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Antonio Fagundes lota teatro com a comédia ‘Baixa Terapia’

Peça está em cartaz no Tuca, em Perdizes, e conta com seu filho, atual mulher e duas ex na equipe do espetáculo. Relembre a carreira do artista

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 8 abr 2017, 15h58 - Publicado em 7 abr 2017, 19h43

Antonio Fagundes é um sujeito de convicções enraizadas. O grande ator, que completa 68 anos no dia 18, guarda no bolso um velho telefone celular desligado, daqueles de teclas, que põe para funcionar apenas duas ou três vezes por dia, para pescar mensagens. Também dispensa de sua rotina os computadores. Logo, não abre e-mails e jamais frequentou redes sociais.

Alimenta, inclusive, desprezo pela febre tecnológica. “As pessoas perdem três horas por dia com máquinas e juram não ter tempo de se ocupar com literatura ou com espetáculos”, critica. “Eu devoro três livros por semana e vejo duas peças, além de fazer a minha.” A paixão pelo teatro de qualidade, aliás, pode ser incluída na relação de hábitos hoje considerados jurássicos.

Nessa área, o carioca radicado em São Paulo desde 1956, com cinquenta anos de serviços prestados à arte, acaba de emplacar na cidade o seu maior êxito na última década. Apesar da bagagem acumulada e da fama conquistada em novelas, seriados e filmes, Fagundes vinha de três espetáculos que tiveram acolhida fria da plateia paulistana. Renovar posturas e reavaliar ideias sem perder a coerência tornou-se uma necessidade.

Baixa Terapia: elenco do espetáculo em palco (Caio Gallucci/Veja SP)

Agora, pode respirar aliviado graças à receptividade da comédia Baixa Terapia, que estreou em 17 de março no Tuca, em Perdizes, e que mantém os 672 lugares ocupados em três sessões semanais. A produção deve abrir uma quarta opção de horário. Desde a estreia, a peça, escrita pelo argentino Matías Del Federico e montada em quinze países, já foi aplaudida por 7 200 pessoas em onze apresentações.

A maior parte dos ingressos, entre 60 e 80 reais, é vendida antecipadamente. O investimento, do próprio bolso, de 40 000 reais, foi recuperado pela bilheteria na segunda semana. “O público quer rir, e percebi, em uma viagem a Buenos Aires, que esse texto geraria um espetáculo de qualidade e apelo”, justifica. A trama gira em torno de três casais de diferentes gerações que se encontram para uma sessão de terapia. A psicóloga não aparece. Deixa só a instrução para que cada um converse com o grupo sobre seus problemas.

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A exposição dos conflitos em relação aos filhos, à carreira ou a planos desencontrados ganha contornos mais densos até um desfecho surpreendente para os espectadores que vão em busca de gargalhadas sem compromisso. O êxito desse tipo de montagem nos tempos atuais traz um sabor especial para Fagundes. “Ter 672 pessoas sentadas e em silêncio por uma hora e meia virou um ato de revolução”, afirma.

(Reprodução/Veja SP)

O ator tem o orgulho redobrado ao compartilhar o novo sucesso com o seu clã. Ele aparece em cena ao lado do filho caçula, Bruno Fagundes, 27, que divide com o pai o crédito de produtor executivo. Na peça, Bruno interpreta o namorado da atriz Alexandra Martins, 37, com quem o astro veterano se relaciona desde 2007, apenas com um intervalo entre 2012 e 2013. Mãe de Bruno, a atriz Mara Carvalho, 55, foi casada com Fagundes de 1988 a 2001 e, na ficção, volta ao papel de sua esposa.

Sem nenhuma conexão familiar, os atores Ilana Kaplan e Fábio Espósito completam o elenco dirigido por Marco Antônio Pâmio e parecem perfeitamente adaptados à intimidade do camarim dividido por todos. “O Antonio tem um perfil agregador, e só alguém especial é capaz de cultivar esse carinho entre tanta gente”, diz Alexandra.

Mara reafirma a admiração pelo pai de seu filho e colega em outros seis trabalhos. “Na fase de ensaios, eu chegava a sonhar que Fagundes brigava comigo porque eu fazia alguma bobagem em cena”, conta, rindo. “Sempre aprendi muito com ele e hoje aprendo também com o Bruno”, completa. Para Fagundes, essa harmonia é natural. “Todos os meus casamentos deram muito certo, e não faz sentido ter animosidade com pessoas que adoro e que sempre farão parte da minha vida.”

Antonio Fagundes na peça Nostradamus, com direção de Antônio Abujamra, em 1986 (Flavio Canalonga/Veja SP)

Na equipe da peça, ainda aparece a atriz Clarisse Abujamra, 69, responsável pela tradução do original espanhol. Ela viveu com o ator entre 1973 e 1987 e é mãe de seus três primeiros filhos (a empresária Dinah, 37, o publicitário Antonio, 36, e Diana, 35, formada em rádio e TV). Clarisse garante que a cumplicidade estabelecida antes da fama jamais se abalou. Entre os perrengues enfrentados juntos, recorda a estreia carioca de Muro de Arrimo, a primeira produção levantada por Fagundes.

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Depois do sucesso em São Paulo, o monólogo chegou ao Rio de Janeiro, em 1976. “Faltava pouco para abrir o pano, e seis pessoas estavam na plateia, entre elas nossos amigos Tony Ramos e Dennis Carvalho”, conta. “Para não desapontá-lo, saí pelas ruas de Ipanema convencendo quem passava a ocupar as cadeiras, e, na sequência, a peça virou um sucesso.”

Durante a década de 80, o ator e produtor reinou nos palcos, à frente da Companhia Estável de Repertório. Criado por ele, o grupo reunia um elenco fixo de oito intérpretes, fora os convidados, e recebeu mais de 2,5 milhões de espectadores em dez anos com montagens de diversos gêneros. A comédia Morte Acidental de um Anarquista (1982), a superprodução Cyrano de Bergerac (1985) e a ousada Fragmentos de um Discurso Amoroso (1988), adaptada de um ensaio do semioticista francês Roland Barthes, lotavam meses a fio as 1 156 poltronas do Teatro Cultura Artística e seguiam em turnês.

Antonio Fagundes na peça Cyrano de Bergerac, com direção de Flavio Rangel, em 1985 (Jorge Rosenberg/Veja SP)

Os três últimos espetáculos que produziu na metrópole, o monólogo Restos (2009), o drama Vermelho (2012) e a tragicomédia Tribos (2013), ficaram, no entanto, aquém de suas expectativas. Os dois primeiros Fagundes considera fracassos. “Eu perdi dinheiro”, revela o artista, que investiu 700 000 reais em Vermelho, peça sobre o embate entre um artista plástico e seu assistente (representado por Bruno, na primeira parceria com o pai). Tribos, por sua vez, orçada em 100 000 reais, ficou no azul, com 220 000 pessoas em 38 cidades.

O grande mérito, dessa vez, foi de Bruno. “Meu pai duvidava que a peça inglesa seria aceita no Brasil, e penei para convencê-lo”, conta. “Hoje, ele me ouve bastante, mas não sem antes relutar um pouco, é claro…”, completa, rindo. Os percalços recentes acenderam o sinal amarelo na cabeça do veterano ator e produtor. “Não sei onde foram parar as pessoas que lotavam minhas peças em teatros de 1 500 lugares. Tinham a minha idade ou até menos, não deve ter morrido todo mundo, não é?”, pergunta-se.

No camarim: a inspiração da peça veio de Buenos Aires (Leo Martins/Veja SP)

Como se voltasse ao passado, Fagundes entendeu a hora de renovar seus espectadores. Logo depois das sessões de Baixa Terapia, o artista convida a plateia a permanecer no teatro e conversar com o elenco sobre o que foi visto. Mais de meia casa não arreda pé. Ele tomou mais alguns sustos que o levaram a reavaliar velhos hábitos.

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O artista encarou uma dieta para controlar o peso. A balança chegou a acusar 101 quilos – hoje, fica pelos 90. Fagundes ainda sofre com fortes dores na coluna, que passou a sentir com intensidade no ano passado, em meio à novela Velho Chico e a uma nova temporada de Vermelho. Sedentário assumido, faz raras e contrariadas visitas à pequena academia que montou na sede de sua produtora, nos Jardins, pertinho de casa, e se vê obrigado a enfrentar cinco sessões de fisioterapia por semana.

O incansável profissional da Rede Globo, inclusive, pediu um tempo à televisão. Conhecido por emendar um trabalho no outro – são mais de trinta produções, entre novelas, minisséries e seriados, desde 1976 –, ele garante que até o meio do ano que vem não será visto no ar. “Fiz tanta coisa… Só de coronéis nas novelas do Benedito Ruy Barbosa foram cinco”, conta.

Antonio Fagundes na peça Morte Acidental de um Anarquista: direção de Dario Fo, em 1983 (José Antonio/Veja SP)

O ator acredita que, por uma parcela de sorte e muito empenho, evita a repetição em suas composições. A enxurrada de críticas ao Coronel Afrânio de Sá Ribeiro, de Velho Chico, considerado caricato, despertou sua sensibilidade. “Fui achincalhado porque criei um personagem inspirado naqueles homens que a gente vê no Congresso Nacional, com peruca e roupas espalhafatosas”, diz, chateado.

No cinema, dará as caras até o fim do ano em O Grande Circo Místico, dirigido por Carlos Diegues. Ele, que já fez mais de quarenta longas, dá risada ao lembrar que até na Boca do Lixo bateu cartão em pornochanchadas como Eu Faço… Elas Sentem (1976). “Aceitei convites de muitas produções sem sequer ler o roteiro, só pelo prazer de experimentar. Eu me divirto hoje com essas lembranças”, afirma.

Como muitos artistas de sua geração, Fagundes vestiu a camiseta do PT no passado e enxerga com imensa tristeza a derrocada da sigla com a qual simpatizava. “Dava orgulho ver nenhum de seus nomes envolvido com corrupção, talvez porque nunca haviam chegado a um grande cargo executivo”, lamenta.

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Antônio Pitanga, Benê Silva, Armando Bogus, Antonio Fagundes, Aracy Balabanian e Altair Lima: musical Hair , de Ademar Guerra, em 1969 (J. Ferreira da Silva/Veja SP)

O ex-eleitor de Lula estava fora do Brasil nas duas últimas eleições presidenciais, logo não colaborou para as vitórias de Dilma Rousseff. “Na última, eu não teria votado na ex-presidente, mesmo sem ter a menor ideia de quem seria meu candidato”, confessa. Preocupado com a falta de alternativas para a campanha de 2018, reafirma que não vê luz no fim do túnel e pressente que o problema pode aumentar com a simpatia de alguns por nomes como o do deputado Jair Bolsonaro. “Enxergamos todo o PT comprometido, boa parte do PMDB, do PSDB e tantos outros partidos também encalacrados”, diz.

“Marina Silva, que já foi vista como oposição, não se manifesta mais sobre nada.” Enquanto a renovação política não se anuncia, Fagundes aproveita o sucesso de Baixa Terapia e olha para a frente. Até o fim do ano é presença certa na cidade e, na sequência, deve partir para o Rio de Janeiro e fazer uma turnê pelo Brasil e por Portugal.

Debate após a apresentação: desafio de renovar o público (Leo Martins/Veja SP)

Na vida pessoal, confessa uma expectativa contida em relação aos netos que ainda não apareceram. “Meus filhos resolveram me poupar de ser avô”, diverte-se. Quanto a Alexandra, ele descarta a possibilidade de um bebê, e a companheira parece não se importar com isso. “Quatro filhos ficou de bom tamanho, e acho até que exagerei.” O aniversário, no dia 18, promete reunir toda a família para um brinde, provavelmente na casa do ator.

Nessas ocasiões, o velho Fagundes não se preocupava com a quantidade de doses de uísque e taças de vinho. O novo Fagundes pega bem mais leve. “Hoje, se bebo além da conta e não durmo minhas oito horas, o dia seguinte fica meio complicado”, brinca.

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