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18. Você sabe o que é pau de arara?

A expressão ganhou significados no Brasil. Saiba quais são eles

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 5 dez 2016, 18h31 - Publicado em 22 out 2010, 21h56

Fora o sentido próprio, de pau em que as araras eram conduzidas para as feiras, no Nordeste, a expressão pau de arara ganhou, no Brasil do século XX, três outros significados. Começando do pior para o melhor, pau de arara é um instrumento de tortura, de amplo e irrestrito uso no regime militar e não rara presença, ainda hoje, em delegacias de polícia. O segundo sentido é o do caminhão em que os nordestinos fugiam das inclemências do sertão em busca de uma vida melhor no sul do país. Vinham precariamente, quarenta, cinquenta e até setenta deles equilibrados em carrocerias como araras no pau, em viagens de uma semana ou mais. Não chegava a ser um deliberado instrumento de tortura, mas o efeito que produzia no usuário não ficava distante. No terceiro e melhor sentido, paus de arara eram as próprias pessoas — os nordestinos que por esse meio, ou por outro, afluíam a São Paulo.

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Que seria de São Paulo sem os paus de arara, nesse terceiro sentido da expressão? A partir dos anos 1930, eles substituíram os imigrantes estrangeiros como o exército de mão de obra que faria a cidade (e o estado) andar. Tal qual ocorrera com os estrangeiros, passavam pela Hospedaria dos Imigrantes e rumavam, nos primeiros anos, para as fazendas. Num segundo momento, o destino preponderante era a cidade de São Paulo e seu cinturão industrial. Com a nova arrancada industrial dos anos JK, centrada na indústria automobilística, eles formavam, nas fábricas, maioria equivalente à dos estrangeiros nos inícios da industrialização. Com os nordestinos, São Paulo conheceria uma segunda mudança de pele. Assim como sua composição social fora radicalmente modificada na passagem do século XIX para o XX, com as levas de imigrantes europeus e asiáticos, agora ela era alterada com a introdução dos brasileiros expulsos de seu lugar de origem pelos males associados da falta de acesso à terra, do mandonismo coronelista e da seca.

No período entre os anos de 1950 e 1980, as migrações internas, nas quais o peso preponderante é dos nordestinos, são a principal responsável pelo salto de 2,2 milhões de habitantes para 8,5 milhões, na população da cidade. Em 1970, 47,9% dos habitantes de São Paulo não eram naturais da cidade, somados os nordestinos com os de outras regiões do país e os provenientes do interior do estado. Na região metropolitana, esse porcentual subia para 52,5%. Os nordestinos faziam, nas fábricas, as máquinas andar, e, na construção civil, os edifícios subir. Os “baianos”, como eram chamados, com derrisão, mesmo sendo de Pernambuco, do Ceará ou da Paraíba, multiplicavam-se pela cidade como porteiros de prédios, frentistas de postos de gasolina, garçons, motoristas. A maciça migração fez de São Paulo a maior cidade nordestina do Brasil.

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Se o braço nordestino foi fundamental para alavancar São Paulo a um novo patamar industrial e de serviços, faltou a recíproca de um acolhimento condigno. Mal preparada para a brusca mudança de escala, a cidade não tinha infraestrutura aceitável de habitação, escola, hospital, saneamento ou transporte para recebê-los. O processo de inchaço na mancha urbana resultou na introdução de um novo vocábulo, de decisivas implicações, no léxico da metrópole: periferia. Antes o que havia eram arrabaldes. A Freguesia do Ó era um arrabalde. A Penha era outro. A periferia, para onde se empurravam os migrantes, era uma palavra pior. Periférico é o que fica às margens, sem o peso nem o prestígio do que está no centro.

É tão impossível pensar São Paulo sem o componente nordestino quanto sem o da imigração estrangeira. Mas a busca da ascensão social, o móvel dos grandes deslocamentos humanos, foi menos bem-sucedida no caso dos nordestinos do que no dos estrangeiros. O grosso da população nordestina continua figurando na paisagem da cidade em posições subalternas. O caso do pau de arara que virou presidente da República é apenas uma exceção que confirma a regra.

 

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