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Quem acredita?

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 18h35 - Publicado em 1 out 2010, 22h18

O cotidiano é povoado de pequenas falsidades. Encontro uma amiga que não vejo há anos. Comovidos, nós nos beijamos ternamente.

— Precisamos retomar o contato — diz ela.

— Vamos almoçar na semana que vem sem falta.

— A gente se liga na segunda- feira para marcar.

Telefono no dia combinado. Ouço uma voz surpresa:

— Puxa, é você? Que bom…

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Tinha uma série de reuniões no trabalho. Preferia adiar para a outra semana.

— Deixa que eu volto a ligar! Estou louca de saudade!

E nunca mais nos falamos! Sou um tonto. Sempre acredito. Quando a pessoa desaparece, fico até magoado. Pior é o truque do e-mail. Quando conheço alguém com um papo interessante, tento trocar endereços. Procuro uma caneta:

— Vamos nos falar! Dá o seu número.

O novo ‘amigo’ saca o celular:

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— Deixa comigo! Pego o seu e-mail e mando todos os meus contatos!

Nunca mais ouço falar do fulano!

Também recebo um número imenso de convites para jantares que nunca acontecem.

— Você vem? Será uma reuniãozinha, com pouca gente, bem gostosa! — diz uma senhora da sociedade paulistana.

— Claro! Quando?

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— Daqui a dez ou quinze dias…

Os meses correm. Um dia a reencontro em uma festa.

— E o nosso jantarzinho?

— Aconteceu tanta coisa! Mas agora eu vou marcar!

Paulistas criticam cariocas capazes de convidar alguém para ir à sua casa, sem jamais fornecer o endereço. Aqui a técnica é outra: enrolam na data. Ou fogem! Já fiquei horas na entrada do teatro, com ingressos na mão, nas estreias de minhas peças, à espera de amigos. As portas quase se fechando e eu no vento, tenso.

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— Já vai começar!

— Meus amigos garantiram que viriam…

Semanas depois, a desculpa:

— Estávamos saindo quando recebemos a notícia de que minha sogra estava passando mal!

Coitadas! Se as tais senhoras sofressem todas as tragédias anunciadas pelos genros, o governo teria de criar o ‘Hospital da Sogra’. Mães, filhos pequenos e chamados urgentes dos chefes cabem no mesmo balaio.

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Qualquer elogio também pode criar um terreno pantanoso.

— Legal essa sua camisa, de onde é?

— Comprei de um amigo meu. Vou mandar uma para você.

— Não, por favor, eu só queria…

— Que número você usa?

Jamais virá o mimo! Pior, ao me encontrar com o conhecido novamente ele ficará sem jeito e sumirá depois de poucas palavras! Com livros acontece coisa semelhante:

— É bom?

— Maravilhoso! Assim que terminar, é seu.

— Deixa que vou comprar.

— De jeito nenhum. Mando para você.

E adeus!

Às vezes me enfureço com minha ingenuidade. ‘Caí mais uma vez’, penso. Mas o que fazer? Não posso viver desconfiando de todo mundo! Não entendo por que as pessoas gostam tanto das hipocrisias do cotidiano. Quando sei que não vou combinar coisa nenhuma, prefiro uma despedida simpática e sincera:

— A gente se cruza qualquer hora dessas.

A campeã das falsidades é a promessa de presente. Um amigo chega ao meu aniversário de mãos abanando:

— Desculpa, não deu tempo de trazer nada. Mas sei de uma coisa que vai gostar. Amanhã mesmo compro.

— Não se preocupe, o bom é que você está aqui.

— Faço questão!

Alguém já recebeu presente prometido em aniversário? Eu não! Frequentemente a pessoa se esquece. Na festa seguinte vem com a mesma desculpa:

— Tive de sair correndo, mas…

— Sei, sei…

Quem acredita em tanta história? Penso em duas possibilidades. Ou as pessoas se sentem melhores com as mentiras do dia a dia, ou sou um chato dos piores, de quem todo mundo dá um jeito de fugir!

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