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22. Adoniran Barbosa musicou São Paulo

‘Saudosa Maloca’ reflete a cidade dos migrantes. ‘Trem das Onze’ retrata a desolação de um tipo assoberbado que mal tinha tempo para a namorada

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 5 dez 2016, 18h32 - Publicado em 22 out 2010, 21h27

Ninguém sabia onde ficava o Jaçanã e nunca houve um trem das 11 para aquelas bandas, mas, desde que Adoniran Barbosa compôs, em 1964, sua famosa canção, o Jaçanã virou um bairro paulistano nacionalmente conhecido, e o trem das 11 a mais célebre condução que ou se toma ou só se consegue voltar para casa na manhã seguinte. A primeira coisa engraçada sobre João Rubinato (1912-1982), filho de imigrantes do Vêneto nascido em Valinhos, é por que alguém que se chama João Rubinato vai querer adotar o nome artístico de Adoniran Barbosa. A segunda é o nonsense que embala canções como ‘Aqui Geralda’ (ou Gerarda), que começa por lamentar que “Geralda saiu de casa, onde será que Geralda foi parar?” e termina por proclamar:

“Você gosta de salsicha com mostarda

Aqui, Geralda, aqui, Geralda”.

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Adoniran Barbosa é do tempo do rádio. Estreou como cantor, em programas de calouros, e evoluiu como ator, em programas humorísticos. Mas foi como compositor que cantou, descreveu e interpretou São Paulo como nenhum compositor popular. Seus motivos são as ruas, praças e bairros, e seus personagens os tipos da cidade. Sobretudo, Adoniran captou nas ruas um “paulistanês” que nenhum habitante da cidade deixará de reconhecer como característico:

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“O Arnesto nos convidou

Prum samba, ele mora no Brás,

Nós fumo, não encontremo ninguém.

Nós voltemo cuma baita duma reiva,

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Da outra vez, nóis num vai mais”.

A língua que Adoniran caricaturou nas canções mistura o caipira com o italianado, duas vertentes centrais da expressão popular na cidade. A São Paulo que conheceu era um caldeirão de influências que se refletia na língua do povo. Ele próprio nascido no interior, e só aos 22 anos estabelecido na capital, talvez por isso tivesse desenvolvido um ouvido especial para captar o som das ruas. O mesmo puro paulistanês do ‘Samba do Arnesto’ ele usa para contar a história contida em ‘Um Samba no Bexiga’:

“Domingo nós fumo num samba no Bexiga,

Na Rua Major, na casa do Nicola.

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A mesa não deu conta, saiu uma baita duma briga.

Era só pizza que avuava junto com as brachola”.

A história termina com a chegada da polícia e das ambulâncias, e o sargento Oliveira ordenando: “Carma, pessoal, a situação aqui está muito cínica, os mais pior vai pras Clínica”. Adoniran canta o que lhe parece bonito na cidade (“Venha ver, Eugênia, como ficou bonito o Viaduto Santa Efigênia”) e registra suas transformações:

“Praça da Sé, Praça da Sé.

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Hoje você é

Madame Estação da Sé”.

Nesta e em outras composições ele lamenta as perdas trazidas pelo progresso. Transformou num clássico a história do palacete abandonado onde moravam o narrador, Mato Grosso e o Joca, até o dia em que “veio os home com as ferramenta” porque o “dono mandô derrubá”. Só lhes restou cantar:

“Saudosa maloca, maloca querida,

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Que dim donde nóis passemo dias feliz da nossa vida”.

‘Saudosa Maloca’ reflete a cidade dos migrantes, juntados em precárias moradias. ‘Trem das Onze’ retrata a desolação de um tipo assoberbado que, entre o trabalho e a necessidade de voltar para casa, mal tinha tempo para a namorada. Tipos assoberbados existiam muitos, no tempo de Adoniran, e continuam existindo, numa cidade com fama de ser a mais devota das filiadas à religião do trabalho. O da música, para piorar, era filho único e a mãe não dormia enquanto não chegasse. De certa forma, Adoniran também foi um filho único, no sentido de que inventou um samba paulistano como ninguém antes nem depois.

 

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