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Quem é o policial militar que matou carroceiro em Pinheiros

José Marques Madalhano, de 24 anos, sonha seguir uma carreira longa na polícia, a exemplo de seu irmão, que atua no Águia da Polícia Militar

Por Adriana Farias, Sara Ferrari Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 19 jul 2017, 21h18 - Publicado em 19 jul 2017, 20h39

Na Catedral da Sé, no centro, por volta do meio-dia desta quarta-feira (19), um grafiteiro ajeitava flores em uma carroça pintada de branco com a data de nascimento e morte do catador de materiais recicláveis Ricardo Silva Nascimento, de 39 anos. Ocorria ali a missa de sétimo dia do morador de rua, baleado na semana passada com dois tiros disparados da arma calibre .40 do policial militar José Marques Madalhano, 24, em Pinheiros, na Zona Oeste.

Enquanto a cerimônia chegava ao fim, por volta das 16h, o soldado e outros quatro colegas que atuaram na ocorrência que vitimou Nascimento chegavam à sede do Comando de Policiamento da Capital, a poucos quilômetros dali, para o primeiro estudo de caso da operação que terminou de forma tão trágica. Trata-se de um procedimento de praxe da PM; ocorre sempre que há intervenção policial com vítima fatal. O interrogatório terminou por volta das 20h de quarta-feira (19).

Missa de sétimo dia na Catedral Sé: carroça pintada de branco (Roberto Parizotti/Fotos Públicas/Veja SP)

Segundo o delegado-assistente do DHPP Nilson Lucas Junior, que investiga o caso pela Polícia Civil, o PM disse em depoimento que agiu em legítima defesa. Ao chegar na Rua Mourato Coelho acionado por comerciantes da área, percebeu que o carroceiro estava alterado e trazia consigo um pedaço de pau de 80 centímetros. Tentou, então, resolver a situação usando seu cassetete. Sem êxito, sacou a arma e deu voz de comando. Nascimento, de acordo com o depoimento, não teria obedecido e foi para cima do agente. Nesse momento, o PM efetuou os dois tiros. No vídeo obtido por VEJA SÃO PAULO em um condomínio da região, é possível ver que o carroceiro segurava o pedaço de pau, mas estava a alguns metros de distância do policial.

Madalhano, de apenas 24 anos, é recém-formado e estava há poucos meses no 23º Batalhão da Polícia Militar alocado no Parque Villa-Lobos, na Zona Oeste. Vindo da cidade de Nova Aliança, município de 6 000 habitantes pertencente à microrregião de São José do Rio Preto, a 450 quilômetros da capital, tem o sonho de seguir uma carreira longeva na corporação, assim como seu irmão, que atua em operações aéreas no helicóptero Águia da PM. Muito abalado com o fato, Madalhano não quis falar com a reportagem.

Madalhano queria seguir carreira na PM, assim como seu irmão, que atua em operações aéreas no Águia da Polícia Militar (Arquivo Pessoal/Veja SP)

Sem antecedentes que abonem sua carreira, ele é visto pelos colegas da corporação como um bom funcionário e sempre prestativo. Eles lamentam o desfecho da ação e criticam a falta de estrutura das unidades policiais, como a carência de ferramentas não letais.

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A reportagem apurou que o 23º Batalhão, onde atuam 79 agentes, por exemplo, dispõe apenas de duas armas de choque Taser. Uma delas, porém, não está funcionando corretamente. O equipamento não letal ajuda a complementar o trabalho da polícia, já que sua mira a laser pode ser usada a uma distância de cinco metros de uma pessoa, e é capaz de provocar incapacidade neuromuscular por cerca de três segundos devido a uma descarga de 50 000 volts. O impacto causa imobilização assim que o individuo é atingido. “Domar alguém em surto às vezes pode ser muito difícil, mesmo com a presença de mais policiais. Se ele tivesse saído com essa arma não letal, a história não teria terminado desse jeito”, relata um soldado próximo a Madalhano, que pediu para não ser identificado. Questionada sobre o problema, a Secretaria da Segurança Pública não respondeu até o fechamento deste texto.

O carroceiro Ricardo Nascimento: ele trabalhava recolhendo material reciclado na região de Pinheiros (Pimp My Carroça/Reprodução/Facebook/Veja SP)

Segundo especialistas em segurança pública ouvidos pela reportagem, o PM cometeu uma série de erros na operação. Ao chegar no local e deparar com uma pessoa alterada portando um pedaço de pau, a dupla de policiais deveria ter explorado outras formas para se defender. “Poderiam ter usado spray de pimenta, bala de borracha, cassetete ou mesmo a força física, já que no treinamento há aulas de defesa pessoal”, explica o tenente-coronel aposentado da PM, Adilson Paes de Souza. “Se esgotaram as outras possibilidades, deveriam ter verbalizado sobre o uso da arma. Atirar é o último recurso, mas se fosse preciso, teriam de ter direcionado na perna e não no peito”. De acordo com laudo do IML, um disparo acertou o coração, e o outro, o fígado.

No final, agentes da Força Tática que ofereceram apoio removeram o corpo para o porta-malas do carro da corporação e apagaram imagens de celulares de algumas pessoas que estavam no local registrando o caso. “Infringiram uma norma. O transporte inadequado pode agravar o ferimento da vítima. O correto é chamar o Samu e aguardar a perícia”, completa o ex-secretário nacional de segurança pública e coronel da reserva da PM, José Vicente da Silva Filho.

Madalhano e os outros quatro policiais que atuaram na ocorrência foram afastados das ruas e transferidos para serviços administrativos enquanto o caso é investigado pelo Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e a Corregedoria da Polícia Militar.

“Parem de matar o povo! Queremos paz, amor e justiça”, era a frase grafitada na carroça de Nascimento e estacionada em frente à Catedral da Sé, onde ocorreu a missa na tarde desta quarta. Visivelmente abalada, a mãe, Arestides Silva Santana, 54, que não falava com o filho havia três anos por uma série de conflitos que geraram prisões contra ele, compareceu à cerimônia e mostrou à reportagem a única foto que possuía dele. “Essa imagem foi tirada há uns dez anos. É dele trabalhando em um mercadinho que já não existe mais, na Rua Capote Valente, nos Jardins”, conta.

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Nascimento trabalhando em um mercado na Rua Capote Valente: imagem de uma década atrás (Arquivo Pessoal/Veja SP)

No escadão da Catedral da Sé, a atriz Letícia Sabatella e o ator Sérgio Mamberti, entre outros militantes de direitos humanos e moradores de Pinheiros, prestaram homenagens a Nascimento e protestaram contra abusos da Polícia Militar. “Eu cumprimentava e conversava com ele todo dia. Era trabalhador, acordava todo dia às 5h da manhã e dormia até dentro do carrinho”, lembra, aos prantos, a advogada Ana Christina Domenigueti, moradora do bairro. “Violência não gera paz. É a vida de uma pessoa que foi tirada. Não importa onde, nem por quê. Não podemos aceitar isso”, disse o bispo Dom Devair acompanhado do padre Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua, que celebrou a missa.

Missa foi celebrada pelo padre Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua (Roberto Parizotti/Fotos Públicas/Veja SP)

Enquanto as palavras eram pronunciadas, amigos de Nascimento levantaram bandeiras do Corinthians – o time de coração do carroceiro. “Era o que trazia mais papelão de Pinheiros. Um dia, ele achou um iPhone no Pão de Açúcar e procurou a dona para devolver. Não merecia morrer dessa forma. Há quatro meses, ele já falava: ‘a polícia tá me embaçando, tá me perseguindo'”. De 2005 a 2017, o carroceiro se envolveu em ao menos onze confusões, nas quais precisou ser encaminhado à delegacia. Em um desses casos, ocorrido em 2009 e registrado no 14º DP de Pinheiros, o delegado precisou chamar o Samu para levá-lo a um hospital psiquiátrico em Higienópolis “diante dos sinais visíveis de perturbação mental”. A família, no entanto, nega que ele tenha problemas psiquiátricos; mãe e irmã acreditam que o distanciamento do pai, que foi ausente em sua vida, e as companhias erradas, podem tê-lo prejudicado. “Agora deixo nas mãos de Deus”, completa a mãe. 

O padre Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua, e a mãe do carroceiro, Arestides Silva Santana (Ricardo Matsukawa/Veja SP)
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