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Perto do fogo

Sem mdeo de se arriscar, o chef argentino Francis Mallmann leva sua cozinha encantadoramente rústica para paisagens opostas: das ensolaradas Mendoza e Trancoso à congelante Ferrovia Transiberiana

Por Helena Galante, de Garzón
Atualizado em 5 dez 2016, 16h06 - Publicado em 20 abr 2013, 01h00

Fixar o olhar no fogo sem se deixar tomar por certa nostalgia é tarefa difícil. Para o chef argentino Francis Mallmann, de 57 anos, essa emoção o faz respirar mais lentamente, apertar de leve os olhos azuis que já sofrem de vista cansada e abrir um sorriso. Não é para menos. O fogo modificou sua cozinha radicalmente quando o prestígio adquirido ao longo de quase vinte anos de trabalho lhe permitiria se acomodar. Criado na cidade de Bariloche, ele estagiou com grandes cozinheiros da França, como Roger Vergé e Alain Senderens, e se especializou na nouvelle cuisine. “Voltei da Europa muito cheio de mim. Mas hoje penso que minhas receitas não tinham matizes, eram cópias”, conta. A identidade culinária veio aos 40 anos,quando cozinhou para a Academia Internacionalde Gastronomia de Paris um menu temáticosul-americano. Serviu 500 quilos de batata — só batata — e conquistou no ano seguinte,1995, o Grande Prêmio da Arte da Cozinha, concedido pela primeira vez a um chef não europeu. A partir daí, voltou-se exclusivamente para a comida rústica argentina, feita na lenha, e tornou-se um dos cozinheiros mais importantes da América Latina.

Sua mais recente empreitada, o restaurante Siete Fuegos foi inaugurado em março na vinícola The Vines of Mendoza. Um dos pratos sugeridos é o salmão inteiro assado envolto em sal grosso no infiernillo, um método que consiste na utilização de dois fogos, um abaixo e outro acima do apoio de ferro fundido onde o pescado fica disposto. Também em Mendoza está instalado outro de seus endereços, o 1884. Em Buenos Aires, no bairro La Boca, fica o Patagonia Sur. O reconhecimento conquistado na Argentina permitiu a expansão de fronteiras. Aqui no Brasil, ele foi responsável, em 2001, pelo primeiro cardápio do A Figueira Rubaiyat, em São Paulo. No Uruguai, Mallmann mantém o minúsculo Garzón, um misto de hotel-butique e restaurante muito peculiar. Quem imaginaria que um dos dez locais para os quais vale a pena viajar para comer, segundo o jornal americano The New York Times, estaria num povoado pobre, separado por 30 quilômetros de estrada de terra esburacada do exclusivo balneário de José Ignácio, em Punta del Este? “Quando um hóspede liga para reservar um de nossos cinco quartos, logo perguntamos: ‘Tem certeza de que quer vir para cá? Não há nem entrega de jornal’”, diz Mallmann, rindo um pouco.

O marketing ao revés funciona. Quem encara a viagem para Pueblo Garzón não se arrepende. Na primeira noite, os visitantes são convidados para um churrasco no alto de uma colina. Ao chegarem, o fogo já está aceso, e uma equipe de cozinheiros e garçons encontra-se a postos para servir os vinhos da Finca La Anita e transformar o conceito de qualquer um sobre uma refeição ao ar livre. A infraestrutura inclui uma grande mesa de madeira coberta por toalhas brancas e algumas pesadas pedras (do contrário, a ventania destruiria o mise en place). O requinte fica por conta das taças de cristal e dos guardanapos de pano. O arrebatamento, pela qualidade dos cortes de carnes. Até miúdos como chinchulines e mollejas, temperados apenas com sal, conquistam pelo aroma de tostado conferido pela lenha. Sentado ao lado dos convidados, Mallmann pode colocar molho chimichurri no prato alheio e insistir, apaixonado: “Coma, coma esta pontinha mais suculenta da costela com um pouco de molho. Fica muy rico”. Assim como quase todos os grandes chefs, ele pouco suja as mãos no preparo dos ingredientes no dia a dia de suas cozinhas. Tudo muda, porém, quando há uma câmera gravando.

Parte da fama que alcançou se deve aos seus programas de televisão. Na série Los Fuegos, preparou carnes, frutos do mar e batatas, é claro, num inverno nevado da Patagônia. “Quando vê, o público tem a impressão de que faço tudo sozinho, mas em cada episódio pelo menos quarenta pessoas me acompanham”, explica. Tamanho sucesso dos vídeos serviu de inspiração para a publicação do livro Sete Fogos pela editora argentina V&R. O próximo volume, Terra de Fogos, está previsto para chegar às livrarias brasileiras em agosto. Agora, ele organiza uma série na congelante Ferrovia Transiberiana. “Vou cozinhar ao ar livre e falar de minha outra paixão, a literatura”, adianta.

Em busca do sol baiano, ele esteve em Trancoso no começo deste ano. Foi cuidar de perto do Los Negros, o restaurante aberto apenas para o verão de 2012. Nesta temporada, houve mudanças na casa. Ela saiu do hotel Jacaré do Brasil e se transferiu para a entrada do Quadrado, onde deve manter as portas abertas o ano todo. Trata-se de uma aposta arriscada: bancar um restaurante fixo numa praia de temporada. Mas Mallmann não teme desafios. “Tenho dois inimigos: o medo e a rotina. Quero fazer tudo o que sentir vontade. Por sorte, até hoje nunca me queimei feio.” Não há de ser agora.

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