir buscar a cerveja para algum amigo. Os filhos, três homens, e a mãe revezavam-se e rivalizavam-se na cozinha. “Eu estou com vontade de fazer aquele ragu de cogumelos”, dizia um, “e eu estou com saudade daquela minha carne de porco alentejana”, completava outro, e dali nascia mais um almoço, com dois ou três convidados. Divertiam-se com aquela gostosa competição.

Depois do casamento, passados os meses da lua-de-mel, da arrumação da cozinha, de ajeitar os presentes nos armários, de pendurar os quadros na parede e de arrumar os livros, os CDs e os DVDs na estante, o jovem marido resolveu encarar o desafio da falada pizza.

Primeiro, levou-a às melhores casas da cidade, fosse porque preferia comer pizza lá, fosse para estudar as preferências dela. A jovem esposa achava-as boas, mas a palavra “boa” saía sem ênfase, sem aquele aperto de olhos, sem o alongado “huuum!” que não deixa dúvidas. Volta e meia ela falava da insuperável pizza da mãe, falecida havia muito tempo.

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Ele passou discretamente para a fase de tentativas em casa. Fazia a massa, “ponto de partida essencial”, que havia aprendido com o amigo Ernesto, ex-vizinho a quem bajulava como o gênio da pizza e que tinha até forno a lenha no quintal de casa. Colocava as coberturas preferidas da jovem esposa. Ela, delicada, dizia “Está ótima”, mas sem aquele “huuum!”. Ele percebia, sem reclamar, que fora derrotado mais uma vez pela pizza-fantasma. Não se magoava, era bom jogador e sabia que muitas pessoas têm na cabeça umas comidas saborosas inigualáveis, temperadas pela memória emotiva. Talvez fosse o caso dela.

Numa sexta-feira, convidou uma turminha e convocou o próprio Ernesto para fazer uma rodada de pizzas, vários sabores. O Ernesto trouxe as fôrmas e os ingredientes, esmerou-se, enfarinhou-se todo, enfarinhou a cozinha, e o pessoal adorou, entre vinhos e cervejas. A dona da casa foi educada, elogiou e agradeceu, despediu-se do Ernesto com um “Precisamos repetir, hein?” e antes de dormir, nostálgica, comentou com o marido:

– As pizzas dele são ótimas, não estou pondo defeito, mas, sabe, a da mamãe tinha alguma coisa que eu não sei dizer o que é. Era ela, eu acho.

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Ele tinha quase certeza de que sim, mas queria ainda fazer um teste. Lembrou-se de uma história contada pelo pai num daqueles almoços, caso de um macarrão de família que era uma gororoba e todo mundo adorava.

Esperou um dia propício. Foi a um supermercado, comprou uma redonda qualquer semipronta, temperou de qualquer jeito com purê de tomate de latinha, incrementado com pasta de alho, jogou por cima queijo-de-minas raladão, orégano, umas lingüiças desmanchadas que sobraram do almoço, umas azeitonas pretas, passeou um azeite, assou e pôs na mesa. A queridinha cortou, serviu-o, serviu-se, provou e:

– Uau! Acertou! Yesss!

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