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Sizuko Kawano: caçadora de pacientes

Seu trabalho é ir atrás de quem passou pelo Hospital do Câncer e desapareceu sem dar notícias

Por Edison Veiga
Atualizado em 5 dez 2016, 19h22 - Publicado em 18 set 2009, 20h35

Ela não é médica nem enfermeira, mas conhece bem as agruras enfrentadas por pacientes que lutam contra o câncer. Todos os dias, Sizuko Kawano – que recebeu dos colegas o apelido de “Alice” – faz mais de quarenta ligações para saber a quantas anda o tratamento dessas pessoas. Auxiliar administrativa do Serviço de Arquivo Médico e Estatística (Same) do Hospital do Câncer, na Liberdade, sua função é acompanhar a vida de ex-pacientes que, por alguma razão, não voltaram a procurar o hospital. “Quem teve câncer precisa ser acompanhado periodicamente por toda a vida”, explica o médico Humberto Torloni, coordenador científico do Same. “É como se abrisse uma conta-corrente vitalícia conosco.” Após encerrado o tratamento, as consultas vão se tornando mais esparsas. Em geral, no ano seguinte à recuperação o paciente retorna seis vezes ao hospital. Do sexto ano em diante, ele precisa ir até lá uma vez a cada doze meses. Nesse meio-tempo, muitos deixam de dar notícia. “É quando a Alice entra em ação”, diz Torloni. Desde 1966, essa filha de imigrantes japoneses, que tem 70 anos, se dedica a localizá-los, de segunda a sexta, das 7 às 17 horas. Seu trabalho parte dos prontuários médicos do hospital – são 300000, distribuídos em 58 prateleiras –, nos quais ela checa as informações e o histórico de cada um. Com freqüência, o telefone e o endereço mudaram. “O mais usual é procurar pelo nome no site da Telefônica”, conta Alice. “Mas, quando o sobrenome é muito comum, a coisa complica.” Outro problema é que, com a proliferação dos celulares, muitos desses pacientes já não têm linha fixa. Quando não consegue contatá-los pelas vias normais, ela apela para cartórios, prefeitura ou delegacias. Se quem está sendo procurado morreu, Alice precisa saber a data e a causa da morte. Para fins estatísticos, é importante anotar no prontuário se o óbito foi conseqüência do câncer ou não. “Várias pessoas não compreendem minha função”, lamenta. “O pior é quando ouço desaforos de parentes logo na primeira ligação do dia.” Há alguns anos, por exemplo, uma família foi até o hospital para saber quem era a “bisbilhoteira” que queria saber sobre o parente recém-sepultado. “Disseram que iam me processar e ameaçaram me bater.” Alice procura manter a frieza e não se envolver com os ex-pacientes. Nem sempre consegue. “Certa vez, pelo nome, reconheci um velho amigo de escola”, lembra. “Fiquei muito triste porque ele não sobreviveu ao tratamento.” Viúva há catorze anos, sem filhos, ela mora sozinha a poucas quadras do hospital. Antes de se tornar investigadora de pacientes, trabalhou como bóia-fria e, logo que chegou a São Paulo, foi balconista de uma loja na Rua 25 de Março. “Considero meu trabalho aqui uma missão”, diz. Nas horas vagas, pinta quadros – faz aulas toda terça-feira – e, duas vezes por semana, pratica natação. “São minhas terapias, quando consigo esquecer um pouco o stress de tantas ligações telefônicas.”

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