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Rotina da plataforma de petróleo de Merluza – PMLZ-1 localizada na Bacia de Santos

Além do stress do isolamento, quem trabalha ali enfrenta o desafio de passar catorze dias seguidos confinado no meio do oceano

Por Fabio Brisolla
Atualizado em 5 dez 2016, 19h27 - Publicado em 18 set 2009, 20h30

Plataforma de petróleo de Merluza – PMLZ-1, Bacia de Santos, a 184 quilômetros do continente. No labirinto de tubos de aço, a missão do mecânico Sílvio Sá é fazer um reparo no poço usado para a extração de gás natural. Durante o procedimento, a pressão sobe de forma inesperada e arremessa para o alto um tampão. O gás é liberado. Atingido pela substância, o mecânico morre na hora. Seu ajudante, Derivaldo Silva, sofre ferimentos leves. Instantes depois, soa o alarme de emergência. Naquele 10 de dezembro de 2002, o acidente deixou engenheiros e operários abalados. Foi o momento mais dramático na história da Merluza, que havia sido inaugurada nove anos antes. Ali, cada funcionário se deu conta do perigo que ronda a rotina numa plataforma de petróleo.

Cinco anos e meio depois, a Merluza não tem registro de outros acidentes graves. Mas a morte de Sá serve de alerta. Nesse trabalho, é preciso ter a máxima atenção. Os funcionários da Petrobras dão expediente catorze dias seguidos e folgam 21. A rotina dos terceirizados é mais dura. Eles trabalham catorze dias e folgam outros catorze. A plataforma fica a cinqüenta minutos de vôo de helicóptero do município de Itanhaém, no Litoral Sul. Sob o heliponto há três pavimentos com alojamentos, o setor administrativo, restaurante, academia de ginástica e salas de vídeo e karaokê, além de seis poços responsáveis pela produção diária de 1 milhão de metros cúbicos de gás natural e 1 500 barris de gás condensado (usado na fabricação de gasolina e diesel). Com 11 000 toneladas e uma estrutura que atinge 130 metros abaixo do nível do mar (a altura de um prédio de 43 andares), é a única plataforma fixa da Petrobras na Bacia de Santos, que entrou em evidência no fim do ano passado, quando a empresa anunciou a descoberta do campo de Tupi, cuja reserva está estimada entre 5 e 8 bilhões de barris de petróleo. Na mesma região estaria também o campo chamado de Carioca, que pode elevar ainda mais seu potencial. Em outubro está prevista a inauguração do campo de Lagosta, projetado para extrair 1,5 milhão de metros cúbicos de gás natural por dia.

Cada petroleiro da Bacia de Santos busca uma maneira de lidar com a distância e o tempo longe de casa. “É duro vir para o serviço e ter alguém da família doente ou algum outro problema particular para resolver”, diz Luiz Bruno de Souza, de 54 anos, que segue essa rotina há 25 anos. Operador de plataforma, ele tem a função de monitorar desde a manutenção dos dutos de petróleo até o sistema de energia elétrica. De longe, acompanha a vida de seus três filhos. Quando se separou, há dez anos, Souza ficou com a guarda dos garotos e teve de resolver boa parte do serviço de casa durante o pouco tempo em que permanecia em terra firme. “A cada jantar ou almoço, eu fazia o dobro de comida e deixava uma porção congelada para o período em que eu estivesse distante”, conta.

Isolado em alto-mar, Souza aprendeu a conviver ainda com algumas surpresas. Numa noite, estava na sala de rádio quando avistou um vulto vagando pelo convés. A princípio, pensou que um bandido pudesse estar ali. Depois, chegou a temer que fosse uma assombração. “Senti muito medo e, mesmo sem ter arma, gritei que ia atirar”, lembra Souza, rindo. O tal vulto ameaçador era um pescador com um anzol atravessado na mão, que havia deixado seu barquinho ao lado da plataforma e subido para pedir socorro. Em apuros assim, Valdenir Rodrigues Alves, de 52 anos, recorre aos céus. “Rezo diariamente e tenho a Bíblia sempre ao meu lado”, afirma. Encarregado da caldeiraria, setor responsável por eventuais obras e reparos na área externa da estrutura de aço, ele roda plataformas há 22 anos. Trabalha doze horas por dia, a partir das 6 da manhã. “Quero criar um espaço de oração para os evangélicos da plataforma.”

Há quem encontre paz no meio do oceano ouvindo rock pesado. É o caso de Wanderson Barreto de Oliveira, de 25 anos, que mantém um tocador de MP3 sempre carregado com músicas de grupos como Iron Maiden e Metallica. Oliveira foi aprovado no concurso da Petrobras e assumiu a função de operador na plataforma de Merluza há um ano. Além de petroleiro, ele é guitarrista da banda Rygel e costuma trocar o confinamento da plataforma pelo confinamento num estúdio alugado em Santos, onde mora com os pais. “Quando comecei a trabalhar na Petrobras, estava terminando meu mais novo CD”, lembra. Para passar o tempo, costuma malhar na academia e correr no heliponto, que é liberado para exercícios de funcionários nos períodos sem vôos na escala. “É impressionante parar e ficar olhando o mar ao redor.”

Em suas caminhadas pelo heliponto, a enfermeira Caiçara Macedo, de 42 anos, já não presta atenção na posição geográfica. “Eu esqueço que estou numa plataforma cercada pelo ocea-no”, diz. Moradora de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, a gaúcha Caiçara é uma das seis mulheres a circular pelas instalações da Merluza. Nos últimos três anos ela foi a responsável pela enfermaria da base. “Atendemos muitos pescadores que chegam em busca de socorro”, afirma. A plataforma – uma espécie de recife artificial, com organismos que se fixam em sua superfície – tornou-se um dos principais viveiros de peixes do litoral paulista. Uma norma da Marinha proíbe a pesca a menos de 500 metros dali. Vários barcos pesqueiros, no entanto, descumprem a regra. “Só nos resta notificar a Marinha quando constatamos essas infrações”, diz o engenheiro Nélson Alvaro Frazão, de 47 anos, gerente da plataforma. Com dezoito anos de trabalho em poços de petróleo, ele enfrentou apenas uma situação de perigo iminente. “Num vôo para San-tos, houve uma pane no helicóptero.” O piloto conseguiu pousar e todos saíram ilesos. “É uma atividade de risco, mas ao mesmo tempo um trabalho muito gratificante.”

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A chef da cozinha, Rita de Cássia dos Santos, de 27 anos, reclama da saudade que sente dos dois filhos. Quando está na plataforma, o garoto, de 7 anos, e a menina, de 12, ficam com a avó. Apesar da distância, ela não pensa em abandonar a rotina. “Minhas irmãs acham que sou louca”, conta a cozinheira. “Aí eu lembro que loucura é enfrentar o trânsito, engarrafamentos e a correria do dia-a-dia.” Financeiramente, vale a pena. Adicionais como horas extras elevam o salário de um cozinheiro de 1 000 para 1 400 reais. Ela diz que o camarão empanado é o prato favorito dos petroleiros. Ironicamente, peixes e frutos do mar vêm congelados do continente, a cada quinze dias. “Com tanta fartura por aqui, a pesca é proibida”, lamenta.

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Trabalho e hospedagem em ALTO-MAR

66 funcionários ficam permanentemente na plataforma. Metade dos profissionais é da Petrobras

29 quilômetros quadrados é o tamanho da área de extração dos seis poços da Merluza

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7 000 reais é quanto ganha um gerente de plataforma. Um operador recebe 3 000 reais

130 metros é a profundidade dos poços em operação, o equivalente a um edifício de 43 andares

1 500 barris de gás condensado (usado na fabricação de gasolina e diesel) e 1 milhão de metros cúbicos de gás natural são produzidos diariamente

212 quilômetros tem o gasoduto que liga a Merluza à Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão

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