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Nu de Botas

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 15h11 - Publicado em 7 mar 2014, 18h52

Comprei a última obra de Antonio Prata, Nu de botas, no lançamento, em novembro do ano passado. O evento ocorreu no Cine Joia, perto da Praça Carlos Gomes, no bairro da Liberdade. Foi dos mais descolados que já vi na área editorial, com direito a danças, baladas, DJ e um bate-papo no palco entre o autor e Gregório Duvivier, do Porta dos Fundos, que na ocasião lançava um livro próprio, de poesia. Para entrar era preciso comprar os dois títulos. Achei o formato esperto e novo.

O Cine Joia, descobri na internet, era um lugar cult, onde passavam filmes de arte japoneses, sobre tudo os do diretor Akira Kurosawa, até 1982, quando virou uma igreja pente costal. Em sua encarnação mais recente, o endereço virou uma casa de shows moderna, de médio porte, com um jeito hipster agradável. Antes do lançamento, jantei com um grupo de amigos no restaurante chinês Chi Fu, que tampouco conhecia. Fica em outra ponta da mesma Praça Carlos Gomes e se tornou, desde aquele novembro, um dos meus favoritos. Há algo de muito paulistano nele. As porções são feitas para gente com muita fome. Os gostos são fortes. Ninguém ali fala português direito. É chinês em meio a um bairro teoricamente, ao menos, japonês.

Só fui abrir Nu de Botas no mês passado. Livro é assim mesmo. Quem lê sabe. Há uma relação indireta entre a leitura e a compra. Tive, também, um pouco de receio de não gostar, desconfio. O que seria chato nesse caso. Conheço o autor desde a sua festa de aniversário de 8 anos de idade. Isso foi em meados da década de 80. Eu devia ter uns 27 na época.

Nu de Botas relata episódios pinçados da infância do Antonio vivida em São Paulo, no bairro do Itaim, com idas memoráveis para a cidade de Lins, no interior do estado, e férias passadas no Litoral Norte. Acompanhamos em capítulos distintos a separação dos pais, a descoberta do sexo (teórico), do amor (prático) e o triste fim de alguns animais domésticos. A televisão figura com certo destaque entre as lembranças do autor, tal como a troca de figurinhas de jogadores da Copa de 1982. A moda infantil é analisada com um rigor que, por vezes, me soa excessivo. O impacto do videocassete é registrado. Não há grandes tragédias, posso adiantar, sem medo de estragar a leitura. À luz do livro, a infância do escritor parece razoavelmente tranquila, bem paulistana, com direito a muitas observações feitas do banco de trás de automóveis, sempre do popular modelo Brasília. 

Li a obra no ônibus ao longo de uma semana. Dei ao menos três ou quatro gargalhadas, daquelas inconvenientes, de afastar gente, sem falar de inúmeras risadinhas. Antonio relata os primeiros anos de vida com a naturalidade de um adulto experimentado na arte de contar histórias. O livro lembra, nisso, a lendária tira do Snoopy, de Charles Schulz.

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É gostoso de ler, do começo ao fim. Gostei particularmente dos diálogos. Como este, entre o pai (Mário) e a irmã (Maria) do Antonio, sobre aonde se vai depois de morrer:

— Pro céu, onde? Onde passa o avião?

— Mais pra cima, filha.

— Aonde os astronautas vão, de foguete?

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— Depois, bem depois.

— É onde mora o Deus?

— É, por ali, dizem.

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