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Tragédia da Estação Pinheiros de metrô

Veja São Paulo ouviu 28 especialistas e levantou as possíveis causas do aciente que chocou os paulistanos

Por Marcella Centofanti, Rodrigo Brancatelli e Sandra Soares
Atualizado em 5 dez 2016, 19h22 - Publicado em 18 set 2009, 20h35

Com apenas 60,2 quilômetros de extensão e 513 milhões de passageiros transportados por ano, o metrô de São Paulo tem proporcionalmente a maior densidade de usuários do mundo. Apesar do tamanho insuficiente, é um dos orgulhos do paulistano, pela rapidez, segurança, conforto e limpeza. Na sexta-feira (12), quando desabou o canteiro de obras da futura Estação Pinheiros da Linha 4, que ligará as regiões da Luz, no centro, à Vila Sônia, na Zona Oeste, a cidade entrou em choque. O fosso de 40 metros de diâmetro, aberto para a escavação do túnel, dobrou de tamanho. A capital parou diante das inacreditáveis imagens e ficou abalada com um acontecimento inimaginável, no qual a primeira coisa a lamentar é a perda de vidas. Seis pessoas foram tragadas pelo buraco e seus parentes experimentam um amargo pesadelo. A Marginal Pinheiros teve um de seus trechos interditados por três dias. Cerca de quarenta famílias que moram no entorno estão desalojadas.

Num primeiro momento, o consórcio das cinco maiores empreiteiras do país encarregado da construção da Linha Amarela atribuiu o acidente ao excesso de chuvas – uma explicação “risível”, como bem definiu o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho. “Houve erro, sim”, afirmou. “Resta saber se foi no projeto ou na execução.” Segundo especialistas ouvidos por Veja São Paulo, tudo indica que a construção deu sinais de que algo estava errado e esses sinais não teriam sido bem avaliados pelas empresas. “Um acidente dessas proporções nunca tem um único motivo”, aponta o engenheiro Roberto Kochen, professor do Departamento de Engenharia de Estruturas e Geotécnica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. “São vários fatores, como aconteceu na colisão aérea entre o Legacy e o avião da Gol.” Pela complexidade de obras dessa magnitude, ocorrências como a da Estação Pinheiros são mais comuns do que se pensa. Desde 2000, nove acidentes aconteceram no mundo durante escavações subterrâneas. Só em 1999, por exemplo, houve tragédias parecidas na Inglaterra, na Turquia, na Itália e na Coréia do Sul.

Apesar desse percalço gravíssimo, das mortes e da alteração da rotina de quem reside perto dos canteiros, a cidade não pode sofrer com a paralisação de uma obra tão importante. Com a conclusão do ramal 4, prevista para 2012, São Paulo encostará na marca dos 73 quilômetros de linha. Ainda será pouco em comparação com outras metrópoles, como Nova York (398 quilômetros), Paris (212 quilômetros) ou Cidade do México (201 quilômetros), mas representará um avanço e uma melhora na qualidade de vida de milhões de cidadãos. Com custo estimado de 1,8 bilhão de reais, a Linha 4 só saiu do papel graças a uma parceria público-privada (PPP), que combina investimentos das duas esferas em grandes projetos de infra-estrutura. Espera-se que o episódio da cratera tenha deixado lições e que, mesmo com atraso, mas com segurança, a Linha 4 seja concluída.

? Faltaram sondagem e monitoramento do terreno?

De acordo com pelo menos dois especialistas, o consórcio não teria seguido recomendações internacionais nas análises de movimentação do solo. Com isso, contaria com menos informações sobre o comportamento do terreno na hora das detonações das rochas. “Na Europa e nos Estados Unidos, a escavação deve ser precedida de uma prospecção do terreno a cada 5 metros”, diz o engenheiro Rogério Beraldo de Almeida, do Instituto Militar de Engenharia, que prestou assessoria aos bombeiros durante o resgate. “Com esse procedimento, dá para saber exatamente a disposição das rochas que você vai encontrar pela frente. Nas obras da Estação Pinheiros, esse estudo era realizado só a cada 50 metros.” O consórcio da Linha Amarela afirma que a análise do solo foi realizada corretamente, a cada 20 metros. “Durante os estudos de projeto básico, houve 26 sondagens na área, dezesseis a mais do que era recomendado”, conta o engenheiro Carlos Eduardo Maffei, professor de engenharia da Escola Politécnica da USP e consultor da Linha Amarela.

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Correções: ? Entre os 28 especialistas entrevistados na reportagem “A tragédia da Estação Pinheiros” (24 de janeiro), Veja São Paulo ouviu Rogério Beraldo de Almeida, que se auto-intitulava engenheiro do Instituto Militar de Engenharia. Após conceder inúmeras entrevistas sobre o acidente nas obras da Linha 4 do Metrô, ele foi preso na sexta-feira (20) por policiais militares, acusado de fingir-se de funcionário público. A revista pede desculpas aos leitores pelo erro que cometeu ao publicar uma de suas declarações.

? A escolha do método de escavação foi correta?

O New Austrian Tunneling Method (NATM), que usa detonações com explosivos e escavadeiras, foi o sistema escolhido para a construção do túnel que passa sob o Rio Pinheiros. Não é contra-indicado, mas alguns especialistas acreditam que o Earth Pressure Balanced Shield, mais conhecido como tatuzão, teria sido mais adequado para esse tipo de terreno. Ao mesmo tempo que perfura a terra, a máquina vai colocando atrás dela os anéis de concreto que formarão o túnel. A opção foi descartada pelo consórcio e pelo Metrô porque tornaria a obra mais cara e aumentaria o seu prazo de execução de 42 para 64 meses. “O solo da região é muito frágil, e por isso as explosões provocam mais fissuras nas rochas”, diz o engenheiro Roberto Kochen, professor do departamento de engenharia de estruturas e geotécnica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Pouco antes do acidente, houve uma detonação com uma pequena carga de nitrato de amônio, diluído em água e óleos combustíveis. Os engenheiros do Consórcio Via Amarela afirmam que naquele momento estavam rebaixando o solo por onde passariam os trilhos do trem. Especialistas acreditam que isso pode ter sido o “gatilho” da tragédia.

? Houve erro de cálculo na construção das paredes do túnel?

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A espessura do concreto que reveste o túnel foi uma das questões mais discutidas entre especialistas depois do acidente. Uma das argumentações é que as paredes (alguns falam em espessura de 20 centímetros) eram finas demais para agüentar a pressão do terreno e a movimentação da terra. “Essa é uma das possibilidades que devem ser investigadas”, diz Celso Rodrigues, coordenador de produção da obra. “Só a perícia, ao analisar os tipos de concreto e de aço utilizados, poderá emitir um laudo conclusivo”, aponta José Tadeu da Silva, presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de São Paulo (Crea). Outro ponto a ser apurado refere-se ao processo de controle de qualidade do concreto. Na obra, os testes eram feitos duas vezes: pelas empresas que fornecem o produto e por profissionais contratados pelas próprias empreiteiras em laboratórios montados nos canteiros de obras. Antes da aplicação nas paredes, amostras são retiradas e submetidas a análise de consistência e capacidade de resistência à compressão. “A boa engenharia determina que esses procedimentos sejam realizados também por uma empresa independente, certificada pelo Inmetro”, diz o presidente do Instituto Brasileiro do Concreto Fundado, Paulo Helene. Os executivos do consórcio dizem que os testes são confiáveis e supervisionados por profissionais do Metrô.

? O modelo de contrato entre o Metrô e as empreiteiras fragiliza a fiscalização?

Conhecido como turn key, esse modelo de contrato é uma espécie de terceirização total da obra. O consórcio contratado deve entregar o empreendimento com tudo pronto, tem o poder de subcontratar serviços e é responsável, inclusive, pela fiscalização. “Isso implica a ausência do poder público e leva ao excesso de terceirizações, que por sua vez favorecem a perda de qualidade técnica”, acredita o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de geologia e planejamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Segundo o presidente do Metrô, Luiz Carlos Frayse David, o modelo é internacionalmente utilizado em grandes empreendimentos e obras civis. “Certamente não é o tipo de contrato que causa ou previne acidentes”, diz.

? Por que os moradores não foram avisados?

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Das seis vítimas, apenas uma trabalhava na obra. Ao ouvirem um alarme sonoro de emergência, os seis funcionários que se encontravam dentro do túnel conseguiram sair. Avisados pelos colegas, os que estavam na parte superior do canteiro também tiveram tempo de deixar o local (à exceção do motorista que voltou ao caminhão para buscar a carteira). Não houve, no entanto, um esquema para alertar vizinhos, comerciantes, pedestres e motoristas, como o condutor da van. Um plano de emergência que englobasse o entorno das escavações provavelmente evitaria mortes. “Havia tempo para fechar a rua”, calcula Jair Paca de Lima, coordenador-geral da Defesa Civil. “Um sistema de sirene, por exemplo, poderia ser uma solução.” O consórcio argumenta que, numa cidade populosa como São Paulo, seria impossível treinar para tal situação toda a população em torno dos 12,8 quilômetros de extensão da Linha 4, como foi feito com os trabalhadores da obra.

? É normal que construções próximas à obra apresentem rachaduras?

As escavações e detonações de explosivos provocam a movimentação do solo. Esses deslocamentos podem gerar fendas e trincas nas construções localizadas nas proximidades. Por isso, uma equipe de técnicos e engenheiros realiza constantemente vistorias nos imóveis das redondezas. As rachaduras são medidas e seu avanço é acompanhado. “O comportamento delas é um dos indicativos de segurança da obra”, diz o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos. “Em alguns casos, elas mostram se há riscos consideráveis.” Foi o que aconteceu nas imediações da Estação Pinheiros em abril do ano passado, quando oito casas da Rua João Elias Saada tiveram de ser interditadas. Os moradores, encaminhados para hotéis da região, só puderam retornar às suas residências quando foi reforçado o túnel abaixo da via, que também apresentava deformações.

? Quais foram os sinais de alerta detectados no canteiro de obras antes do acidente?

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Operários e engenheiros ligados às obras da Estação Pinheiros relatam ter visto, pelo menos um dia antes do acidente, uma fissura de cerca de 2 centímetros no teto do túnel que desabou. As empreiteiras responsáveis pelo projeto negam que a rachadura tenha existido. “Observamos apenas uma deformação em uma das paredes do túnel”, afirma o coordenador de produção da obra do Consórcio Linha Amarela, Celso Rodrigues. “É normal esse tipo de ocorrência em escavações subterrâneas.” No momento em que o desabamento teve início, o problema começava a ser corrigido pelos operários, que usavam barras de aço e concreto para empurrar as paredes no sentido oposto.

? Por que as autoridades não foram avisadas de que havia problemas na obra?

“Fomos surpreendidos pelo desastre”, diz Celso Rodrigues, do Consórcio Linha Amarela. Segundo ele, os problemas detectados na parede do túnel na quinta-feira, véspera do acidente, não eram alarmantes a ponto de justificar sua comunicação às autoridades. Só no sábado o secretário dos Transportes Metropolitanos, José Luiz Portella, foi informado de que houvera uma aceleração no rebaixamento do terreno das obras em Pinheiros. Mesmo o gerente de engenharia do Metrô, Ricardo Leite, soube do ocorrido apenas na sexta-feira à noite. “Até então estava tudo dentro da normalidade”, afirma Rodrigues.

? É arriscado construir uma estação de metrô à beira de um rio?

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Os próprios técnicos do Metrô assumem que o solo na região do acidente é o mais complicado para qualquer tipo de construção subterrânea. Composto de uma camada de areia e argila e, logo abaixo, por rochas repletas de fissuras, o terreno é delicado e sofre com infiltrações por causa da retificação do Rio Pinheiros, acontecida na década de 40. “A região de várzea tem subsolo extremamente poroso. É muito mais fácil de ceder”, diz o geólogo Jaime Pitanga Farah. “Mas isso não justifica o ocorrido. A engenharia moderna oferece soluções para contornar o problema.”

? Essa tragédia pode acontecer de novo?

Enquanto as causas do acidente permanecerem no terreno das hipóteses, não é possível saber se o problema se repetirá. Espera-se, claro, que a tragédia da cratera tenha deixado lições. “Executar obras de grande porte implica sempre assumir riscos”, diz o presidente do Metrô, Luiz Carlos Frayse David. “Mas reafirmamos o nosso compromisso máximo com a segurança.” Segundo ele, procedimentos adicionais que forem sugeridos pelo laudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que ainda não tem data para ser concluído, serão adotados nesta e nas próximas obras do Metrô.

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