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Sem dívidas

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h44 - Publicado em 18 set 2009, 20h19

A melhor coisa a fazer é passar para o outro ano sem dívidas. Dá, quando se tem juízo.

Não vamos generalizar, porque tem gente que gosta de viver no vermelho e se enrola até com agiota. Adora prestações, pendura, empréstimo, cheque pré, cartão, caderneta, vale. Gosta da adrenalina da dívida, dos sustos renovados. Vive essas emoções como se estivesse numa montanha-russa, sem sossego. A esse tipo de aloprado não sei o que dizer, me desculpem.

Bom mesmo seria sempre entrar no ano novo zerado. Impossível. Sonho. O sistema do país faz a gente começar cada ano devendo um rol de coisas: o imposto da casa, o do carro, o dos serviços, o da renda, a luz, o telefone, a água, a matrícula da escola, o plano de saúde ­ a vida do ano que termina pesando no que começa.

Fora essas inevitáveis, das quais nem os ajuizados escapam, penso que teria sido ótimo se tivéssemos nos livrado pelo menos daquelas dívidas leves que acumulamos por negligência, por um “deixa pra semana que vem”, um pouco de preguiça, comodismo ou falta de tempo. Não se trata de dinheiro, e não é que não sejam cobradas; quando acontece, passamos vergonha.

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Visita, por exemplo. Quem não ficou devendo uma visita? No período de compras de Natal, quando todo mundo sai à rua e vai mais ou menos aos mesmos lugares, é comum encontrarmos aquela comadre, o ex-colega, um primo a quem ficamos devendo uma visita há algum tempo. Imediatamente nos lembramos da promessa feita na despedida: vamos sem falta, pode esperar. E a cobrança vem: “Oh, estamos esperando aquela visita, hein?”. Desagradável, não?

Tem gente que deve promessa, depois da graça alcançada. Vai deixando para depois. É como roubar no jogo. Até pior: é trapaça que não se faz com a consciência tranqüila. Me falaram de um advogado que está negociando com a santa a redução do pagamento, que é ir a pé até Aparecida. A mulher dele estava doente, não morreu, mas ficou com seqüelas. Ele propõe ir de carro, fazer uma doação e acender lá umas velas. Como vai saber se a proposta foi aceita?

Ainda nessa área, tem um caso mais complicado: a filha que está devendo uma promessa que a mãe fez para ela cumprir. É, fez sem avisar. A mãe prometeu a não sei qual santa que se a filha passasse no vestibular de medicina a própria filha ficaria um ano sem ir a nenhum barzinho ou balada. Acontece que ela passou, na USP! E agora, como é que fica? Deve ou não deve?

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Há os que devem cartas, bilhetes, agradecimentos. Displicência imperdoável. Milhares de pessoas devendo respostas, na era do e-mail! Em geral nem é coisa trabalhosa, é só digitar, mas… Tão Brasil!

Há os devedores de almoço. O último fomos nós que pagamos. “Estou te devendo um almoço”, reconhecem, a cada encontro ocasional. Mas fica para outra vez. Ocupadíssimos.

No país do jeitinho, há uma legião de devedores de pequenos favores, indicações, encaminhamentos, desembaraços, quebra-galhos, que precisam ser retribuídos… Seria bom mandar uma lembrancinha para os quebradores de galho, a fim de entrar no ano sem pendências, se é que me entendem.

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Eu mesmo não estou livre de culpa: devo a um amigo escritor a leitura de seu livro, esquecido na pilha de pendências da minha estante; devo a um vizinho uma crônica sobre o preocupante avanço imobiliário no bairro ainda aprazível das Perdizes (as imobiliárias vendem um lugar por ser agradável e logo o tornam problemático); e devo um beijo. Este eu pago antes que o ano termine.

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