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Por que todos eles foram mortos num fim de semana?

Conheça as histórias que estão por trás das estatísticas de homício em São Paulo

Por Edison Veiga, Leonardo Fuhrmann e Rodrigo Brancatelli
Atualizado em 5 dez 2016, 19h21 - Publicado em 18 set 2009, 20h35

As catorze pessoas que ilustram esta reportagem foram assassinadas entre sábado (21 de outubro) e a madrugada de segunda (23). Embora ainda seja alto, o número de homicídios na cidade caiu pela metade em cinco anos. O perfil de quem é morto, no entanto, não mudou muito desde então. Em sua maioria, as vítimas são homens, solteiros, desempregados, moradores da periferia e têm apenas o ensino fundamental. Conheça as histórias que estão por trás dessas estatísticas.

CRISTIANO DE OLIVEIRA

27 anos, jardineiro, morto com quatro tiros às 4h42 do sábado 21 de outubro, no Limão

Quando a equipe de dez policiais do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa chegou à Rua Sampaio Correia, no bairro do Limão, o termômetro de um dos peritos marcava 12 graus. Além de termômetro, a Polícia Técnica leva para o local do crime lupa, lanterna e carbonato de chumbo. Tudo isso serve para recolher possíveis provas. A poucos metros do corpo de Cristiano Reis de Oliveira, três bares e uma pequena pizzaria estavam fechados. Ele morreu com quatro tiros – na nuca, no abdômen, na coxa direita e no braço esquerdo. No bolso trazia uma carteira com RG, 10 reais, um maço de cigarros, um isqueiro amarelo e um molho de chaves. Os 23 curiosos que rodeavam o corpo negaram conhecê-lo. Dois deles foram intimados a depor, mas não esclareceram absolutamente nada. Falador, do tipo que fazia amizades facilmente, Cristiano ganhava a vida como jardineiro. “Torcia para o Corinthians, adorava jogar bola e era um artilheiro”, conta um primo. Solteiro, freqüentava rodas de pagode e não dispensava uma cervejinha gelada. Sua ficha policial não era limpa. Em 1998, quando morava em Mairiporã, na Grande São Paulo, Cristiano foi acusado de favorecimento real – guardou, para um amigo, produto de origem criminosa. A polícia, entretanto, não acredita que a motivação do crime tenha sido vingança ou envolvimento com drogas. Suspeita-se que ele estivesse em um dos botecos da rua e tenha se desentendido com alguém, como acontece com 8% das pessoas que são assassinadas na cidade.

EDENAN VASCONCELOS JR.

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28 anos, desempregado, morto com uma punhalada às 13h20 do sábado 21 de outubro, na República

A família de Edenan Vasconcelos Jr. acreditava que os cultos da Igreja do Evangelho Pleno de Cidade Tiradentes, que ele passou a freqüentar em 2002, seriam capazes de mantê-lo longe das “más influências” do bairro (na foto acima, sua irmã Renata observa, ao lado da filha Emily, a foto do batismo de Edenan). Com pouca instrução – ele estudou até a 4ª série do ensino fundamental –, Edenan vivia de pequenos bicos e chegou a ser preso em 2001 por porte de drogas. Depois que conheceu a igreja, queria tirar habilitação para dirigir caminhões e trabalhar com seu pai na entrega de gás de cozinha. Deixou também de viajar com a Torcida Independente para acompanhar os jogos do São Paulo Futebol Clube. A boa campanha do tricolor no Campeonato Brasileiro, no entanto, fez com que Edenan convencesse sua mãe a lhe emprestar dinheiro para assistir à partida contra o Grêmio, no último dia 22, em Porto Alegre. Mas ele não chegou a ver o jogo. No começo da tarde de sábado, antes de viajar para a capital gaúcha, levou uma punhalada nas costas e caiu morto no ponto de ônibus em frente à Galeria do Rock, no centro. Os familiares estranharam o fato de ele estar sem o boné do São Paulo, com o qual teria saído de casa, e sem o dinheiro que a mãe havia lhe dado. Briga de torcidas é uma das hipóteses levantadas para o assassinato.

NIVALDO FERREIRA RICA

55 anos, almoxarife, morto com dois tiros às 10h50 do domingo 22 de outubro, na Vila Prudente

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LUIZA TORRES TABARIN

63 anos, dona-de-casa, morta com quatro tiros às 10h50 do domingo 22 de outubro, na Vila Prudente

Pelo menos uma vez por mês, os moradores da pequena Elza de Almeida Braga Torres, rua sem saída e de apenas um quarteirão na Vila Prudente, organizavam uma festinha ali mesmo na calçada. Qualquer um poderia participar desde que contribuísse com salgadinho, sobremesa ou refrigerante. Dono da casa 5, o almoxarife Nivaldo Ferreira Rica, de 55 anos (na foto acima, vizinhos olham a cena do crime), assumia o papel de churrasqueiro da turma. Sua vizinha Luiza Torres Tabarin, de 63 anos, moradora da casa 7, ficava responsável pelo bolo de ameixa. “Ela fazia sempre o mesmo doce, e todo mundo amava”, conta a filha Tânia. No dia-a-dia, Nivaldo e Luiza costumavam ficar papeando no portão. Foram assassinados exatamente ali. “Ele acordou cedo e estava todo animado para assistir à corrida da Fórmula 1”, disse sua mulher, que não quis se identificar aos policiais. Luiza, que adorava fazer ginástica e dançar no clube do bairro, tomou um demorado café-da-manhã com a filha. Na entrada da rua, dois homens estacionaram um Fiat Palio no meio-fio. Como o almoxarife não saía de casa, um dos criminosos jogou uma lata de óleo na porta de sua garagem. Nivaldo ouviu o barulho e apareceu de chinelos para ver o que estava acontecendo. Quase no mesmo instante, Luiza, ainda de pijama, também abriu a sua porta. Os assassinos, sem capuz ou qualquer outro disfarce, caminharam até ele e dispararam duas vezes. Luiza tentou correr e foi morta com quatro balas nas costas. A polícia ainda investiga a motivação do duplo homicídio, mas acredita que o alvo era apenas Nivaldo.

SEVERINO DA SILVA,

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44 anos, pedreiro, morto com seis tiros às 5h22 do domingo 22 de outubro, no Jaraguá

Juntos havia vinte anos, Severino Manoel da Silva, o “Belo”, e Lúcia Martins Rodrigues pretendiam se casar em dezembro. “Era um sonho que só agora iríamos realizar”, conta Lúcia. No dia 21, como em quase todos os sábados, o casal e alguns vizinhos ficaram em frente à sua casa, na Rua Oduvaldo Viana, no Jaraguá. Ouviram música e beberam vodca. Por volta das 4 horas de domingo, Lúcia despediu-se do marido e entrou para dormir. “De repente, escutei seis tiros”, ela relata. Com ferimentos na cabeça, no abdômen e no tórax, Severino foi socorrido no pronto-socorro de Perus, onde morreu pouco depois. No fim da tarde de segunda-feira (23), 42 pessoas participaram do velório, em um salão comunitário a 100 metros do cenário do crime. Pai de quatro filhos e avô de quatro netos (na foto, abraça Echelyn e Douglas), o alagoano radicado em São Paulo desde a década de 80 era pedreiro e fazia pequenos bicos no bairro. “Ganhava 400 reais por mês”, diz Lúcia, que, sem trabalhar há mais de cinco anos por causa de um problema cardíaco, terá de voltar a ganhar a vida. “Vou costurar para fora e fazer faxina.” Até a última quarta-feira, a polícia não tinha suspeitos do crime.

EDILSON DOS SANTOS,

31 anos, flanelinha, linchado às 5h40 do domingo 22 de outubro, no Jardim Miriam

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O flanelinha Edílson dos Santos foi julgado, condenado e executado na favela em que vivia, no Jardim Miriam, na Zona Sul. Acusado de tentar estuprar uma moradora do bairro, acabou linchado por três homens armados de pedras, paus, uma grelha de churrasqueira ainda quente e uma cadeira de bar. Teria sido também esfaqueado. “Ele vivia drogado e não respeitava nem as mulheres casadas, novas ou velhas”, afirma Daniel José de Lima, de 19 anos, que confessou ter cometido o crime com mais dois amigos. Apenas Daniel está preso. “Vimos o cara ameaçando uma garota com uma garrafa e fomos para cima.” Edílson já havia sido acusado de estupro anteriormente. Seu nome consta como suspeito de violência sexual contra uma estudante de 15 anos, em Diadema.

ROBSON DOS SANTOS

21 anos, desempregado, morto com três tiros às 5h do domingo 22 de outubro,em Jurubatuba

Um dos prazeres de Robson Almeida dos Santos era exibir suas quatro tatuagens: uma teia de aranha na perna direita, uma caricatura na mão esquerda e dois tridentes no braço direito. Os desenhos ajudaram sua mãe, Josefa, a reconhecê-lo no Instituto Médico Legal três dias depois de ter sido assassinado. Morador de Pedreira, na Zona Sul, Robson levou tiros no braço e no abdômen num bairro próximo à sua residência. Vestia calça de moletom bege e uma blusa verde. Como não portava documento, foi levado ao IML como desconhecido – o que acontece toda semana com cerca de quarenta mortos. Ali, após serem feitos os exames, a família tem 72 horas para requerer o cadáver. Do contrário, ele é enterrado como indigente (20% dos casos). Robson era viciado em drogas e tinha antecedentes criminais. Esteve preso por um ano e três meses por roubo e, ultimamente, cumpria a pena em liberdade condicional. A polícia ainda não tem nenhuma pista sobre o que teria motivado o assassinato. A família não fala sobre o assunto. Também não providenciou uma lápide para indicar que o corpo de Robson está enterrado no oitavo terreno da quadra 33-A do Cemitério Campo Grande.

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ADRIANO TADEU ALVES

23 anos, desempregado, morto com dois tiros à 0h11 do domingo 22 de outubro, no Jardim Ângela

No dia em que foi assassinado, Adriano Tadeu Alves acordou tarde. Ajudou sua avó materna a arrumar a casa, no Jardim Ângela – bairro que chegou a ser considerado pela ONU o mais violento do mundo, em 1996 –, assistiu a um DVD e jogou videogame. À tarde, começou a organizar o chá de bebê que faria para celebrar a chegada do seu primeiro filho (Pedro, se fosse menino, ou Jéssica, caso fosse uma menina). Às 8 da noite, falou com dois amigos por telefone e combinou de ir a uma festa no Parque Ipê, bairro vizinho ao Jardim Ângela, onde ele já havia arrumado confusão meses antes. Por volta da meia-noite, enquanto caminhava com eles em direção ao baile, levou dois tiros nas costas, perto da clavícula. Morreu na hora. Os dois amigos conseguiram correr para o mato. Os atiradores também. “Ele namorava demais e saía quase toda noite para se divertir”, conta o tio, José Tadeu Santos. Adriano parecia tentar reaver parte dos três anos perdidos na Penitenciária de Itirapina, no interior paulista, onde cumpriu pena por roubo em 2002. Corintiano roxo, havia feito tranças no cabelo como o seu ídolo, o meia-atacante Carlos Alberto. Além de futebol, gostava de poesia. Estudante da 8ª série, guardava cadernos com pequenos poemas que criava ou copiava, principalmente os de Carlos Drummond de Andrade. No de geografia, numa letra quase indecifrável, escreveu com lápis azul-claro: “Não posso consertar o passado, só melhorar o futuro. Estou cansado de fugir, mentir e de viver no obscuro”.

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