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Vizinhos pássaros

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 17h19 - Publicado em 15 mar 2012, 17h31

Pareciam pica-paus de desenho animado, mãe e filhote. Ela subia ereta pelo tronco vertical da árvore, avançava com desenvoltura em ângulo reto, como o Fred Astaire do cinema dançou uma vez subindo pelas paredes. Quando imóvel, parecia um enfeite espetado ali, um passarinho decorativo, não se podendo imaginar tal desrespeito à lei da gravidade. Parava uns segundos, olhava e avançava, a prumo. Levava uma pequenina lagarta contorcendo-se no bico e a entregou ao bico escancarado que sobressaía do ninho. Peitinho amarelo, penacho vermelho na cabeça, poderia ser picapau-dourado ou pica-pau-depenacho, ainda encontráveis na Serra do Mar. Mas não estávamos num parque ou num pedaço da Mata Atlântica, estávamos em plena rua movimentada das colinas de Perdizes. Pessoas paravam na calçada para olhar, encantadas com as cores e a destreza da passarinha.

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Aves nativas estão voltando para perto de nós. O ar da cidade estará mais leve? Haverá mais frutas desfrutáveis, mais insetos-petisco? A poucos metros, o vendedor de frutas da esquina costuma partir vistosos mamões e colocar as metades sobre o toco que sobrou de uma grande árvore sacrificada pela prefeitura. Sabiás e bem-te-vis não fazem cerimônia.

Duas quadras adiante, na calçada, brotou — espontaneamente, ou plantaram? — e cresceu uma bananeira. Viçosa, já ostenta enorme cacho, pronto para engordar e amadurecer. É boa ideia plantar bananeiras nas ruas. Por perto, há goiabas amarelando; na época certa, amoras e pitangas se oferecem. E, então, nossos pequenos consumidores coloridos aparecem.

De repente, as árvores fronteiras à PUC são tomadas por uma algazarra verde, um bando de periquitos-ricos. E ricos de quê, senão de cores e da boa vida que passaram a levar na cidade?

Quem, em qualquer bairro da capital, não acorda às 5 horas da manhã com os pios exasperantes de um sabiá? Eles estão agora em toda parte, apressando os paulistanos para o trabalho ou a escola. Ciscam canteiros na casa das sogras, catam quireras nas calçadas.

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Quem, à tarde, não ouve a lenga-lenga dos bem-te-vis, em qualquer parte da metrópole? Passarinhos grandes, eles e os sabiás estão botando para correr os pardais alienígenas.

Nos baixos da Avenida Paulista, um poderoso terraço onde vicejam jabuticabeira, macieira, romãzeira, limoeiros, parreira e pitangueira é visitado em revezamento por azulados sanhaços, beija-flores diversos, maritacas, saíras-azuis e suas fêmeas verdes, pintassilgos, sabiás, cambaxirras… Ultimamente, começou a aparecer por lá um assustador carcará, gavião do sertão que se vai avizinhando de nós, à caça de pombos, rolinhas, ratos, lagartos, morcegos, besouros, o que se mexer.

Nas praças e nos jardins, rolinhas vão ficando comuns, bicam o chão de quintais, atarefadas, à cata de só elas sabem o quê. Pardais escasseiam, mas ainda existem em bandos menores, menos ruidosos do que na época em que dominavam a paisagem e os beirais.

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Periquitos-maracanãs e jandaias vão e vêm, um escândalo, apoderam-se da copa das árvores mais altas, e depois, aparentemente sem maestro, revoam levando para longe sua estridência, vão cantar em outra freguesia. Quem sabe na Freguesia do Ó.

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Andorinhas chegam de tempos em tempos para comer formigas e cupins de asas, ou para brincar de caças a jato na frente de nossas janelas. Outro migrante, o falcão-peregrino, que vive no Canadá e na Groenlândia, tem aqui a sua residência de verão, às vezes na Paulista, às vezes na Praça da República, e já foi visto no Morumbi. Não voltaria se não lhe agradasse a gastronomia local.

Até solitárias calopsitas foram vistas em parapeitos, pé ante pé, com cauteloso passo estrangeiro. Será que já se vão reproduzindo à solta na cidade?

Cercados por tais vizinhos, sentimo-nos quase confortados, como se começássemos a pagar uma velha dívida.

Email: ivan@abril.com.br

 

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