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O hambúrguer paulistano

Por Matthew Shirts
Atualizado em 20 jan 2022, 09h30 - Publicado em 26 out 2012, 20h23

Você talvez não se lembre, mas houve um tempo em que não existia McDonald’s no Brasil. O próprio hambúrguer era uma coisa rara, mesmo em São Paulo, antes da chegada da rede de lanchonetes, em 1979. No interior, então, não se conhecia a iguaria americana.

+ Versões sofisticadas de hambúrguer

Nunca me esqueço da partida de basquete que joguei contra quatro missionários mórmons americanos, atuando ao lado dos meus colegas da seleção da cidade de Dourados, em Mato Grosso do Sul. Os gringos precisavam de mais um para completar o time estrangeiro. A equipe nacional cedeu meu passe. Enquanto trocávamos de roupa, antes do jogo, os missionários compartilharam comigo sua saudade intensa dos Estados Uni dos. Isso em 1976. Era eu aluno de intercâmbio no Colégio Imaculada Conceição. Tinha 17 anos de idade. Eles estavam prestes a voltar para casa após uma temporada longa no Centro-Oeste, debaixo do sol, comendo poeira vermelha a pé ou de bicicleta em busca de almas locais para a igreja de Mitt Romney. Perguntei-lhes qual seria a primeira atitude de cada um ao chegar à terrinha. Um deles respondeu que iria se casar. É compreensível: o sexo é proibido antes do matrimônio tanto para homens como para mulheres no mormonismo. A primeira providência dos outros três seria comer um hambúrguer, responderam em coro. Não aguentavam mais arroz e feijão.

 Conto essa história para mostrar como era diferente o mundo de então. O Brasil ficava longe dos Estados Unidos. Não havia internet nem TV a cabo. Até os telefones eram poucos e caros. Cada lanchonete estrangeira que chegava a São Paulo provocava frisson. O fascínio, creio, resultava menos da comida do que do contato com a cultura estrangeira, mais conhecida até então através dos filmes de Hollywood.

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O McDonald’s liderava, naquele tempo, a globalização. O cineasta Quentin Tarantino trouxe esse dado à tona, com genialidade, no diálogo de abertura do seu clássico, Pulp Fiction — Tempos de Violência, que é de 1994. John Travolta e Samuel Jackson discutem as diferenças entre o McDonald’s na Europa e nos Estados Unidos. Uma delas envolve o nome do Big Mac em cada país. É “le Big Mac” em Paris, ensina Travolta.

Ao contrário do que se temia, no entanto, as lanchonetes estrangeiras não colonizaram o gosto local em São Paulo. Tanto é que muitas marcas, como KFC, de frango frito, ou Jack in the Box, não conseguiram se estabelecer na nossa cidade.

Em vez disso, surgiu, como resposta, o hoje ubíquo restaurante por quilo. Ele incorpora a facilidade, a rapidez e o baixo custo do fast-food americano, mas preserva a distinção sagrada da cultura brasileira entre comida e lanche. Na outra ponta, surgiram os hambúrgueres gourmets em estabelecimentos bacanas como o Ritz, o Balcão, a Hamburgueria Nacional e a Lanchonete da Cidade. Eles interpretaram o sanduíche americano à luz da alta gastronomia, no momento em que esse conceito crescia em São Paulo. A cultura, nesse caso ao menos, se provou mais forte do que o dinheiro.

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Pensei nisso ao entrar no McDonald’s em Hyderabad, na Índia, na semana passada. Estou aqui para a COP 11, uma convenção da ONU dedicada à diversidade biológica. Onde quer que eu esteja, entro sempre no McDonald’s. É coisa da minha geração. E não poderia ser diferente aqui, onde a carne de hambúrguer é vetada a boa parte da população, tal como a de porco, por motivos religiosos. Eu precisava ver como a lendária cadeia de lanchonetes havia se adaptado à cultura local.

O McDonald’s daqui parece uma rede indiana. A música é bollywoodiana, o cheiro é de especiarias, as cores são psicodélicas e as batatas fritas vêm com uma pimenta ardida chamada piripíri. A julgar pelo número de lojas, a rede daqui faz sucesso. Não vende carne de boi nem de porco. O nome da versão local do Big Mac? Chicken Maharaja Mac Meal. É muito bom.

e-mail: matthew@abril.com.br

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