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Saboreando janeiro

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h46 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Todos os anos, em janeiro, o paulistano saboreia a sua cidade. É quando ela, sesquicentenária importadora de gente, se torna exportadora. Descansa de dois dos seus problemas: excesso de moradores e de veículos.

Em certos bairros, dá para ouvir o silêncio. Avenidas roncantes adormecem tranquilas. O direito civilizado de ir e vir, sem irritação e no tempo certo, é recuperado pelos moradores. No começo, com cautelosa alegria, mas, à proporção que o mês avança, com progressiva confiança, aquela que se tem quando se pode contar com coisa certa. Chegando ao meio do mês já se transita com a certeza de que não há uma armadilha ali adiante, não é uma pegadinha.

O barulho diminui. Ah, como os ouvidos agradecem, o sono agradece. A cadeia do bem se propaga em ondas. Menos motores levam a menos buzinas, menos freadas, menos paralisações com seu ronco surdo; menor atividade leva à redução de motos, entregadores, caminhões, motopizzas; menos baladas, transferidas para balneários e estâncias, resultam em menos gritos, brigas, música tecno marretando tímpanos, arrancadas, vozerio de manobristas na madrugada; menor número de alcoolizados resulta em menos acidentes, sirenes, rachas, choro.

Surgem carrinhos de bebê nas calçadas, antes refugiados nos shoppings e parques. São mães saboreando um prazer antigo, que tiveram quando eram elas os bebês. Desfilam muros, jardins, portões, árvores, flores, cães, vizinhos e esquinas diante dos olhos dos bebês, que aprendem como é essa outra arrumação do urbano.

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Atravessar uma rua fica mais tranquilo. Alguns motoristas praticam adormecidas gentilezas. Certos de que não vão ficar presos no engarrafamento do próximo farol pelo excesso de veículos, cedem a passagem – até pedestres eles deixam passar.

Os cinemas guardam bons lugares para cada um, sem a ansiedade das longas filas e a correria para as cadeiras. Pode ser que a pipoca venha um pouco fria, por ter ficado mais tempo à espera do freguês, mas será um efeito colateral indolor.

Restaurantes, mesmo aquele “pessoa jurídica” ge-ralmente tumultuado na hora do almoço, têm sempre uma mesa à espera. O serviço flui melhor e, na saída, o carro trazido pelo manobrista chega rapidinho após o almoço de domingo, a feijoada de sábado ou o jantar de sexta-feira.

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Os clubes recuperam a vida. Grandes piscinas azuladas agitam-se ao sol na piracema de crianças reluzentes e no tititi de mães trocando fofocas nas espreguiçadeiras. Nas outras áreas, massagem, spa, sau-na, academia, esportes… vida amena de balneário sem o desconforto das es–tradas lotadas.

Entidades de serviço social multiplicam atividades lúdicas e culturais. Desde as moderníssimas, como computação gráfica para crianças e adolescentes, até as nostálgicas, como bailes vespertinos com orquestra para os de cabelos brancos ou tingidos.

As ruas de comércio, o Mercadão, os supermercados, os estacionamentos, os aeroportos, o metrô, todo o serviço urbano se humaniza. Como se tivesse sido dimensionado para os que ficaram, na grande fuga de janeiro.

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Não vai durar muito. Até lá, que todos saibam usufruir o privilégio. Os bens temporários têm de ser aproveitados no tempo certo, como uma safra de jabuticabas.

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