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A importância da simulação de abandono de prédio

Desde 2001, um decreto estadual obriga os 28000 prédios residenciais e os 5000 comerciais da cidade a ter brigada de incêndio e fazer simulados de evacuação duas vezes por ano

Por Maria Paola de Salvo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h28 - Publicado em 18 set 2009, 20h30

A coluna de fumaça, de tão alta e escura, parecia anunciar uma tragédia aérea, a segunda em menos de um ano, nos arredores do Aeroporto de Congonhas, como chegou a ser erradamente divulgado. Era um incêndio ocorrido ali perto, em Moema, onde uma loja de colchões ardeu em chamas no fim da tarde da última terça. Causado possivelmente por um curto-circuito, conforme relato de bombeiros, o fogo demorou quase duas horas para ser contido, assustou os paulistanos que viram as cenas ao vivo pela TV, transformou o estabelecimento em cinzas e deixou dois feridos. O saldo poderia ter sido pior, caso funcionários e moradores não tivessem evacuado dois edifícios vizinhos. “Foi o maior susto da minha vida”, afirma o estudante Bruno de Abreu Lorenzino, que se apressou em abandonar seu apartamento no 4º andar do Mansão Modigliani, localizado nos fundos da loja. A fumaça chegou ao 8º dos treze pavimentos. Ele nem imaginava, mas correu perigo enquanto fugia. Desceu de elevador – o que jamais se deve fazer em situações de emergência como essa.

Lorenzino saberia do risco caso tivesse participado de alguma simulação de abandono de prédio. Sim, aquele exercício considerado uma tremenda chatice por muita gente. Desde 2001, um decreto estadual obriga os 28000 prédios residenciais e os 5000 comerciais da cidade a ter brigada de incêndio e fazer simulados de evacuação duas vezes por ano. “Só com muito treino se aprendem rotas de fuga e onde ficam as saídas de emergência”, diz o capitão Nilton Miranda, chefe da seção de análise e legislação do Corpo de Bombeiros. Apesar disso, a maioria descumpre a lei. Em 2007, os bombeiros registraram apenas 73 simulados em São Paulo. Como eles não precisam ser comunicados à corporação, muitos dos treinos ficam de fora da estatística. “Não temos poder de polícia nem capacidade para fiscalizar”, explica o capitão Miranda. A prefeitura também se exime da tarefa. “Esse acompanhamento não está previsto no Código de Obras e Edificações”, diz Vagner Monfardini Pasotti, diretor do Departamento de Controle do Uso de Imóveis (Contru).

Quem trabalha em grandes prédios de escritórios já deve ter ouvido o estridente alarme de incêndio – falso, ainda bem – pelo menos uma vez na vida. É que os condomínios comerciais costumam obedecer um pouco mais à lei. Forrado de carpetes, divisórias e quilos de papel, o ambiente de trabalho é um prato cheio para o fogo. Por isso mesmo, é monitorado mais de perto pelas seguradoras, que costumam exigir em contrato brigadistas e funcionários treinados. “Como os apartamentos são de alvenaria e compartimentados, dificilmente as chamas se espalham para outras unidades”, afirma Sergio Tomas Ceccarelli, vice-presidente da Associação Brasileira de Proteção contra Incêndio. Além disso, reunir todos os moradores num mesmo dia e horário é uma tarefa bem mais complicada que avisar os funcionários de uma empresa. Alguns dos mais altos arranha-céus da cidade, como o Edifício Itália e o Mirante do Vale, não fazem simulados, exceto para os empregados do condomínio. No Copan, o maior edifício residencial de São Paulo, eles limitam-se à área comercial. “Temos 5000 moradores e isso seria uma imprudência que provocaria tumulto”, diz o síndico, Affonso Celso Prazeres de Oliveira. Mas nem tudo escapa da fiscalização. Para receber o alvará de funcionamento, os imóveis devem ter autorização do Contru e do Corpo de Bombeiros, que verificam, por exemplo, se há equipamentos de segurança – como extintor, hidrantes e portas corta-fogo – e brigada de incêndio em número suficiente. Dos 1803 locais vistoriados pela prefeitura no ano passado, 261 foram interditados, boa parte por falta de brigadistas.

As normas de segurança ficaram mais rígidas depois que três grandes incêndios aterrorizaram São Paulo. As tragédias dos edifícios Andraus, em 1972, Joelma, em 1974, e Grande Avenida, em 1981, mataram ao todo 221 pessoas e feriram quase 1000. “Graças às exigências e aos novos sistemas de segurança, o número de ocorrências diminuiu, apesar do crescimento da população”, afirma o capitão Miranda. Em 1998, 3634 edificações da cidade pegaram fogo. No ano passado, 2652. A última ocorrência de grandes proporções foi a do prédio da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), na Avenida Paulista, consumido totalmente pelas chamas, em maio de 1987. Não houve mortos.

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Pouco adianta detectar logo as labaredas se as pessoas não estão preparadas para abandonar o local. “Como a fumaça escurece tudo, é fundamental conhecer bem a planta para sair ileso”, diz o tenente-coronel da reserva dos bombeiros Jovelli Marcatti, que hoje ensina funcionários de empresas a fugir em caso de fogo. No último dia 15, Marcatti preparou uma superprodução para simular o abandono dos dez andares do edifício da seguradora Allianz, na Bela Vista. A encenação teve até fumaça densa – produzida por uma maquininha – e dois atores no papel de vítimas. Foi também um teste para os trinta brigadistas voluntários, que na boa marca de 8 minutos colocaram os 400 funcionários para fora. Nem mesmo os que costumam inventar desculpas esfarrapadas para não descer escaparam da varredura. “Tive de caçar uma pessoa dentro do banheiro masculino”, lembra a brigadista Carolina Gonçalves.

Há os que levam a simulação a sério demais. E entram em pânico. A gerente administrativa da multinacional Cushman &Wakefield, Aldria Carla Zanelatto, que o diga. Brigadista há sete anos, ela se fingiu de vítima e foi transportada de maca pelas escadas do 12º andar ao térreo. “Quando me viram naquele estado, as pessoas ficaram preocupadas de verdade”, conta ela, que já atuou em um princípio de incêndio real. O funcionário que vira brigadista voluntário pensando em chamar atenção entre os colegas se dá mal logo no primeiro treinamento prático. Em campos de prova de empresas especializadas, é preciso sujar o macacão de fuligem e enfrentar o calor para apagar piras de fogo com vários tipos de extintor. A prova mais difícil é vencer a claustrofobia e encontrar a saída de um labirinto escuro e repleto de fumaça. “Funciona como uma espécie de teste psicológico para eliminar os não preparados”, diz o técnico de segurança do trabalho Frank Araújo da Cunha, da Sprink, que dá treinamento a brigadas.

No treinamento prático em campo de Mogi das Cruzes, a brigada de incêndio tem de apagar piras de fogo com vários tipos de extintor. As lições ajudaram a gerente administrativa e brigadista da Cushman & Wakefield, Aldria Carla Zanelatto, a encarar um princípio de incêndio de verdade

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