Quem anda a pé por São Paulo acaba desenvolvendo opiniões a respeito das calçadas. Parece frescura, mas não é. Frescura é outra coisa, vá por mim. Cerca de 170 000 pessoas se machucam por ano nas calçadas da cidade. Dá mais de 450 feridos por dia. Malconservadas, elas levam a população para o automóvel mesmo. Andar a pé já exige mais esforço do que de carro. Em território minado, então, nem se fala.
Mas não é tudo má notícia. Quando se colocam mesas e cervejas nas calçadas, os responsáveis por isso tendem a favorecer a formação de grupos entusiasmados e atrair gente bonita. Há calçadas lindas, como a de um edifício em Pinheiros, o Tomie Ohtake, projetado pelo arquiteto Ruy Ohtake, que é branca com ondulações marrons. Em outras regiões, podem-se encontrar uma variedade animadora e algumas surpresas divertidas. Diante de um desnível de três graus, um proprietário pintou na calçada o aviso: “Watch your step”, ou seja, cuidado com o degrau. Achei que em inglês a advertência chama mais atenção e ganha um tom “pop”.
As calçadas estão entre os poucos espaços públicos privatizados por lei. Elas são de livre acesso. Todos passam nelas. Mas sua manutenção é da responsabilidade do proprietário do imóvel adjacente, pelo menos em São Paulo. Essa complexidade cria tensões. Mas cria também pequenas obras de arte, intervenções simpáticas no espaço da metrópole.
Há quem defenda a padronização das calçadas pela prefeitura. Dizem que isso garantiria sua qualidade e resultaria em menos acidentes. Não concordo. Sou entusiasta da variedade das tendências. Como pedestre, acho mais animado, livre e divertido. Mas, se houver displicência, aí defendo que o poder municipal faça o conserto e mande a conta.
O importante, no caso, é manter os espaços o mais convidativos possível. As grandes metrópoles do século XXI serão definidas pela quantidade e qualidade dos seus pedestres.
O “Pelé” do assunto pedestrianismo se chama Edson Payson Weston. Ele começou sua carreira com uma aposta. Disse que chegaria a pé para a posse de Abraham Lincoln em Washing ton, caso este ganhasse a Presidência dos Estados Unidos em 1861. Saiu de Boston. Conseguiu fazer o trajeto — 700 quilômetros — em dez dias, mas perdeu a posse do presidente e a aposta por uma questão de horas. Conseguiu ir ao baile de Lincoln à noite.
Weston se tornou um pedestre profissional logo depois. Em 1869, chegou a fazer uma caminhada de 8 000 quilômetros que lhe rendeu a fortuna de 25 000 dólares. Morreu aos 90 anos de idade, vítima de um atropelamento por automóvel em Nova York, na década de 20. Uma morte irônica. As informações são do livro The Lost Art of Walking, de Geoff Nicholson (A arte perdida da caminhada, em português). Recomendo-o vivamente.
Não conheço nenhuma obra dedicada à história do pedestrianismo em São Paulo. Mas era um esporte popular aqui no início do século passado. Algumas caminhadas aconteciam ao longo do Rio Tietê. Sou adepto da modalidade em sua versão menos competitiva. Ando para cima e para baixo. Tenho a opção luxuosa de ir ao trabalho a pé. Basta descer os 94 degraus da escadaria — imunda e bem enfeitada com grafites — ao lado do supermercado Hirota para alcançar a Rua Aspicuelta, na Vila Madalena. Sigo até a Simão Álvares. Viro à direita, depois à esquerda, e passo em frente ao Tomie Ohtake. Dali há diversas rotas até o prédio onde trabalho. Leva uma meia hora. É uma delícia, sobretudo em dia de sol ameno.
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