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A avenida vai para as ruas

Com 214 blocos, o triplo do ano passado, a folia na cidade deve atrair pelo menos 500 000 pessoas e terá de marchinhas clássicas a Beatles em ritmo de samba

Por Carolina Giovanelli e Juliana Deodoro
Atualizado em 12 nov 2018, 18h10 - Publicado em 21 fev 2014, 23h00

O tradicional Bloco Esfarrapado anima as ruas do Bixiga com marchinhas ao estilo Mamãe Eu Quero. Os cariocas do Sargento Pimenta capricham em versões para sucessos dos Beatles tocadas com surdos, repiques e tamborins. Música turca e tarantelas italianas mesclam-se no repertório do Ciga-nos, grupo que faz a festa na Praça Roosevelt. Na folia do Bangalafumenga entra até composição do rapper Criolo. O paulistano nunca teve tantas opções para aproveitar o Carnaval de rua. Neste ano, pelo menos 500 000 foliões vão seguir um número recorde de 214 blocos e bandas. Em 2013, a SPTuris, órgão de turismo da prefeitura, contabilizou 75 agremiações.

 

A onda está provocando uma curiosa mudança de comportamento. Até alguns anos atrás, ficar na capital no feriado era coisa para quem preferia aproveitar a cidade com menos trânsito ou fugia da muvuca das estradas rumo ao interior e litoral. Os festeiros, em hipótese alguma, “micavam” na capital. Agora, muitos que gostam do barulho passaram a considerar permanecer por aqui como uma opção interessante, graças à multiplicação dos blocos. “Na década de 70, as atenções se voltaram para as escolas de samba”, diz Alberto Ikeda, professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisador de cultura popular brasileira. “Nos últimos tempos, a festa de rua voltou a ganhar força. As pessoas não querem mais pagar ingresso nem ficar confinadas em um só lugar.” Essa tradição vem do Rio de Janeiro, onde o ziriguidum do asfalto é muito maior, com 457 blocos e público de 5 milhões. O evento paulistano ainda está longe de atingir essas polpudas marcas, mas livrou a cidade de piadas como “bloco em Sampa só se for de concreto”.

 

Neste ano, estreiam por aqui Moocarnaval, Bastardo, Tarado Ni Você e Ciga-nos, entre outros. Em seu segundo ano, o desfile do Casa Comigo, na Vila Madalena, reúne cada vez mais público. No domingo (16), levou ao bairro cerca de 5 000 pessoas. Os tipos eram moderninhos, daqueles que normalmente torceriam o nariz para a celebração. Agora, como a coisa ficou badalada, muita gente vai atrás do cordão. As atrizes Gabriela Haslund e Jessica Freytag, em sua primeira participação na folia de rua, capricharam no figurino de noiva, o traje obrigatório para as mulheres. “Nem com plaquinhas de ‘procura-se marido’ arranjamos pretendentes”, brincava Jessica. A presença desses frequentadores se deve em parte ao Acadêmicos do Baixo Augusta, criado pelo empresário da noite Ale Youssef, que desfila desde 2009 na região boêmia, com musas como Alessandra Negrini e Tulipa Ruiz.

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Há também a leva de atrações cariocas, caso do Bangalafumenga, Bloco do Sargento Pimenta e Cordão do Boitatá. Esse último teve sua comemoração no sábado (15), em Pinheiros. Mesmo debaixo de chuva, os amigos Diogo Pinaffi, Alexandre Marques e as irmãs Nathalie e Michelle Ohl não desanimaram. Levaram um cooler próprio, repleto de cervejas long neck. “As bebidas costumam custar em média 5 reais”, justificava o produtor Pinaffi. O Cordão do Boitatá faz parte de outra tendência, os grupos que se ligam a bares — nesse caso, o Pirajá, em Pinheiros. Os estabelecimentos Casa de Maria Madalena, na Vila Madalena, Espaço Zé Presidente, em Pinheiros, e Boteco Pratododia, na Barra Funda, fizeram algo parecido. O Carnaval de rua conta também com a seara política, formada por nomes como o Psicoparque Memo, ligado aos defensores do Parque Augusta, e o Bloco da Abolição, que homenageia Carlos Marighella (1911-1969).

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Em meio a tantas novidades, a velha guarda continua firme, com a tradicional trilha de marchinhas e até distribuição de almoços. Carlos Costa, o Carlão, está entre os veteranos no negócio. Começou com a Banda Bandalha, em 1972, ao lado do dramaturgo Plínio Marcos. Desfilavam com eles atores como Tony Ramos e Eva Wilma. Plínio abandonou o barco um ano depois, por não se conformar com a falta de apoio da prefeitura. Sem o amigo, Carlão resolveu fundar outro cordão em 1974, a Banda Redonda, que ainda circula pelo centro. “O melhor das ruas é que não há competição, o objetivo é apenas se divertir”, afirma ele, que trabalha há cinco anos no arquivo do Carnaval, instalado em uma salinha dentro do Sambódromo do Anhembi.

 

Na festa democrática, há opção também para os vips. Entretanto, um decreto oficial colocou água no champanhe dos que não se misturam, pois proibiu o uso de cordas que separam os foliões em cercadinhos, como ocorre em Salvador, por exemplo. Em 2011, em sua estreia, o Bloco do Movimento de Rua fechou a Alameda Jaú, nos Jardins. Apenas quem pagasse o abadá poderia brincar. Agora, em sua segunda edição, no último dia 15, não pôde repetir a ação. Os participantes que quiseram vestir a camiseta-convite precisaram pagar de 120 a 150 reais, mas só aproveitaram uma festa privada no fim do percurso, que terminou em uma balada fechada num espaço de eventos. Após pausa de uma década, o Gueri-Gueri, que desfilava pelas ruas dos Jardins nas décadas de 80 e 90, está de volta, agora no Ibirapuera. Seguir o trio é de graça, mas quem desembolsar 120 reais poderá ficar em uma área restrita na concentração, onde cabem cerca de 2 000 pessoas, com direito a bar, palco, mesas e cadeiras. “Estamos tratando esse espaço como um acontecimento distinto do bloco, com alvará de evento paralelo”, explica Fernanda Suplicy, que comanda o Gueri- Gueri ao lado de seu pai, Roberto. “O dinheiro que arrecadamos ajuda a bancar as atrações que todos podem aproveitar.”

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De olho em novos consumidores, os patrocinadores aproveitam o sucesso de público para multiplicar investimentos em publicidade. Uma das empresas que mais apostam no nicho é a Ambev, dona de cervejas como Skol e Brahma. Em 2011, seu primeiro ano de patrocínio, apoiou vinte blocos. Em 2014, ajuda financeiramente 36, com oferecimento de cerveja, ambulâncias, camisetas, banheiros químicos e verba direta. Em oito deles, também bancará uma bateria que toca no começo e no fim do trajeto. “Não é um comércio, não lucramos com isso, é um modo de pagarmos melhor os músicos, as mulatas…”, explica Candinho Neto, presidente da Associação das Bandas/Blocos Carnavalescas de São Paulo (Abasp) e da Banda do Candinho, que recebem apoio da cervejaria.

 

Outra fonte de patrocínio são os cofres municipais. Neste ano, foram 403 000 reais divididos por 27 agremiações — em média, 15 000 reais para cada uma. Apenas os conjuntos filiados à Abasp e à Associação de Blocos e Cordões Carnavalescos (ABBC) tiveram direito ao auxílio. Desde janeiro, a prefeitura tem feito reuniões com os foliões com o objetivo de garantir a segurança de todos nas ruas e evitar maiores transtornos ao trânsito e aos moradores das re giões que estão no percurso dos cordões. Foliões de outras cidades experimentadas no assunto foram convidados a participar de seminários e apresentar os erros e acertos de capitais como Salvador e Recife.

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A Secretaria de Cultura afirma que não vai financiar os independentes, ou seja, os que não fazem parte do restrito grupo ligado às duas associações oficiais, que há tempos recebem dinheiro público. “Criaremos leis e decretos para permitir que eles se organizem e façam captações privadas”, afirma o secretário municipal de Cultura, Juca Ferreira. Natural de Salvador, ele pretendia viajar para a capital baiana na temporada, mas “as passagens estão muito caras”. Agora, vai ficar em São Paulo, mas ainda não decidiu se vai acompanhar algum cordão. No bloco das autoridades, quem confirmou presença foi a primeira-dama Ana Estela, mulher do prefeito Fernando Haddad. Ela vai organizar o Bailinho de Carnaval, para crianças, na Praça das Artes, em 4 de março.

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Enquanto para muitos a farra de rua é diversão sem preocupação, para outros pode se tornar um verdadeiro pesadelo. Os vizinhos são os maiores afetados com o barulho, a sujeira e o trânsito. Até sacerdote anda reclamando. O bloco Tarado Ni Você tinha a ideia de ocupar a Praça Cornélia, na Vila Romana, onde fica a Paróquia São João Maria Vianney. O padre da igreja, Raimundo da Silva, deu o aval. Os integrantes garantiram que parariam a música durante as duas horas da missa de domingo (9), o que aconteceu. Mas logo o religioso se arrependeu. Mesmo sem batucada, a barulheira de conversa atrapalhou o culto. “As duas coisas não combinaram”, diz. “Os fiéis não quiseram entrar com tanta gente em volta e a missa ficou vazia.” Além disso, Silva reclamou do uso do banheiro da igreja pelos foliões, das pessoas bêbadas que entraram na capela e do consumo de drogas na praça. O maior escândalo, segundo o sacristão, foi o flagra de um casal fazendo sexo atrás do templo. Embora o Carnaval seja um período de excessos, é claro que tudo tem um limite. A festa dos blocos ficará ainda mais bacana quando o espaço de todos for respeitado — incluindo o daqueles que preferem passar longe do som das cuícas. 

Destaques de cada dia

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Algumas boas promessas entre os grupos que desfilam neste ano

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