A mais linda cidade do mundo está embaixo de nossos pés. Muitas vezes eu me pego pensando na cidade que São Paulo poderia ter sido. A região é montanhosa, repleta de rios e cachoeiras, e já foi coberta pela Mata Atlântica. Imagino como seria com seus rios, por exemplo. O Anhangabaú cercado pelo vale. O rio que se encontra embaixo da Avenida Pacaembu. As margens plácidas do Ipiranga, onde foi proclamada a independência. O Tamanduateí antes de ser canalizado. Loucura? Nem tanto. Há alguns anos, um grupo de jovens arquitetos fez um projeto para a Avenida 9 de Julho, na região próxima à Bela Vista. Propôs a recuperação de um riacho local e da área verde em torno. A paisagem árida, com um viaduto, transformou-se – em tese – em um recanto bucólico. Eu já morei em uma casa no bairro do Pacaembu construída na encosta de um morro. Era extremamente sólida. Mas havia uma mina d’água canalizada, cujo caninho saía pela garagem. Loucura de quem permitiu a construção em cima da nascente – pela lei atual seria proibida! A fonte da Vila Itororó, hoje oculta por camadas de asfalto, daria na região da Avenida 23 de Maio. E por aí vai. Havia uma cachoeira na Avenida 9 de Julho. Riachos, várzeas por toda a cidade. Encostas cobertas de vegetação.
A opção paulistana foi criar avenidas e vias expressas para facilitar o trânsito. Rios foram canalizados, cascatas cobertas, árvores derrubadas. Uma lei antiga determinava que nas margens do Rio Tietê só poderia haver chácaras. Quem poderia supor, diante da marginal? É bater na mesma tecla, mas o transporte individual sempre se sobrepôs ao coletivo. Houve – pouca gente sabe disso – uma proposta para a construção de linhas de metrô na cidade no início do século XX. Os políticos de então recusaram a proposta. Com um metrô ativo em 1920, digamos, o traçado urbano seria outro. Quando ouço falar em novas avenidas, tremo. Por mais que sejam abertas, o trânsito não desafoga. Pelo contrário, estimular o uso do transporte individual é aumentar os engarrafamentos. Uma vez, em Paris, ouvi uma amiga defender a longa sucessão de prefeitos paulistanos apaixonados pelo asfalto. Comentei:
– Se Paris tivesse sofrido a ação de prefeitos como os de São Paulo, teriam derrubado o Louvre para fazer um viaduto, pavimentado o Sena…
Talvez eu esteja chovendo no molhado. Mas o tema nunca se tornou prioritário. Vêm as enchentes, e se fala na necessidade de aumentar a área verde, responsável pela absorção da água. Buscam-se soluções para monstrengos como o Minhocão desde Luiza Erundina até José Serra. Até a idéia de derrubá-lo foi levantada. Também se fala em recriar o Parque Dom Pedro, com a erradicação de prédios e até de um viaduto. Mesmo soluções pontuais como essas ficam guardadas nas prateleiras. Também se fazem, periodicamente, concursos entre projetos para esta ou aquela área da cidade. Os vencedores são premiados e nada vai adiante.
Temos bons arquitetos e urbanistas. Já vi idéias maravilhosas nos jornais. Falta um projeto maior para a cidade, de longa execução. Não voltaremos a ser a cidade criada entre vales, morros e montanhas, cercada de vegetação. Mas uma proposta consistente poderia eliminar problemas urbanos crônicos e recuperar algo de nossa beleza perdida.