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Entre dois amores

Por Matthew Shirts
Atualizado em 12 nov 2018, 18h15 - Publicado em 1 ago 2015, 00h00

Saio do serviço na hora do almoço e vou até a Estação Pinheiros do metrô, onde desço as gigantescas escadas rolantes até o que só pode ser o ponto mais baixo da cidade. O fundo do poço. Emociona, sempre. Meu destino é a Fradique Coutinho, duas estações à frente na Linha Amarela. A viagem é quase tão vertical quanto horizontal. Ou assim parece, ao menos. Já me alegra o coração a perspectiva de descer (ou subir, no caso) na Fradique, uma estação pequena, nova e bonita, que tanta efervescência trouxe àquele pedaço de Pinheiros. Demorou para ser feita, mas valeu. Até banheiro limpo tem. Se você não a conhece ainda, marque algum encontro por lá e vá de metrô.

+ Sábio Precoce, de Ivan Angelo

Minha missão é achar o busto de Antonietta Rudge na Praça Portugal. Estou fascinado por essa mulher. Não sabia quem ela era até outro dia, quando terminei de ler Mario Prata Entrevista uns Brasileiros, o último e um dos melhores livros do meu compadre. Tampouco conheço o endereço, uma lacuna inexplicável para quem mora há 25 anos no bairro. Segundo o Google, ele fica próximo à esquina da Avenida Rebouças com a Rua Henrique Schaumann. Nunca vi praça nenhuma ali.

No livro, Prata apresenta a Antonietta na entrevista com Charles Miller, o introdutor do futebol no Brasil, com quem foi casada. É uma das maiores pianistas da nossa história, a primeira conhecida internacionalmente, se entendi direito.

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Entro na internet para saber mais. Descubro gravações e fotos dela, rua com seu nome, artigo de Oswald de Andrade e até um trecho de uma carta do escritor inglês D.H. Lawrence, autor do clássico O Amante de Lady Chatterley. Lawrence pretende ir ao recital dela em Londres, conta na carta, como quem hoje fala que vai ao show da Madonna no Morumbi.

Antonietta se apaixona, depois, pelo poeta modernista Menotti Del Picchia. “Era quase dez anos mais novo do que ela”, revela Charles Miller, o primeiro marido, na entrevista póstuma concedida ao Mario Prata. E continua: “Poeta, sabe como é… Ela se encantou. Nós nos separamos, ela foi morar com ele. Depois se casaram. Tudo muito civilizado. Sabia que ela é uma das poucas mulheres com busto em São Paulo? Fica em Pinheiros. Tocava Chopin e Beethoven como ninguém”. Você há de convir, é uma mulher interessante.

+ O psiquiatra e a mãe, de Matthew Shirts

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Chego à Rebouças. Demoro um pouco para entender que aquele pedacinho de chão maltratado é a Portugal. A placa de rua traz o nome. Mas não vejo busto nenhum. Há uma ou outra árvore, umas publicidades e um sem-teto acampado, nada mais. Depois de um tempinho, coçando a cabeça e respirando a poluição densa, percebo que a praça continua do outro lado da avenida, no rive droite, como se diz em Paris. É uma minúscula ilha em meio ao oceano de carros do cruzamento. Para chegar lá é preciso atravessar duas faixas de pedestres demoradas. Ali, do ladinho do asfalto que, alguns metros à frente, se tornará a Avenida Brasil, está um busto de “Antonietta Rudge, pianista”. É pequeno, simples e bacana.

Devo ter passado ali 2 000 vezes, de carro, táxi e ônibus. Oitenta vezes por ano durante 25 anos dá esse número, calculo. Nunca tinha visto o busto. Nem eu nem ninguém, acredito. Na volta tenho uma ideia. Vamos levar a peça dessa grande artista brasileira para um lugar mais nobre, dentro da Estação Fradique Coutinho do metrô?

matthew@abril.com.br

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