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Surpresas nas colinas

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 15h13 - Publicado em 27 fev 2014, 17h47

Um bairro, seu bairro, é o pedaço da cidade que você recorta e acomoda no peito, onde guarda as coisas afetivas. Pouco tem a ver com o espaço largo que a prefeitura delimitou e nomeou. Embora atenda pelo mesmo nome, é mais íntimo, pessoal, é onde seus pés o levam com segurança, conhecimento e deleite. O “seu” bairro é a padaria, o mercado, a vizinha que diz bom-dia e conta que a cachorrinha está doente, o vizinho que rega as plantas pela manhã, a agência do banco, a escola, o buraco da calçada que você aprendeu a evitar, a sequência esperada dos primeiros barulhos da manhã, o conhecer a incidência do sol a cada hora do dia e estação do ano, a pechincha com os feirantes, o canto do galo, a moça da janela em frente a limpar a vidraça, o taxista que sabe seu nome, o comércio, a sorveteria, o café, o posto que garante a gasolina, o jornaleiro, as comidinhas do boteco…

Seu bairro são as ruas por onde você caminha com olhos acostumados, mas, epa!, sempre há novidades numa caminhada pelas colinas de Perdizes.

Alguém, estouvado egoísta, cortou antes da hora o enorme cacho de bananas que crescia na touceira da calçada, na Rua Caiubi. Não estava no ponto, frutas ainda magras. Dependessem de você, ficariam ali até amarelar, gordas, a deliciar pássaros e algum passante.

De repente, na calçada da Rua Monte Alegre, Antônio Fagundes. Cismado de já ter visto aquela cara em algum lugar, você cumprimenta o desconhecido, que responde gentilmente, e, só depois que ele passa, o nome acende na sua cabeça, ajudada pelo cartaz da peça Tribos, bem na sua frente, no teatro Tuca.

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Vai descendo a Rua Cardoso de Almeida e quase na esquina com a Itapicuru topa com o século XIX na beira da calçada. Está ali, firme, elegante, a exibir volteios de art nouveau, um poste de ferro da iluminação pública da época do gás. Esquecido, com seu bico de gás lá na ponta, terá atravessado quase um século de abandono, desde a época da eletrificação do bairro, iniciada em 1922. Que fique lá, símbolo das coisas duráveis.

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Você dobra à esquerda na Rua Itapicuru, vai indo e, oh!, um homem toma banho de mangueirinha completamente pelado no estreito jardim de uma casinha no quarteirão entre a Monte Alegre e a Ministro Godói. À sua aproximação ele diz um “ô”, meio espantado, e procura resguardar intimidades no ângulo do murinho baixo. Não deu para saber se era um sem-teto ou um trabalhador encerrando o dia de serviço. É o calorão, você pensa, e segue.

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Atravessa a Avenida Sumaré e sorri diante da placa com o nome da rua que reaparece depois de ter terminado. Isso mesmo. A Homem de Melo finge ter terminado ali na avenida, mas do lado de lá você passa três quadras, a Apiacás, a Apinagés, a Aimberê, e lá está ela de novo na placa: Rua Homem de Melo!

É hora de voltar do passeio. Você retorna às colinas por essa mesma rua enganadora e, entre as travessas Minerva e Franco da Rocha, se encanta com o carro que virou jardim. Lataria pintada em cores primaveris, o velho Fiat Prêmio abriga plantas e arbustos: árvores-da-felicidade esticam galhos pelas janelas, espadas-de-são-jorge, comigo-ninguém-pode, capins-limão, tinhorões, peperômias, samambaias, dinheirinhos-em-penca; o calor castiga e resseca várias espécies na boca aberta do capô, cactáceas resistem, gerânios ameaçam botar flores, pesados vasos afundam o teto… Na cidade dos engarrafamentos, a cenabrinca com o futuro.

ivan@abril.com.br

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