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Secretário Andrea Matarazzo não foge da briga contra os problemas de São Paulo

Quando vê alguma irregularidade pelas ruas, o xerifão das subprefeituras saca o celular e parte para o ataque, seja na Cracolândia, seja nos Jardins

Por Alessandro Duarte e Camila Antunes
Atualizado em 6 dez 2016, 09h05 - Publicado em 18 set 2009, 20h31

Pelas ruas da Cracolândia, reduto de tráfico, consumo de drogas e baixo meretrício na vizinhança da Sala São Paulo, circula por volta da meia-noite um DaimlerChrysler blindado, ano 1997. Ao volante, o homem impecavelmente bem vestido parece ter saído de um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado. Sua camisa branca sob medida traz as iniciais A.A.M. bordadas. Nos punhos reluzem abotoaduras com o monograma de família. Inconformado com o que vê a seu redor, ele localiza um contato na agenda do celular, liga e pergunta: “O caminhão de lixo já passou pela Rua Mauá?”. Em seguida, aciona o delegado titular da 1ª Seccional da Polícia Civil, que cuida da região central, Dejar Gomes Neto, e pede a presença de uma viatura. “Muita gente ainda vem aqui para usar drogas”, diz o secretário municipal Angelo Andrea Matarazzo. “Outro problema grave são os carroceiros que descarregam entulho de madrugada no meio da rua.”

Desde que assumiu a Coordenação das Subprefeituras, em abril de 2006, Matarazzo quase nunca volta para casa, no Morumbi, sem dar um giro pela Luz ou por algum outro bairro. E dificilmente faz isso antes das 22 horas, quando encerra seu expediente. “Às vezes rodo a Avenida 23 de Maio de ponta a ponta”, conta. Aproveita para inspecionar a adequação à Lei Cidade Limpa, que proibiu outdoors, painéis e banners, além de redimensionar letreiros e totens dos estabelecimentos comerciais. Outras atribuições de seu cargo, que lhe dá poderes no município só menores do que os do prefeito, são zelar pelos serviços de varrição, combate a enchentes, poda, recapeamento e pintura antipichação. “Acabo neurótico com cada buraco no meio do caminho.” O homem gosta de brigar com quem considera infrator. Pode, às vezes, parecer demagogia, mas o que ele faz em geral é bom para a vida da cidade. Na quarta-feira passada, após vistoriar uma limpeza nos canteiros da Avenida dos Bandeirantes, disparou três telefonemas em menos de quinze minutos. Mandou derrubar um barraco que havia sido construído em uma praça, retirar uma faixa que anunciava serviços esotéricos e apreender um caminhão que vendia frutas na Avenida Indianópolis. Pouco depois, barraco, faixa e caminhão foram retirados. “Esse estilo, ele herdou de nossa mãe”, conta uma de suas irmãs, a consultora de etiqueta Claudia Matarazzo, chefe do cerimonial do Palácio dos Bandeirantes. “É um xerifão, mas de bom coração.”

Bisneto do senador italiano Andrea Matarazzo (irmão do conde Francisco Matarazzo, fundador do antigo império industrial) e sobrinho de Ciccillo Matarazzo, criador da Bienal, do Museu de Arte Moderna e do Museu de Arte Contemporânea, Andrea Matarazzo deixou há dezessete anos o comando de parte do que restou das indústrias da família para fazer política. Presidiu a Companhia Energética de São Paulo (Cesp) no governo Mário Covas, foi secretário de Comunicação e embaixador em Roma no governo Fernando Henrique Cardoso. Depois, assumiu a Metalma, fabricante de embalagens plásticas da Matarazzo Holding. A empresa, que fatura 150 milhões de reais por ano, já teve 80% do mercado de latas de aço no país.

Ele é o que se convencionou chamar de tucano de alta plumagem, com bom trânsito entre os caciques do PSDB. O governador José Serra, por exemplo, é seu amigo íntimo. A ponto de ele tomar os cigarros de sua mão e apagá-los. Foi com a eleição de Serra à prefeitura de São Paulo, em 2004, que Matarazzo voltou para a política. Acomodado numa salinha sem ar-condicionado no prédio onde funciona a subprefeitura da Sé, ele deu início a um trabalho de revitalização da região da Cracolândia–. Determinado, decidiu enfrentar a máfia dos ferros-velhos, traficantes de drogas, donos de prostíbulos e ONGs que atendem moradores de rua. Entrou em confronto direto com o notório padre Júlio Lancellotti. O líder da Pastoral do Povo da Rua implicou com seus métodos de fechar estabelecimentos ilegais com blocos de concreto e suas tentativas de retirar os sem-teto das calçadas. Chamou-o de fascista e higienista. Elegante, agora que pesam dúvidas sobre a conduta do padre, Matarazzo prefere encerrar a polêmica.

Sem deixar a subprefeitura da Sé, passou a acumular a gigantesca Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, na qual comanda um orçamento anual de 1,4 bilhão de reais. “Somos amigos há anos e sempre soube que ele tem uma capacidade de trabalho muito grande”, declara o prefeito Gilberto Kassab. Matarazzo logo se tornou a estrela da administração municipal. “No atual organograma da prefeitura, quem tem a função de coordenar os subprefeitos vira uma espécie de primeiro-ministro”, afirma o cientista político Rui Tavares Maluf, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. O secretário aproveita essa visibilidade para, ao menos, fazer barulho. Acredita que, ao ser duro com quem está irregular, dá exemplo aos demais. Só no ano passado, interditou 135 casas noturnas, 166 ferros-velhos, 178 restaurantes e 816 bares. Ao todo, foram 1·793 fechamentos (uma média de quase cinco por dia). Retirou mais de 7.000 camelôs não cadastrados de pontos como o Largo Treze de Maio, em Santo Amaro, o Largo da Concórdia, no Brás, e o centro de São Miguel Paulista. No Largo Treze, a simples expulsão dos ambulantes levou o número de roubos e furtos na região a cair cerca de 20%.

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Brigas e reclamações fazem parte de sua rotina. Há quem o considere um exibicionista. “Ele atropela a lei no afã de mostrar resultados”, diz Arthur Rotenberg, advogado da indústria de móveis e decorações Brentwood, cuja loja na Alameda Gabriel Monteiro da Silva terá de ser demolida para adaptar-se às dimensões permitidas pelo zoneamento. Contribuíram para a fama de intransigente as disputas com as marcas Ferrari e Citroën, autuadas porque vendem carros na Avenida Europa, onde só é permitida a instalação de showrooms. Matarazzo bateu boca ainda com o empresário Oscar Maroni Filho, dono da boate Bahamas, quando fechou o Oscar’s Hotel, ao lado do Aeroporto de Congonhas. Arrumou encrenca com as empresárias Lucilia Diniz, que mantinha um escritório em área residencial, e Tania Bulhões, que demoliu parte do subsolo e do sótão para adequar sua loja de decoração aos padrões exigidos. No último domingo, fechou a quadra da escola de samba Vai-Vai, no Bixiga, por causa do barulho dos ensaios.

Essas pendengas são pequenas se comparadas à sua queda-de-braço com o chinês Law Kin Chong. Mesmo preso por contrabando, Law continuava abastecendo camelôs e investindo no Shopping Pari, que às vésperas de ser inaugurado, em dezembro, foi interditado por não ter alvará de funcionamento. A lei autoriza a apreensão e destruição de mercadorias falsificadas ou contrabandeadas, mas não permite fechar o estabelecimento comercial em que elas são vendidas. “Por isso, precisamos encontrar alguma falha na documentação ou na estrutura dos prédios que justifique sua interdição”, explica Matarazzo. Assim, ele conseguiu fechar também três shoppings de produtos ilegais na Avenida Paulista, que supostamente venderiam produtos de Law.

É claro que em São Paulo inteira há muito por ser feito. Dá para notar, no entanto, um ar de renovação. A região da Cracolândia, por exemplo, não deixou de ser ponto de encontro de usuários de drogas. Mas dois quarteirões já foram desapropriados e demolidos para que ali se instalem prédios de dois órgãos públicos. Vinte e três empresas (como IBM, Microsoft, Atento e o Instituto Moreira Salles) apresentaram projetos para se estabelecer na área e ganharão incentivos fiscais, como redução de até 60% no ISS e 50% no IPTU. Apaixonado por velocidade – tem uma moto Honda Blackbird modelo 97, de 1·137 cilindradas, capaz de superar os 250 quilômetros por hora –, Matarazzo encontrou um trabalho com o ritmo de que gosta. Responde um a um aos e-mails que recebe e participa de programas de rádio nos quais os ouvintes podem ligar e fazer as mais diversas reclamações. Sua mulher, Sônia, e suas irmãs, carinhosamente apelidadas por ele de “três jararacas”, estão preocupadas com tamanha agitação. “Ele precisava desacelerar”, diz Claudia. Apesar de dormir pouco e ser workaholic assumido, procura se cuidar. Repete quase todos os dias um prato light no almoço: peixe com legumes ao vapor. Aos 51 anos, tenta parar de fumar. Com a ajuda de adesivos de nicotina, diz que diminuiu o número de cigarros de vinte para seis por dia. Embora afirme não ter projetos políticos, mesmo com seu nome sendo cogitado para vice numa possível chapa com Kassab, gosta de citar seu tio Ciccillo: “Ele me ensinou que um homem só entra para a história se fizer algo acima de seus interesses”.

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