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Trapaceiros da arte

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h45 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

O teatro sempre me fez muito feliz. Sou um autor de sucesso, premiado, e tive o privilégio de trabalhar com gente que admiro. Que me perdoem os profissionais sérios, mas é incrível como no meio teatral há picaretas. O artista tanto anseia por ver seu trabalho concretizado que se torna uma presa fácil. Lembro-me de uma jovem que conheci no início de minha carreira. Modelo e atriz. Queria um texto para um espetáculo. Fui encontrá-la esperançoso, pois como iniciante sonhava com uma montagem.

– Quero uma peça que não se apóie só na minha beleza, mas no meu talento – explicou. – Há um senhor muito interessado em minha carreira.

Entregou o cartão. Nele, seu nome, telefone e a foto de topless, com os dois talentos à mostra. Desisti na hora! Mais tarde, outra talentosa chegou a montar um texto meu. Tinha certa carreira nos palcos cariocas. Faltava grana para tudo. Num dia chegavam os pregos do cenário, no outro fita crepe. Ela me ligou apavorada.

– Fiquei sem dinheiro. Vou viajar no fim de semana para conhecer um patrocinador e se não der certo vou parar.

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Voltou com um carro importado zero-quilômetro. A montagem continuou sem verbas. Detalhe: era tão desprendida que não só fez questão de ficar nua em cena. Também costumava andar pelada pelo teatro, nos corredores, camarins. Eu ia ao ensaio e, antes de começar, lá estava ela, nua, tomando cafezinho. Eu tentava aparentar naturalidade.

– Nossa, que calor! – eu dizia.

Meus olhos se cravavam em seus talentos. Eu desviava por educação. Dali a pouco olhava de novo, sem querer querendo. Era um tormento! Nenhum manual de etiqueta ensina a agir diante de uma empresária despida!

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A peça estreou com um coquetel de luxo. Sem anúncio. Salários atrasados. Houve uma revolta. Ela brigou. Tirou a peça de cartaz e se casou com o patrocinador!

Em outra, o diretor estranhou a lotação só de convidados. Ficou de olho. Dali a pouco, o escândalo: a mando da produtora, o bilheteiro carimbava os ingressos pagos como convites. Como éramos remunerados segundo a renda, ficávamos a nenhum!

– O mais triste é pensar que fiz um fracasso tendo um sucesso! – comentei.

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Um ator e uma atriz viajaram com um texto meu. Em cada cidade escolhiam uma butique e pediam roupas emprestadas “para usar no espetáculo”, como se a peça não tivesse figurino. Partiam cedinho de mala cheia. Acabaram na polícia!

Houve um produtor que prometia:

– Amanhã as poltronas do cenário estarão aqui.

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No dia seguinte, nada. Nem tinha se dado ao trabalho de procurá-las! Houve uma peça em que todo mundo concordou em receber só uma porcentagem da bilheteria. Não foi um supersucesso, mas tinha público. No se-gundo mês, ninguém vira um centavo. Fui chamado para uma reunião na sexta-feira à noite. O produtor prometeu:

– Terça-feira pago!

– Não entro em cena sem receber – rebelou-se a estrela.

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Tive uma idéia brilhante:

– Por que você não dá cheques pré-datados?

– Nem que eu fosse maluco! – berrou o produtor.

Brigou, chutou o cenário e fugiu com a grana do patrocínio! A peça saiu de cartaz!

Apesar de tudo, para mim – não só como autor, mas também como espectador –, a magia do teatro permanece intacta. É devido a essa magia que ainda vemos grandes interpretações de estrelas que poderiam viver de outra coisa, mas amam estar em cena! Como fizeram recentemente Bibi Ferreira, Cleyde Iáconis e agora Irene Ravache, que mais uma vez subiu ao palco para nos lembrar de que tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

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