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9. Conheça o personagem Gaetaninho e o autor Juó Bananére

'Brás, Bexiga e Barra Funda' e os textos de Alexandre Ribeiro Machado representam o reconhecimento literário da nova sociedade paulista

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 5 dez 2016, 18h31 - Publicado em 22 out 2010, 21h49

Dos 130 775 habitantes de São Paulo, em 1893, segundo levantamento da Repartição de Estatística e Arquivo do governo do estado, 71 468 eram estrangeiros. Uma maioria de 54,6%, contra 45,4% de brasileiros. A povoação escondida atrás da serra, à qual, durante três séculos, mesmo os brasileiros de outras paragens mal chegavam, de súbito se transformara na mais cosmopolita das cidades do país. Quando o comerciante inglês John Mawe visitou São Paulo, em 1808, a estranheza causada pela presença de um estrangeiro era tal que, segundo escreveu, os nativos lhe contavam os dedos da mão, para se certificar de que se tratava de ser igual a eles. Agora os sons dos idiomas estrangeiros ouvidos nas ruas eram aceitos com a mesma naturalidade com que, desde sempre, a população ouvira os sinos das igrejas e, recentemente, começara a ouvir os apitos das fábricas.

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O período da grande imigração no estado de São Paulo, entre as décadas de 1880 e 1920, é fruto de uma política oficial, que tinha por objetivo substituir a mão de obra escrava nas fazendas de café. Da propaganda no exterior à alocação na Hospedaria dos Imigrantes, passando pelo custo da viagem, era um movimento organizado e subsidiado pelo governo da província, depois estado. O ato final da operação era a distribuição dos recém-chegados pelas fazendas. De muitas maneiras, no entanto, os imigrantes se infiltravam nas áreas urbanas. Primeiro, pela fuga das fazendas, onde era comum serem maltratados como antes haviam sido os escravos. Depois, por artimanhas deles próprios, que, em muitos casos artesãos de origem, davam um jeito de driblar o destino de camponês para exercer na cidade suas vocações. Mais um pouco e, com o deslanchar da industrialização, passarão a ser muito bem-vindos em São Paulo, onde constituirão o grosso da mão de obra fabril.

Em 1920, os estrangeiros ainda eram 35% dos habitantes de São Paulo. Em 1915, o jovem escritor Alexandre Ribeiro Machado publicara, sob o pseudônimo Juó Bananére, ‘La Divina Increnca’. Em 1927, o também jovem modernista Antônio de Alcantara Machado lança ‘Brás, Bexiga e Barra Funda’. Nos dois livros, o assunto são os imigrantes italianos. “Juó Bananére”, que seu autor apresentava como “poeta, barbieri e soldato”, escrevia sátiras a grandes obras universais, como ‘A Divina Comédia’, e brasileiras, como a ‘Canção do Exílio’, numa língua macarrônica: “Migna terra tê parmeras / Che ganta inzima o sabiá”.

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‘Brás, Bexiga e Barra Funda’ compõe-se de contos que flagram a dimensão ora cômica, ora trágica, ora banal, ora heroica dos imigrantes italianos. Gaetaninho era um menino que sonhava andar de carro e só realiza o sonho depois de morto, ao ser levado ao cemitério. O barbeiro Tranquillo Zambinetti, estabelecido na Rua do Gasômetro, reclamava: “Do que a gente bisogna no Brasil, bisogna mesmo, é d’un buono governo”. A esposa do conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda jurava: “Filha minha não casa com carcamano” — até que a família toma conhecimento da fábrica que o pai do pretendente possuía em São Caetano,1 200 teares, 36 000 fusos, e dá-se o feliz enlace entre Teresa Rita de Matos e Arruda e Adriano Melli.

Juó Bananére e ‘Brás, Bexiga e Barra Funda’ representam o reconhecimento literário da nova sociedade paulista. Os italianos, por terem sido os primeiros e mais numerosos, lhe davam o tom. A eles se acrescentariam o português da padaria, o espanhol do ferro-velho, o sírio das prestações, o japonês da tinturaria. A crônica da imigração, que ainda haveria de incluir coreanos e bolivianos, em anos mais recentes, nunca é rósea. Inclui o trauma do desenraizamento, as dores da readaptação, o preconceito, a frustração. São Paulo conta a seu favor ter mais misturado todos numa mesma geleia geral do que erguido guetos.

 

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