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Racionais Mc’s celebram 30 anos em meio a condenação na Justiça por fraude

Mano Brown dá sua versão da história e também fala de política, família, dinheiro e maturidade

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 19 jul 2019, 18h43 - Publicado em 18 jul 2019, 17h14

Voz ativa da periferia para rasgar o verbo em questões sociais, raciais, policiais e políticas, o grupo de rap paulistano Racionais Mc’s consagrou-se como o mais importante e também longevo do gênero no Brasil. A turnê em comemoração dos trinta anos do quarteto formado por Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock começa neste sábado (20), em Florianópolis. No total, serão nove shows em oito capitais, com público total estimado em 70 000 pessoas. Em São Paulo, os autores de hits como Diário de um Detento e Negro Drama tocarão em 11 e 12 de outubro no Credicard Hall, na Marginal Pinheiros. O último dia de apresentação já está com os mais de 7 000 ingressos (que custam entre 40 e 300 reais) esgotados.

Antes disso, em setembro, Brown, a estrela da trupe, apresenta no Rock in Rio, a mais de 60 000 espectadores, seu badalado projeto-solo Boogie Naipe. Ao retratar o cotidiano do Capão Redondo, um dos bairros mais pobres e violentos da Zona Sul de São Paulo, a banda ganhou a admiração de personalidades como Caetano Veloso, Marília Mendonça e Spike Lee. No ano passado, Sobrevivendo no Inferno, álbum de 1997, que vendeu mais de 2 milhões de cópias, extrapolou o mundo da música e virou livro, incluído no rol da Unicamp como leitura obrigatória para o vestibular de 2020.

Mano Brown, Ice Blue, KL Jay e Edi Rock: condenação por fraude em processo contra ex-produtor (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Em plena temporada de celebrações, os Racionais se veem envoltos em uma briga na Justiça que pode lhes tirar boa parte do que arrecadaram em três décadas de trabalho. Em 2018, o quarteto foi condenado em definitivo pela Justiça por “litigância de má-fé” (quando uma parte entra com processo utilizando informação falsa) contra o produtor cultural Milton Sales, de 62 anos, um dos idealizadores do grupo, nos anos 80. A ação em questão foi proposta em 2014 para que Sales fosse retirado da sociedade da empresa Comércio de Gravações, Edições, Confecções e Shows Artísticos Racionais Mc’s, responsável pela carreira da banda a partir de 1994. A firma é detentora dos direitos autorais da marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).

Milton Sales, em sua casa em Guarulhos: a indenização pode chegar a 6 milhões de reais (Alexandre Battibugli/Veja SP)

Os Racionais alegaram que o produtor sucumbiu à dependência de drogas e não era visto desde 1998. “Eles ouviram boatos de que Sales vivia na Cracolândia. Porém, em diversas diligências, jamais se conseguiu localizá-lo”, registra a acusação. Dois anos antes do início do processo, no entanto, Mano Brown esteve na favela do Moinho, próximo à Cracolândia, para um evento social em meio a uma reintegração de posse. Em um vídeo gravado no dia, e disponível no YouTube, é possível vê-lo subir em um palco improvisado justamente ao lado de Milton Sales. “Esse é o Miltão, meu mentor intelectual”, afirma Brown. Logo depois, o produtor toma o microfone e devolve a gentileza. “Não estou fazendo média para a favela, não. E eu tenho orgulho que você está hoje do meu lado”, diz Sales.

A festa serviu à defesa como prova para desmontar o argumento do grupo. Após perderem em três instâncias, os integrantes dos Racionais deverão pagar uma multa de cerca de 5 000 reais pela fraude. Em seu voto, o desembargador Cesar Ciampolini, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça, citou diversos termos facilmente encontrados em letras do conjunto, como “malícia” (presente em Mágico de Oz), “lealdade” (Diário de um Detento), “ética” (Jesus Chorou) e “traição” (A Vida É Desafio). “Imputaram ao réu, com enorme malícia, um desaparecimento. Quem demonstrou total desapreço por comezinhos princípios da lealdade, da eticidade, foram eles mesmos. Traíram o réu. E ainda assim fraudaram o processo, com afirmação mentirosa”, sentenciou Ciampolini.

Brown e Sales, em 2012: a imagem ajudou na condenação do grupo (Arquivo pessoal / Reprodução/Veja SP)

Milton Sales terá direito não apenas ao valor da multa, mas também ao que lhe cabe na exploração da marca Racionais Mc’s entre 1994 e junho de 2018. “Passei toda a linha de pensamento que eles usam. Toda a ideia antissistema, antimídia, fui eu que apresentei. Até rádio pirata criei para tocar as músicas deles”, afirma. “Depois fui colocado para fora e nunca mais consegui falar com os quatro ao mesmo tempo para discutir a empresa. Os Racionais são como um filho, e eu nunca processaria um filho. Mas o filho deixou o pai passar fome”, diz Sales. “Hoje Mano Brown alimenta muito mal a raiz. Um dia a copa da árvore vai tombar”, filosofa.

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Depois de enfrentar momentos de enormes dificuldades financeiras, o produtor cultural, que sofre de problemas de dentição, recomeçou a vida na casa da família, em Guarulhos, e atualmente apresenta o programa de hip-hop Na Batida da Rua na Rádio Brasil Atual (98,9 FM). Apesar da disputa judicial, mantém os Racionais na programação.

O vocalista durante apresentação na capital: “A quebrada vai aonde a gente vai” (Leandro Dazo/Divulgação)

Em duas raras e longas entrevistas realizadas na sede da produtora Boogie Naipe, no Capão Redondo, e em um estúdio alugado no Campo Belo, Mano Brown, ao lado dos parceiros, diz desconhecer o sumiço de Sales, como afirmou sua própria defesa à época. “Alguém mentiu, e não fomos nós. Mentir nunca é a solução, tio. Mas isso foi uma estratégia furada que nos condenou. O Miltão vivia encontrando a gente nos shows”, assume Brown. Sobre o afastamento de Sales do grupo, em 1998, alega uma história conturbada. “Era um cara enrolado, com a vida irregular, que sumia três dias e reaparecia arrogante.” A advogada Renata Vizioli, inicialmente contratada por eles mas que não está mais com o caso, não respondeu aos pedidos de entrevista.

Quando o assunto é o início da banda, a versão dos integrantes e a do ex-produtor se encontram. Por volta de 1988, Mano Brown trabalhava como officeboy em uma corretora de valores no centro. Nessa época, já ensaiava os primeiros versos ao lado de Ice Blue e costumava passar parte da hora de almoço no Largo São Bento, uma espécie de marco zero do rap paulistano. Em meio a rodas de break, Brown foi apresentado a Sales. “Ele estava procurando um tal de Marrom, mas não o encontrou e me convidou para gravar uma fita-demo”, lembra o rapper então conhecido como DC Brown ou Brown do Capão. “Ele me levou em um Fiat velho até o Copan. Chegando lá, conhecei o KL Jay e o Edi Rock, que eram da Zona Norte e formavam uma dupla.” A esperada fita-demo não saiu, e as duplas só foram se reencontrar no ano seguinte, quando Mano Brown sugeriu o nome Racionais (sem o Mc’s) a KL Jay e propôs a parceria aos atuais colegas de conjunto. “Achei esquisito na hora, mas depois topei”, afirma KL Jay. A atuação de Sales, segundo os Racionais, começou em 1994, depois de os primeiros trabalhos terem sido lançados. “Ele chegou com um monte de ideias e nos direcionou para o pensamento político dele”, diz Brown. “Ele dizia que eu seria o Bob Marley do Brasil, e eu acreditei”, completa.

Após 21 anos da ruptura das partes, o caso está em liquidação de sentença e peritos vão analisar a movimentação financeira não só da empresa em questão, mas de outras firmas do grupo que obtiveram receitas nos últimos vinte anos. “O passo seguinte é estudar quanto a marca custa, o que pode levar o processo a se arrastar por anos”, afirma o advogado Yun Ki Lee, especialista em direito empresarial. Estima-se que o valor que o produtor tem a receber possa chegar a 6 milhões de reais.

No dia a dia, Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown, de 49 anos, diz ser a antítese do que as pessoas pensam dele. Afirma estar muito mais calmo e menos explosivo hoje, em comparação com o início de carreira. Durante um dos ensaios para os shows dos trinta anos, na quinta (11), na Zona Sul, entre um cigarro de maconha e outro, o líder do grupo fez piadas (chegou a imitar o amigo e pagodeiro Netinho de Paula) e atuou como uma espécie de maestro dos cerca de vinte músicos presentes. Controlou as batidas da bateria e os movimentos das guitarras. Também deu uma leve bronca no colega Edi Rock, que chegou atrasado devido a compromissos da carreira-solo. “Não canta, não, deixa o pessoal da banda ouvir as batidas”, determinou Brown, que foi prontamente atendido. Após cinco horas de experimentos, ele comeu uma marmita entregue por seu filho, composta de arroz, frango e salada. Escovou os dentes e só fechou a cara para a entrevista.

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Avesso à mídia desde os tempos em que era discípulo de Milton Sales, o líder do grupo recentemente impediu a exibição de sua imagem no canal a cabo Multishow, durante uma participação especial na apresentação do rapper Emicida, no festival João Rock, em Ribeirão Preto. “Eu estava em negociação com o canal para levar o Boogie Naipe para outro programa, mas não chegamos a um acordo. Foi apenas uma estratégia.” Para a turnê comemorativa, o grupo promete desengavetar canções que não são tocadas há tempos, como Pânico na Zona Sul. Outras músicas, como Mulheres Vulgares, são vetadas atualmente. Suas letras retratam uma personagem que se vende para conseguir atingir seus objetivos. “Se é para falar da menina da favela que até hoje fica grávida aos 12 anos, o senso comum nos leva a ser mais contidos”, afirma Brown.

Ele elege o primeiro governo do ex- presidente Lula como fator de transformação da “quebrada”. “As classes E e D passaram a frequentar escola particular e a ter um ou dois iPhones, um em cada quarto. A máquina de lavar e o micro-ondas também entraram na vida da dona de casa”, diz o músico, que enxerga uma perseguição contra o petista, que cumpre pena por corrupç��o desde abril de 2018. “Não gosto de ver o Lula preso. Está mais do que claro que tinha um time para prendê-lo e o Moro fazia parte dele”, declara, referindo-se ao vazamento de conversas privadas entre membros do Ministério Público Federal e o atual ministro da Justiça. “Um juiz não pode ser do time da acusação. O Moro não agiu como juiz, mas como um pivô que escora para o centroavante mandar a bola no ângulo. Me lembrou a dupla Edmundo e Romário. O Moro é o Edmundo, só fez o pivô.”

Envolto em polêmicas desde o início da carreira (foi detido ao menos três vezes por desacato e briga de torcida — casos que não viraram processos criminais), Mano Brown ganhou os holofotes no ano passado em um evento da candidatura de Fernando Haddad, às vésperas do segundo turno. Com microfone na mão e cara amarrada, disse com firmeza: “Se (o PT) não está conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo”. “Eu não queria falar, mas me chamaram duas vezes ao palco. Colocaram uma granada sem pino na minha mão. Me arrependi de ter falado, mas não muito. Diria 10% de arrependimento e 90% de neurose e raiva. Caetano Veloso estava do meu lado e concordou quando eu disse que perdemos a eleição.”

Nove meses depois do ocorrido, Brown afirma que a crítica ao governo tem de ser feita com o viés do respeito às instituições. “Bolsonaro não sabe nada, mas, se votaram no cara, vamos respeitar. E o presidente seguinte será o João Doria.” Enquanto discute os rumos do país, considera uma possível trégua com Milton Sales. “A gente tinha um respeito profundo por ele, como tem até hoje. Poderia haver uma conciliação, mas só se não for por medo de perder algo. Caso contrário, não quero ideia”, diz Mano Brown.

Mano Brown com o filho Jorge nos braços: trabalho em família (Klaus Mitteldorf/Divulgação)

MANO A MANO COM O BROWN

Em rara entrevista, o líder da banda fala sobre família, dinheiro e armas

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Os Racionais farão shows grandes na turnê dos trinta anos. Vocês se afastaram da quebrada?
Quem falou que ao tocar no Credicard Hall a gente está longe da quebrada? A gente toca onde a quebrada pode chegar de forma segura, ser respeitada e ir embora sem apanhar do segurança. Um lugar onde o dono pagou a conta da água e o banheiro tem descarga. A quebrada tem carro. Carro pra caralho, tio. E quer guardá-lo no estacionamento.

No passado, vocês se apresentavam armados ou isso é lenda?
Era microfone na mão e arma na cintura, morou? Precisava ser assim. A gente nunca contou com segurança. Era complicado sair de casa e ir para a rua, encontrar estranhos que você não sabe o que acham de você.

E hoje, como é?
Hoje sou famoso pra caralho e não preciso andar armado. É só entrar na favela e abrir o vidro. Eles veem o meu nariz e me cumprimentam.

Como é a sua relação com a polícia atualmente?
No imaginário, as pessoas veem o Mano Brown diferente do que eu sou, que fala duro, é mal encarado, inclusive a polícia. Mas deixa eles para lá, Racionais contra polícia virou Fla-Flu. Essas histórias de gângster, de polícia contra ladrão, são mais clichê para cinema. Muitos têm fetiche por essas ideias, mas não vou alimentar mais isso, não.

A chegada aos 50 anos tem te deixado mais tranquilo?
Eu era um incendiário e hoje sou um bombeiro. [interrompido por KL Jay: “O Mano era o Garoto Enxaqueca e hoje é um diplomata”].

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O Pedro Paulo de hoje é um homem maduro?
Com certeza agora existe uma inteligência de convívio. Você pode ser o gênio da lâmpada e inventar o telefone de novo, mas se você não souber conviver, entender o meio onde vive, você é burro. Eu procuro sobreviver, conviver e interagir. Essas são as regras? Vocês estabeleceram isso? Então tá. Qual é a fita? Fazer a minha? Então é isso. (Chegando aos 50) Você para de querer resolver o mundo.

Recentemente você postou uma foto dentro de uma lancha. Muita gente criticou sua “mudança de lado”.
É uma caça às bruxas constante, no rap isso não para. Isso sempre vai existir. Eu estava na (represa de) Guarapiranga, a dez minutos de casa, no meio de Santo Amaro.

A lancha era sua?
Não, era de um amigo. Mas se der para eu dar um rolê de lancha, eu vou. Se aparecer uma piscina, talvez eu vá. Vivo na piscina? Não vivo. Essa cobrança existe, mas quem decide o que eu vou fazer sou eu, não as redes sociais. Não faço nada do que não queira.

Você frequenta restaurantes caros? Já foi ao Fasano, por exemplo?
Uma coisa é já ter ido, outra coisa é gostar. Outra coisa é viver isso. Eu não lembro se fui. Acho que não fui. Se fui, não lembro. Isso já diz muita coisa do que eu acho.

Se arrependeu do discurso feito durante evento do PT na campanha de Fernando Haddad?
Sim, um pouco, não totalmente. Posso dizer que tem 10% de arrependimento. Já é arrependimento. E 90% de neurose, raiva e descrença total no futuro. Caetano Veloso estava do meu lado e concordou quando eu disse que perdemos a eleição. Eu não queria falar, mas me chamaram duas vezes ao palco. Colocaram uma granada sem pino na minha mão. Passado aquele pessimismo, eu estou tentando entender o novo Brasil, para eu ver onde me encaixo, onde posso ser útil. Mas não quero ser pedra no sapato da sociedade, da favela. Encheu o saco. Enchedor de saco oficial, não sou esse cara. Quero ficar de boa, deixar os outro de boa. O povo escolheu o que quer.

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Até hoje o PT não fez autocrítica sobre mensalão, petrolão.
O PT é um partido grande, cara. Você imagina uma crise em um clube grande como Corinthians, Flamengo? É igual. Você acha que as pessoas têm orgulho de levar fama de corrupto? As pessoas têm vergonha, tem gente que chora quando ouve isso. Não é um partido de gente corrupta. Isso ofende. Eu não sou corrupto. Eu sou de uma ideia. E naquele momento quem defendia a minha ideia era o PT. Não tenho direito de botar o dedo na cara de quem votou no outro. Isso eu cansei. Encheu o saco.

Tem acompanhado os vazamentos das conversas privadas do procurador Daltan Dellagnol, entre as quais algumas com o ex-juiz Sérgio Moro?
Está claro que tinha um time para prender o Lula e o Moro fazia parte dele. Um juiz não pode ser do time da acusação. O Moro não agiu como juiz, mas como um pivô que escora para o centroavante mandar a bola no ângulo. Me lembrou a dupla Edmundo e Romário. O Moro é o Edmundo, só fez o pivô

Como você avalia os primeiros meses do presidente Jair Bolsonaro?
O mesmo de antes: sabe nada. Mas votaram nesse cara? Vamos respeitar. Pode discordar, mas tem que saber respeitar. Não sou daqueles que acham que o povo não sabe o que faz. Pelo contrário. O voto fala, opinião pública fala, internet fala, rede social fala. Ignora quem quer, tá ligado?. Ficar quatro anos sabotando o governo desse cara? Não. O povo escolheu, o povo cuida disso.

E o governador João Doria em São Paulo?
Ele vai ser presidente do Brasil. Para isso que o país está caminhando.

Você é a favor ou contrário ao porte de arma?
Sou contra. O povo não tem estrutura para ter arma na rua, não. Tem que investir em escola, faculdade, campo de futebol na periferia para os caras, para a molecada, área de esporte e lazer, internet onde não tem rede, fibra óptica lá longe, para levar informação para o povo. Não investir em armas. A gente vive num modo de vida autodestrutivo.

Sua esposa é empresária da banda e administra sua carreira solo. Como é a relação casa-trabalho?
Não é fácil cuidar de um grupo como o Racionais, com quatro cabeças, mas apenas uma boca: a minha. A Eliane (Dias) é a força do trabalho, da organização e da logística. Tudo o que a gente odeia fazer ela ama fazer. Em casa ela manda também.

Seus filhos também estão por perto?
A Domênica estuda artes cênicas e quer aprender a cantar. Não quer facilidade, nem atalhos. Quer lutar com outras meninas negras pelo que ela acredita. Lembra muito eu, quando tinha a idade dela. O Jorge é como a mãe, prático. Trabalha comigo na parte burocrática, de relações públicas e no que eu não quero fazer.

Você nunca conheceu seu pai. Ele está vivo? Fez falta na sua vida?
Não sei se está vivo. Na infância, eu morava em um bairro de branco e lá todo mundo tinha pai, menos eu. Depois mudei para um bairro de preto e vi que ninguém tinha pai. Me encaixei na sociedade certa.

Como lidou com a morte de sua mãe, ocorrida em 2017?
Ela estava doente, precisava descansar. Sofri com a sua morte, mas entendi que ela precisava descansar. Ela morreu na minha frente, eu vi. E lógico, como filho, sofri. Eu superei, sinto saudade, mas estou aqui. Na fase em que ela ficou doente eu trabalhei muito, participei do disco dos Racionais e do Boogie Naipe. Foram dois discos em dois anos para suportar, entendeu?

O streaming mudou o conceito de se ouvir música. Dá para ganhar dinheiro com a música on line?
Sim, todo mundo ganha. Não há outro jeito. Seja 10 centavos ou 10 milhões. Todo mundo ganha. Se você está tocando na internet, vai ganhar. Mas não tem como comparar com a época do CD.

Após a condenação dos quatro Racionais na Justiça por fraude contra o produtor cultural Milton Sales, o que os fãs vão achar de vocês?
Vão achar que somos negligentes, uns trouxas. O que nos salva é a verdade, mas o juiz é um semideus, né? Esse cara deve ter visto a foto desses quatro pretos e do Milton Sales, que é branco, e falou que nós traímos o branco.

Como se deu a saída dele em 1998?
Foi uma saída conturbada. O Miltão era um cara enrolado, com a vida irregular, que sumia três dias e reaparecia arrogante. A gente teve que tomar uma decisão. Não tinha mais como ele continuar. Ele já tinha falido uma empresa de confecção de roupa em sociedade com a gente. A ideia toda era dele, mas não pagou nenhum centavo da dívida. Nessa parada eu perdi um carro, um Diplomata novinho. O Kleber também. Deixamos a chave do carro no banco e saímos comemorando. Eu nem dormia. Depois recomeçamos do zero. Mas foi complicado afastar ele. Um ano depois a gente parou com as apresentações ao vivo. Ficamos quase anos sem fazer show.

E depois, vocês nunca tentaram a destituição da empresa?
A gente nunca pensou nisso. Ele sempre estava por perto e nos ameaçava com “questões jurídicas”. Só dizia isso. Mesmo assim continuava ajudando ele. Ele pegava nossos discos para vender, mas não repassava nossa parte. Ele acabava de gastar o dinheiro e voltava com tom ameaçador. Começou essa ameaça em 1999. Quando ele chegava e ameaçava, o Kleber dava 3 000, 4 000 CD´s na mão dele. Tudo sem papel, só na confiança. Hoje, quem deve para quem?

Quem teve a ideia do processo e por que a alegação de que ele estava desaparecido há quase duas décadas?
Não sei disso. Partiu de quem? Nenhum de nós falou isso para a advogada. Até porque o Milton vivia cruzando o nosso caminho. Chegava e batia uma foto. Sempre pedia uma foto. Não lembro nem da cara dessa advogada. Sempre fui preocupado com música, não com essas coisas.

Nota: procurada, a advogada Renata Vizioli não respondeu aos pedidos de entrevista.

RACIONAIS ANO A ANO

1989: Fundação do grupo

1990: Primeiro EP: Holocausto Urbano

1991: O quarteto abre para os americanos do Public Enemy, no Ginásio do Ibirapuera

1993: Raio X do Brasil chega ao mercado

1994: Tragédia

Edi Rock (à dir.) envolve-se em acidente na Marginal Pinheiros: uma pessoa morre
Edi Rock (à dir.) envolve-se em acidente na Marginal Pinheiros: uma pessoa morre (MÔNICA ZARATTINI/Estadão Conteúdo)

Show no Vale do Anhangabaú termina com integrantes presos por incitação à violência

(Divulgação/Divulgação)

1997: Sobrevivendo no Inferno é lançado pelo selo Cosa Nostra, da própria banda

(Reprodução/Veja SP)

1998: Lançamento do videoclipe de Diário de um Detento

2004: Brown é preso por desacato e liberado no dia seguinte

(SÉRGIO CASTRO/Estadão Conteúdo)

2007: Show durante a Virada Cultural, na Praça da Sé, acaba em quebra-quebra

2009: O líder da banda volta a ser detido após confusão envolvendo a torcida do Santos, no Pacaembu. Foi liberado na sequência

(Divulgação/Divulgação)

2012: Gravação do videoclipe Marighella, na Estação da Luz

2014: CD Cores & Valores é lançado

(Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo)

2015: Mano Brown é preso por desacato e solto no mesmo dia

(Divulgação/Divulgação)

2016: Mano Brown lança álbum-solo

2017: Brown vence o prêmio de melhor show, da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), por Boogie Naipe

(Reprodução/Veja SP)

2018: Às vésperas das eleições presidenciais, Brown critica o PT em evento do partido

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 24 de julho de 2019, edição nº 2644.

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