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Técnico do São Paulo, Muricy Ramalho, comenta o sucesso do time e fala de suas ambições

História de Muricy Ramalho se escreve assim: frustrações no passado, determinação no presente e obsessão por mais títulos no futuro

Por Maria Paola de Salvo e Camila Antunes
Atualizado em 6 dez 2016, 09h05 - Publicado em 18 set 2009, 20h32

O Morumbi lotou na última quarta-feira para a festa do pentacampeonato do São Paulo Futebol Clube no Brasileirão, a segunda sob o comando do técnico paulistano Muricy Ramalho. O placar final marcou 3 a 0 para o tricolor sobre o América do Rio Grande do Norte. Apesar da previsibilidade da vitória, que chegou quatro rodadas antes do fim do campeonato, houve muita vibração dentro e fora de campo. Muricy comemorou, sorriu e por um momento se livrou da sisudez que lhe rendeu a fama de turrão e o apelido de Zangado, o anãozinho rabugento que implicava até com a Branca de Neve.

Murici, popularmente conhecida como muricizinho, douradinha-falsa ou orelha-de-burro, é o nome de uma árvore baixinha encontrada no cerrado brasileiro. Seu fruto amarelado tem sabor forte e agridoce, características que também servem para descrever o quase homônimo treinador são-paulino Muricy Ramalho. Ele é ácido com os jogadores, a equipe técnica e os jornalistas, mas revela-se doce com a família e os amigos. Experimenta, inclusive, a fase mais madura – e assediada – de sua carreira.

Assumido discípulo do lendário técnico Telê Santana, com quem trabalhou como auxiliar por dois anos, Muricy não teve sucesso em sua primeira tentativa como treinador do São Paulo. Foi demitido em abril de 1997 após um início ruim de Campeonato Paulista (o time acabou como vice-campeão). “Prometi que voltaria para cravar meu nome na história do São Paulo”, conta, rancoroso. Rodou nove clubes em quase dez anos – Guarani, o chinês Shanghai Shenhua, Ituano, Botafogo, Santa Cruz, Náutico, Figueirense, Internacional e São Caetano. Nesse período, conquistou a Copa da China e outros cinco títulos em campeonatos estaduais. Finalizado o contrato com o Internacional, em dezembro de 2005, após sua segunda passagem pelo clube, voltou à capital paulista. Estava desempregado fazia menos de um mês quando seu telefone tocou. “Eles me convidaram para voltar ao São Paulo. Aceitei na hora”, lembra. Assumiu o time com a dura missão de manter vencedor um São Paulo que já era tricampeão da Libertadores da América e do Mundial Interclubes. O Brasileiro de 2006 tornou-se, então, sua obsessão. Depois de uma derrapada na Libertadores – que considera sua pior derrota –, o título veio e pôs fim a um jejum de quinze anos no campeonato nacional.

“A grande qualidade de Muricy é formar um time versátil”, aponta o técnico santista Vanderlei Luxemburgo. Richarlyson, por exemplo, já jogou em quatro posições neste ano: foi volante, zagueiro, meia e lateral-esquerdo. A vantagem de variar nas configurações do time, explicam especialistas, é a possibilidade de surpreender o adversário e aproveitar suas fragilidades, na defesa ou no ataque. A desvantagem é que a equipe pode demorar para se afinar, razão pela qual Muricy foi chamado de burro pela torcida e teve o cargo ameaçado há cinco meses, quando o time sofreu duas eliminações: no Campeonato Paulista (perdeu por 4 a 1 para o São Caetano) e na Libertadores (2 a 0 para o Grêmio).

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É exatamente nas fases em que o time vai mal e sua carreira balança que Muricy mostra suas garras. “Ele guarda mágoa e exagera nas patadas com a imprensa”, diz o comentarista Milton Neves. Também não mede as palavras com os cartolas. “Ele não gosta de ser criticado”, afirma o diretor superintendente de futebol do tricolor, Marco Aurélio Cunha. Com os jogadores, a relação é de tapas e beijos. Mais de tapas que de beijos, diga-se. “Falo as verdades que eles precisam ouvir, sem passar a mão na cabeça”, observa. “Mas faço isso porque acredito no potencial do atleta.” Foi assim com o atacante Aloísio, que ficou dezessete partidas sem marcar gol e, mesmo pressionado pela torcida, não esquentou o banco de reservas. “Hoje chamo o Muricy de papai”, derrete-se Aloísio. O técnico, no entanto, faz questão de manter uma certa distância fora dos gramados. Evita festas dos filhos dos jogadores e pula fora de churrascos de confraternização aos domingos.

Quando os assuntos pessoais interferem no desempenho do atleta, aí, sim, ele dá uma de babá. Em maio, o meia Leandro vinha mal em campo. Preocupado com a mãe doente, ameaçou até rescindir seu contrato. Muricy chamou-o de lado e emprestou o ombro de pai. Poucos gozam dessa intimidade. O goleiro Rogério Ceni encabeça esse seleto grupo. Costumam ir juntos à missa do padre Marcelo Rossi às quintas-feiras. Compartilham três características: a obsessão por vencer, a fidelidade ao São Paulo e o pão-durismo – “Sou econômico porque sei que a vida no futebol é instável”. Foi o técnico que o escalou para bater falta pela primeira vez, em 1997, numa época em que isso era algo impensável. “Até hoje sou grato a ele”, diz o goleiro, recordista mundial de gols (63) em agosto do ano passado.

Da época de meia-direita do São Paulo, com a camisa 8, Muricy guarda as melhores lembranças do time do coração, que defendeu de 1973 a 1979, e onde começou a treinar aos 8 anos, na escolinha do clube. Aos 20 e poucos anos, batia de frente com o exigente José Poy, treinador que também comandou os ex-jogadores Serginho Chulapa e Nelsinho Batista. Poy implicava com sua vasta cabeleira, moda na década de 70. Tentou obrigá-lo a visitar o barbeiro. Muricy, até então um rebelde sem causa, se impôs e abandonou os treinos por dez dias. Voltou logo em seguida e no primeiro jogo marcou gols. “Aí pensei: agora eu não corto nunca mais”, lembra. “Na verdade, ele mantinha a cabeleira porque fazia sucesso com a mulherada”, conta o técnico do Corinthians, Nelsinho. Para driblar o treinador linha-dura, Chulapa e Muricy estacionavam seus Fuscas nas redondezas do Palácio dos Bandeirantes e desciam a pé para o treino. Motivo? Poy não deixava que eles comprassem um carro antes de investir na casa própria. Recentemente, Muricy protagonizou um episódio parecido com o meia Souza. Mas, como os tempos são outros, o motivo em questão era um BMW.

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O técnico encerrou a carreira como jogador em 1985. Antes disso viveu um episódio traumatizante. No auge de sua atuação, uma lesão no joelho lhe tirou a chance de vestir a camisa da seleção na Copa do Mundo de 1978. “Essa é a minha maior frustração”, diz. Para quem não chegou ao 2º grau, o salário de 250 000 reais mensais (estimado por um diretor do clube) é respeitável. Muricy bem que poderia ganhar mais, se aceitasse as propostas que volta e meia lhe aparecem. Numa delas, para comandar a seleção da Arábia Saudita, receberia mais de 1 milhão de reais por mês. Não topou. “Não gosto de quebrar contrato no meio do campeonato e estou cansado de ficar longe da família.”

Em casa, aliás, coleciona desfalques. Estava no México, defendendo o Puebla, quando sua primeira filha, a publicitária Fabíola, 25, nasceu. Só foi conhecê-la aos 3 meses. Também não chegou a tempo ao enterro do pai, dois anos depois. Contratado pelo Shanghai Shenhua, em 1998, embarcou para a China com a mulher, Roseli, e com o filho mais novo, Fábio, deixando em São Paulo, aos cuidados da sogra, os outros dois, Muricy Júnior e Fabíola. “Não consegui me adaptar. Os oito meses que fiquei lá pareceram vinte anos.” Mais recentemente, em 2002, estava no Recife, no comando do Náutico, quando a mãe faleceu, vítima de uma isquemia. “Até hoje me culpo”, emociona-se. “Pago caro para manter meu trabalho.”

Morando a quatro quadras do Estádio do Morumbi, Muricy tenta recuperar o tempo perdido. Janta quase sempre em casa. Quando a empregada falta, assume a vassoura e a louça. Outro dia se aventurou a preparar um risoto de frango. “Ficou até bom, mas ele sujou a cozinha toda”, entrega Roseli. Casada com Muricy há trinta anos, desde que se conheceram no bairro de Pinheiros, onde ele nasceu, a dona-de-casa não poupa elogios ao marido: “Aos 51 anos, ele continua batendo um bolão”. O casal não tem uma vida social intensa. Pelo contrário. Muricy evita ir a shoppings e dispensa convites para jantar em restaurantes sofisticados – “Não me sinto bem nesses lugares”. Gosta mesmo do frango com polenta do Demarchi, de São Bernardo do Campo, um dos restaurantes favoritos do presidente Lula. Quando quer descansar, segue para um sítio em Ibiúna na companhia de suas duas cachorras: a maltesa Tutty e a yorkshire Julie. “Julie é anti-social como eu”, brinca.

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Ao contrário de alguns de seus pares, que costumam dar seus gritos na beira do gramado em ternos de grife, Muricy adota os agasalhos do clube, que não o ajudam a disfarçar a barriga saliente. Sempre mascando chiclete ou bala, ele grita, pula, xinga, cruza os braços em X (chamando para a guerra). Quando o time está sem ânimo, mostra o sangue que corre nas veias, em alusão à raça. Tem dificuldade extrema de aceitar as derrotas. Depois de um jogo perdido, passa a noite em claro grudado no vídeo da TV, revendo o que considera seus erros na partida. O nervosismo, certa vez, o levou ao hospital. Após uma derrota, seu braço começou a formigar e ele pensou que estivesse infartando. Era stress.

Muricy levou por dois anos consecutivos (2005 e 2006) o prêmio de o melhor técnico do Campeonato Brasileiro concedido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Vive em lua-de-mel com a torcida, os críticos e os concorrentes. Para Vanderlei Luxemburgo, ele é um grande nome para dirigir a seleção. Nelsinho Batista, do Corinthians, não tem dúvida de que se trata do melhor treinador do Brasil na atualidade. E o que o rabugento vencedor tem a dizer? “Para quem insiste em me chamar de burro, os resultados são minhas credenciais. Eu me sinto preparado para assumir a seleção.”

O que dizem sobre ele

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“Muricy tem perfil para dirigir a seleção, apesar de ser difícil lidar com a pressão da torcida, que não admite derrotas.”

VANDERLEI LUXEMBURGO, técnico do Santos

“Ele me escalou para bater falta pela primeira vez. Tem olho clínico para aproveitar o atleta numa função diferente da original.”

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ROGÉRIO CENI, goleiro do São Paulo

“Quando jogava, por causa da cabeleira, ele passava imagem de rebelde. Bobagem. Era disciplinado. Fazia mais sucesso com as mulheres assim.”

NELSINHO BATISTA, técnico do Corinthians

“Estacionávamos os Fuscas longe do clube e íamos a pé para o treino. Nosso técnico na época dizia que tínhamos de comprar casa antes do carro.”

SERGINHO CHULAPA, auxiliar técnico do Santos

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