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Como pais e colégios tentam tornar as lancheiras mais saudáveis

Reformulação de cardápios, compra de produtos orgânicos e criação de hortas fazem parte das novas medidas                                                                                                                                                                                           

Por Juliene Moretti e Aretha Yarak
Atualizado em 20 jan 2022, 09h19 - Publicado em 29 ago 2015, 00h00

Durante uma aula de culinária realizada há pouco tempo no Colégio Vértice, no Campo Belo, garotos de 6 anos fizeram uma descoberta surpreendente. Não só observaram uma batata in natura pela primeira vez na vida como foram informados de que o tubérculo amarelado é a matéria-prima das adoradas fritas. “Vários deles não tinham a menor ideia disso”, lembra a professora Nazareth Marques. O episódio, ocorrido em uma das melhores escolas da capital, é um triste reflexo dos hábitos alimentares de nossas crianças. Para muitas delas, as frituras fazem parte do dia a dia, e qualquer coisa mais natural parece algo de outro planeta. O resultado disso: quase um terço dos paulistanos entre 2 e 6 anos de idade está acima do peso, segundo um levantamento feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em 2013. “Trata-se de um número muito preocupante, principalmente porque não para de crescer”, afirma o pediatra Mauro Fisberg, especialista em nutrição infantil e autor do estudo. Há duas semanas, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou outro dado aterrador: entre os bebês com até 24 meses, um terço conhece refrigerante e 60% deles já comeram bolachas recheadas.

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Em cantinas de colégio, o pedido mais comum no balcão é o clássico “Tio, me vê uma coxinha e um guaraná?”. Algumas instituições de ensino resolveram tentar mudar esse hábito. Desde o início do ano, o Vértice permite a venda na lanchonete de apenas versões orgânicas de refrigerante e salgados assados, além de incluir opções de fruta, chás gelados e doces naturais. A unidade de ensino infantil do Colégio Oswald de Andrade, na Vila Madalena, tomou atitude mais radical, com o fechamento da lanchonete no primeiro semestre e a contratação da Nutrical, empresa que elabora cardápios saudáveis em cerca de trinta escolas, atendendo 15 000 alunos. “Profissionalizamos o negócio, tentando não perder o caráter caseiro”, diz a nutricionista Denise Vilella. Agora, em vez das frituras e dos doces, um bufê no intervalo oferece pães integrais, frios (blanquet de peru e queijo fresco), três opções de fruta e sucos. “Atendemos ao pedido dos pais por mudança”, explica a diretora Maria Antonieta Giovedi.

Alimentação salada Oswald de Andrade
Alimentação salada Oswald de Andrade ()

Já na unidade do Alto da Lapa, onde funcionam o ensino fundamental II e o médio, as novidades foram motivadas, quem diria, pelos alunos. Em março de 2014, o grêmio estudantil reuniu-se para reivindicar melhorias na cantina e conquistou o apoio de representantes de classe. “A comida era gordurosa e cara”, conta Camilla Delouya, de 17 anos, do 3º ano do ensino médio. A pressão deu resultado e, no início deste ano, a empresa Cantinatural assumiu os refeitórios e implementou um menu light. “As folhas e os legumes são orgânicos, temos opções vegetarianas e cortamos o refrigerante da cantina”, descreve o dono, André Saad.

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As iniciativas não se restringem a mudanças no cardápio. Para aumentar o controle dos pais, o Colégio Palmares, em Pinheiros, adotou há um mês um cartão pré-pago para uso na lanchonete. Com ele, é possível fiscalizar os gastos e também bloquear um produto que não deve ser consumido pelo filho. “Se os pais decidirem que a criança não pode comer determinado salgado, o caixa será impedido de realizar a venda”, explica Francisco Guido, responsável pela cozinha.

A escola passou a oferecer mais opções de suco, pães  integrais, verduras e filetes de cenoura e pepino. O desafio de reverter os maus hábitos alimentares de adolescentes é tão complexo que até mesmo pequenas conquistas são celebradas. “Em dez anos, baixamos a venda de refrigerantes de 200 latas diárias para cinquenta”, afirma Guido. O colégio também alterou o currículo das aulas de culinária, e receitas pesadas como massas deram lugar a saladas e cereais. As trocas colaboraram para mudar a rotina de estudantes como Pedro Pinto, de 9 anos, do 4º ano do ensino fundamental I, que abusava de chocolates e frituras. A conduta reprovável acabou levando a mãe, Wilma Clemente, a ser chamada à diretoria, em maio. “Elaboramos em conjunto um programa de reeducação alimentar e, em três meses, ele perdeu 3 quilos”, comemora.

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Outras escolas registraram conquistas curiosas entre seus alunos. Há três anos, a PlayPen Escola Cidade Jardim investiu 200 000 reais na compra de um forno a vapor, que evita a perda de nutrientes, na contratação de uma nutricionista e na reforma do cardápio e da cozinha. No almoço, a lanchonete, proibida de vender refrigerantes e frituras, fica fechada. Os estudantes comem no bufê, que oferece arroz, feijão, saladas variadas, frutas e bolos caseiros. Ali, Sofia, de 8 anos, do 3º ano do ensino fundamental I, teve a oportunidade de experimentar alface pela primeira vez. “Ela sempre foi resistente a legumes, verduras e frutas”, conta sua mãe, a advogada Lisa Alves Lima. “Foi maravilhoso: Sofia chegou em casa toda animada.

Horta Crianças Sabin
Horta Crianças Sabin ()
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”Durante o desenvolvimento infantil, o paladar começa a ser construído logo após a criança provar qualquer alimento diferente do leite materno. Se ela está matriculada na escola, o que aprende lá também modela suas preferências de sabor. De olho nisso, o Colégio AB Sabin, na Vila São Francisco, criou uma horta para ser cultivada pelos alunos do período integral, todos com idade entre 1 e 5 anos. Desde o primeiro semestre, além de regar as mudinhas, eles também se alimentam do que plantam. “A criança colhe, lava e, em aula, come um sanduíche ou uma salada”, conta a professora Adriana Tayar.

Não é apenas no ensino privado que a gastronomia está em pauta. Em 2013, uma medição de peso e altura foi realizada em 123 unidades da rede pública estadual. Cerca de 20% dos jovens registraram sobrepeso. “Com os dados em mãos, começamos um trabalho de conscientização”, conta o cardiologista Carlos Alberto Machado, um dos coordenadores da pesquisa. Entre as mudanças operadas, uma das mais significativas é a alteração dos produtos comprados pelo Departamento de Alimentação e Assistência ao Aluno da Secretaria da Educação estadual. O feijão e a carne deixaram de ser enlatados, e o arroz passou a ter versão integral. Desde 2012, o Fundo Social de Solidariedade, ligado à Secretaria de Governo, também investe no plantio de hortas dentro de 29 instituições na capital, atendendo 12 600 alunos. O espaço é usado durante as aulas de ciências, e os itens colhidos são incluídos na merenda. Na rede municipal, artigos provenientes da agricultura estão sendo priorizados como opção aos industrializados. Somente neste ano, a prefeitura investiu cerca de 25 milhões de reais na compra de orgânicos, dez vezes mais que em 2014. Em contrapartida, bolachas e bolinhos recheados foram excluídos da cesta.

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Uma boa alimentação durante os primeiros anos de vida é fundamental para a saúde. Estudos indicam que, além de modelar o paladar, a ingestão de açúcares e gorduras em excesso nessa fase amplia o risco de se desenvolverem doenças cardiovasculares e metabólicas na vida adulta. Um relatório de 2014 da Rede Nacional Primeira Infância mostra que existe relação entre o consumo de bebidas adocicadas (como sucos de caixinha) e o aumento da probabilidade de a pessoa ter sobrepeso. Na batalha contra o cardápio “trash”, especialistas afirmam que não é necessário recorrer a radicalismos. “Não precisa extirpar o chocolate da vida do filho, é só ter bom senso na escolha das refeições”, afirma o pediatra Mauro Fisberg. “Eventualmente, em quantidades moderadas, a criança pode comer bolacha recheada.” Na hora de ir à escola, a regra que vale é a do equilíbrio. “Os pais devem selecionar um item de cada grupo: queijos brancos, carnes magras e frutas são sempre bem-vindos”, explica a nutricionista Dyandra Loureiro, do Centro de Obesidade Infantil do Hospital Sabará.

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As mudanças ocorridas em alguns colégios parecem sugerir que a dupla coxinha e refrigerante está prestes a levar bomba. Na verdade, há ainda muito a avançar nessa área. Para se ter uma ideia do descompasso entre as recomendações de especialistas e a realidade, até dois meses atrás havia um fast-food dentro de uma das melhores escolas de São Paulo. No Colégio Dante Alighieri, nos Jardins, um quiosque do Bob’s vendia refrigerantes e sorvetes desde 2008.

Ele foi substituído em junho por um que oferece salgados integrais, sucos e frutas, com o objetivo de incentivar a alimentação saudável. Não é sempre que as novidades são bem recebidas. Em muitos locais, há forte resistência dos alunos a abandonar o vale-tudo nas refeições. Na unidade do Morumbi da Escola da Vila, houve até protesto quando o pastel e outras frituras foram abolidos da lanchonete, há alguns anos. Na ocasião, adolescentes perseguiam a nutricionista do colégio pelos corredores entoando “Ol, ol, ol, queremos colesterol!”. E, apesar da preocupação dos pais, a vida corrida de hoje serve de desculpa para as derrapagens no planejamento deum cardápio equilibrado. Afinal, é mais cômodo comprar bolos industrializados e sucos de caixinha do que montar sanduíches naturais.

Horta Crianças Sabin
Horta Crianças Sabin ()

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Para facilitar a vida dos pais, algumas empresas passaram a produzir lancheiras saudáveis. Um dos exemplos é a Meu Lanchinho, inaugurada no início do ano como um serviço de delivery pelas empresárias Priscilla Borges, Larissa Santos e Caroline Kamakura. O cliente faz encomendas mensais, pagando entre160 e 340 reais, de acordo com a quantidade de produtos solicitados. Cada pacote contém uma fruta, um sanduíche pequeno de peito de peru ou de queijo, suco natural e, se o pai permitir, uma bolacha doce caseira. As entregas são realizadas diretamente nas escolas. Por enquanto, o serviço está restrito a alguns bairros da Zona Sul. Uma das freguesas é a analista de sistemas Roberta Morais, mãe de Pedro, de 2 anos, matriculado no maternal do Patoxó, no Brooklin. “Não consigo arranjar tempo para ir ao supermercado nem ao hortifrúti”, justifica. Outro recurso disponível é a consultoria. A engenheira de alimentos Mayra Abucham oferece diversas aulas, como de cozimento de papinhas saudáveis e de elaboração de lancheiras, por valores a partir de 1 250 reais. “Entrego à família  um roteiro do que fazer de acordo com os hábitos da criança”, explica. 

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A prova do menu

Confira os alimentos vetados e os recomendados a crianças


Lancheira Crianças doces
Lancheira Crianças doces ()

O que dizem os especialistas: a ingestão rotineira e frequente de produtos com alto teor de açucar e sódio aumenta o risco de doenças cardiovasculares, obesidade e diabetes.

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Lancheira saudável crianças
Lancheira saudável crianças ()

O que dizem os especialistas: manter uma dieta adequada fortalece o sistema imunológico, evita doenças metabólicas e contribui para o desenvolvimento.

“Cola do Lanche”

Como evitar os principais erros ao estimular hábitos saudáveis

1. Só frutas: para aumentar a variedade de nutrientes, evite montar a lancheira com apenas um grupo de alimentos

2. Frutas ácidas e doces: a mistura pode retardar a digestão e causar mal-estar gástrico, o que dificulta o desenvolvimento do paladar

3. Sucos de caixinha: as versões tradicionais contêm excesso de açúcar, pouca polpa e quase nenhum nutriente

4. Achocolatados: apesar das vitaminas prometidas, eles têm muito açúcar

5. Adoçantes: nem todo “diet” pode ser consumido por crianças. São preferíveis a stevia e a sucralose em detrimento de aspartame, sacarina e ciclamato

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