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Pedro Herz: o livreiro best-seller

Dono da Livraria Cultura, o paulistano inaugura no Conjunto Nacional uma loja de 4 300 metros quadrados, a maior do país

Por Sandra Soares
Atualizado em 6 dez 2016, 09h04 - Publicado em 18 set 2009, 20h34

Morador do último andar de um edifício no centro, o livreiro Pedro Herz vê São Paulo a seus pés, a 115 metros de altura. A viagem ao apartamento, localizado no 32º andar, é tão longa (cerca de um minuto e meio) que um amigo dele já sugeriu que deveriam servir um lanche no elevador. Herz está habituado a observar a cidade ainda mais do alto. Há seis anos ele pilota um helicóptero modelo Robinson 44 em passeios de fim de semana a destinos como Monte Verde e Parati. “Chego a subir a 8 000 pés (aproximadamente 2 400 metros)”, conta o empresário, que agora busca o topo também nos negócios. A Livraria Cultura, uma empresa familiar comandada por ele desde 1969, será a partir desta segunda-feira (21) a maior do país, tanto em tamanho quanto em oferta de produtos. As quatro lojas que hoje ocupam o Conjunto Nacional serão transferidas para outro espaço no mesmo endereço, com 4 300 metros quadrados (três vezes mais que o somatório das unidades prestes a fechar as portas). No ambiente onde por quarenta anos funcionou o Cine Astor, desativado em 2001, estarão disponíveis mais de 150 000 títulos de livros nas prateleiras (há 2 milhões em catálogo) e 35 000 CDs e DVDs. O acervo é mais variado que o de sua principal concorrente, a Fnac. Pela primeira vez desde sua fundação, sessenta anos atrás, uma loja da Cultura vai contar com um confortável teatro de 166 lugares, dirigido pelo ator Dan Stulbach. “Além de selecionar as peças da programação, vou organizar cursos e, futuramente, montar uma companhia ligada ao espaço”, diz ele. Outra novidade é o V. Café, criado especialmente pelo grupo Viena para o novo ponto. Depois de hesitar por anos em se tornar superlativa, a Cultura finalmente assumiu o rótulo de megastore em 2000, quando abriu a unidade do Shopping Villa-Lobos. Agora, como batizou Herz, se torna uma gigastore. Em meados dos anos 90, quando as megastores se popularizavam, o dono da Cultura costumava se referir a esse modelo de negócio como “supermercado de livros”. Foi por influência dos filhos, Sergio, de 35 anos, e Fábio, de 33, há mais de dez anos trabalhando com ele, que o livreiro se tornou simpático à idéia de abrir espaço para CDs e DVDs. “Afinal, são igualmente produtos culturais, parceiros dos livros”, explica. Os filhos também o convenceram a crescer para além das estantes do Conjunto Nacional. Não que Herz, de 66 anos, fosse avesso a modernidades. Pelo contrário: a Cultura tornou-se a pioneira, em 1995, nas vendas pela internet – hoje recebe cerca de 1 500 pedidos por dia, com uma média de 110 reais por encomenda. As restrições às mudanças apoiavam-se mais na preocupação em preservar as características que fizeram da livraria a preferida dos intelectuais paulistanos, como o clima intimista das lojas e o atendimento personalizado. Seus balconistas são famosos por procurar títulos do alemão Nietzsche ou do russo Dostoievski sem precisar pedir ao cliente para soletrar o nome dos autores. A exigência quanto ao nível de conhecimento dos vendedores é tamanha que os candidatos a trabalhar lá passam por um concorrido vestibular, com perguntas formuladas pelos próprios funcionários da empresa. “Quando inauguramos a loja do Shopping Market Place, no ano passado, houve mais de 4 000 inscrições para 100 vagas”, conta o livreiro. “E mesmo assim tivemos dificuldade em preenchê-las.” Por causa disso, e por estar decidido a levar adiante o projeto de expansão da rede, Herz já fala em ser mais flexível no processo de seleção. “Podemos ajudar os bons candidatos a adquirir conhecimento.” Nos últimos sete anos, a Cultura abriu cinco filiais. Duas em São Paulo e mais as unidades de Brasília, Recife e Porto Alegre. Juntas, elas faturaram 154 milhões de reais em 2006. O namoro da Cultura com a intelectualidade paulistana ficou firme nos anos 90, quando a livraria passou a ser ponto de encontro, nas manhãs de sábado, de personalidades como os escritores Ignácio de Loyola Brandão, Lygia Fagundes Telles, Marcos Rey, Ivan Angelo e Mário Chamie, além do jurista Ives Gandra Martins. “Um dia o Pedro colocou umas mesinhas do lado de fora e o Ives comprou umas coxinhas no bar da frente”, conta Loyola. “No fim de semana seguinte cada um trouxe seu uísque, e a coisa foi ganhando ares de tradição.” Herz passou a guardar em seu escritório as garrafas etiquetadas dos clientes, que a essa altura já consumiam livros no esquema “pendura”. As despesas eram anotadas num caderninho e cobradas no fim do mês, como num botequim. E não havia perigo de o freguês desaparecer sem pagar a conta. Além dos encontros aos sábados, desde os anos 70 eram realizadas ali longas e concorridas sessões de autógrafos, ainda hoje uma marca da Cultura. A de Fernando Gabeira, em 1979, quando lançou O que É Isso, Companheiro?, levou tanta gente ao Conjunto Nacional que houve um engarrafamento humano no saguão. “O Pedro é bom de papo e sempre teve uma personalidade gregária”, diz o psicoterapeuta Flávio Gikovate, cliente há trinta anos e amigo de Herz há dez. “Naturalmente ele reúne pessoas em torno de si.” Esse clima de ação entre amigos está na origem da livraria. A Cultura nasceu quando a imigrante alemã Eva, mãe de Herz, começou a alugar aos membros da colônia germânica no Brasil dez volumes publicados em sua língua natal que ela trouxera na mala quando veio para cá, em 1938, fugida do nazismo, ao lado do marido, Kurt Herz. Ambos eram judeus. Para ajudar Kurt, que trabalhava como representante comercial, Eva começou, em 1947, a emprestar livros em troca de dinheiro. Os dois filhos, Pedro e Joaquim, cresceram entre os volumes, que iam se multiplicando na casa em que moravam, na Alameda Lorena, à medida que os negócios ganhavam força. Os dois irmãos nunca se deram muito bem. Joaquim, que é três anos mais novo, não tem participação na empresa. “Fizemos um acerto em família em 1973”, conta Pedro Herz. “Joaquim ficou com uma livraria que havíamos aberto na Rua Turiassu e eu com a Cultura.” A Livraria Turiassu sobreviveu até 2001. Pedro e Joaquim não se falam desde a morte de Eva, em 2002. Quem cumpre o papel de irmão na vida de Pedro Herz não tem laços de sangue com ele. Trata-se do psicanalista Contardo Calligaris, seu melhor amigo há treze anos. Os dois batem papo todos os dias pelo telefone e saem para jantar pelo menos duas vezes por semana. Só brigam quando o assunto em questão são vinhos – Herz prefere os argentinos e chilenos e Calligaris, os italianos e franceses. “Temos uma relação de muita confiança”, diz Calligaris. “Somos um bom ouvido um para o outro.” A pauta dos encontros da dupla inclui, claro, confidências amorosas. Separado há quase trinta anos da nutricionista Rosa Maria Herz, com quem viveu por dez anos, Pedro Herz é namorador. “Mas é do tipo que vive longas relações”, conta o dentista e amigo Rui Cardoso de Almeida. “Em 27 anos conheci sete namoradas dele e deu tempo de cinco virarem minhas pacientes.” Herz não pensa em se casar de novo. Diz que se separou justamente porque não conseguiu se adaptar à condição de casado. “Gosto de ficar sozinho, com silêncio à minha volta, e de ter a liberdade de poder circular sem roupa.” Em seu apartamento de 150 metros quadrados, ele vive na companhia de poucos livros e de muitos CDs de música clássica. Como a Cultura empresta produtos aos funcionários, ele prefere utilizar esse benefício a manter uma biblioteca. Na semana passada, dividia-se entre dois títulos – As Leis da Simplicidade, de John Maeda, e Where Have All the Leaders Gone?, de Lee Iacocca. Herz lê em um canto de seu apartamento especialmente projetado para isso, refestelado em uma poltrona aconchegante, do tipo que abraça quem nela se senta. Uma luz poderosa incide do teto. Ao decorar o seu refúgio, o livreiro cuidou que a cadeira fosse colocada de costas para a bela vista da cidade. A explicação é que, com um cenário desses, seria difícil se concentrar no seu prazer e seu negócio: os livros. Vizinha da Livraria Cultura do Conjunto Nacional, distante apenas 1 200 metros, a unidade da Fnac na Avenida Paulista entrará em reforma no fim do mês para ampliar sua seção de livros. Segundo o diretor da empresa no Brasil, Benjamin Dubost, não se trata de uma resposta à expansão da concorrente. “É apenas uma coincidência”, garante ele. Quando for reinaugurada, em 15 de junho, a Fnac Paulista terá uma área de 780 metros quadrados dedicada aos livros, 30% maior que a atual. A repaginação inclui ainda a criação de um novo setor, batizado Fnac Júnior, voltado para o público infanto-juvenil. A rede francesa diz ter planos de lançar mais três lojas na capital paulista, mas não definiu datas ou endereços. De seu lado, a Cultura já fechou contratos para instalar unidades no Shopping Iguatemi Campinas e no Shopping Bourbon Pompéia, atualmente em construção. “Abriremos outro ponto-de-venda em São Paulo até o fim de 2008, ainda sem local determinado”, conta Pedro Herz. Em termos absolutos, a Fnac possui uma unidade maior que a “gigastore” da concorrente – a de Pinheiros, com 8 000 metros quadrados. Mas o tamanho cai para 1 720 metros quadrados se consideradas apenas as áreas de livros, DVDs, CDs, revistaria, café e auditório (os mesmos serviços encontrados na nova Cultura, cuja área aberta à circulação do público é de 3 026 metros quadrados). Em oferta de livros, a Cultura sai na frente: possui 2 milhões de títulos em catálogo, contra 150 000 da rede francesa.

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