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Pedágio urbano: o exemplo de Londres

Eficaz em metrópoles, cobrança para quem trafega em áreas congestionadas é defendida pelo secretário municipal de Transportes

Por Claudia Jordão e Maria Paola de Salvo (de Londres)
Atualizado em 5 dez 2016, 17h05 - Publicado em 16 jun 2012, 00h51

Em fevereiro de 2002, um ano antes de o pedágio urbano começar a funcionar em Londres, a velocidade média no centro da cidade era de 14,3 quilômetros por hora. Durante boa parte do dia, o tráfego travava e os motoristas demoravam dez vezes mais para percorrer um trecho nessa região do que em qualquer outro município inglês. Presos nos engarrafamentos, os ônibus não conseguiam honrar a pontualidade britânica que os tornara tão famosos no mundo, e empresários reclamavam de prejuízos. “Não faltavam indicações técnicas e econômicas para a implantação”, lembra Charles Buckingham, gerente de monitoramento e análise da Transport for London (TFL), órgão equivalente à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo.

Na noite anterior à instalação da cobrança, o clima era de tensão no prédio da TFL. Duzentos técnicos se debruçavam sobre mapas e acompanhavam câmeras para garantir que as ruas estivessem preparadas na estreia. “Estávamos confiantes, mas tínhamos receio de que a medida causasse algum congestionamento fora da área restrita”, diz Buckingham. Na manhã daquela segunda-feira, helicópteros de TV sobrevoavam os 21 quilômetros quadrados na região central em busca de filas, mas não registraram nada. “Às 10h30, o primeiro boletim mostrou reduções ainda maiores que as esperadas”, conta o técnico. No primeiro ano, os congestionamentos caíram 30%, o dobro do previsto.

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É inevitável comparar a Londres de dez anos atrás à São Paulo de agora. A capital inglesa é a prova viva de que os gravíssimos problemas de trânsito que sufocam a maioria das metrópoles do planeta não se resolvem apenas com o transporte público. Se fosse assim, Tóquio, Nova York e Paris, por exemplo, seriam um paraíso para os motoristas — e não um inferno nos horários de pico. Como as autoridades britânicas perceberam, é necessário restringir e taxar de alguma forma o uso do automóvel em determinadas áreas e com regras claras. São eles, os carros, não os ônibus, os causadores dos engarrafamentos. Em São Paulo, chegamos ao ponto em que um quarto dos paulistanos leva entre uma e duas horas diárias apenas para chegar ao trabalho, com a velocidade média dos veículos de 15 quilômetros por hora no pico da tarde e congestionamentos que somam um custo coletivo anual estimado em 30 bilhões de reais.

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A disputa pelas faixas só aumenta. Em 2011, entraram 400.000 novos veículos nas ruas, engrossando a frota cadastrada, que é de mais de 7 milhões. Não há dúvida de que se trata de um quadro insustentável, e as medidas mais recentes, como restrições a caminhões em algumas áreas, não trouxeram alívio significativo. Por isso, causou furor entre especialistas em trânsito um artigo assinado por Marcelo Cardinale Branco, secretário de Transportes e também chefe da CET, publicado pelo jornal “Folha de S.Paulo” no início do mês, em que ele defendeu enfaticamente o pedágio urbano. “Isso levará à redução dos congestionamentos, o que tornará o ônibus mais atrativo, com maior oferta de lugares, rapidez e conforto”, escreveu Branco, na contramão do que dizem os políticos de maior expressão da cidade — a começar pelo prefeito Gilberto Kassab, que foge dos engarrafamentos a bordo de helicóptero pago pelos cofres municipais e é contrário à implantação, ao menos em um prazo de dez anos, e pelos principais candidatos à sua sucessão (veja o quadro abaixo).

Trata-se, afinal, de uma medida impopular, pelo menos até fazer efeito, exatamente como aconteceu com o rodízio de veículos, de que ninguém gosta, mas sem o qual os congestionamentos seriam ainda mais insuportáveis. Nos últimos dias, inclusive, Branco passou a evitar o assunto. Procurado pela reportagem desde a manhã de segunda-feira, ele não respondeu até a tarde de quinta.

A estimativa entre especialistas é que cerca de 30% dos paulistanos deixariam o carro em casa se nossas ruas fossem pedagiadas. Roberto Scaringella, fundador da CET em 1976 e presidente do órgão em três ocasiões, sempre foi grande entusiasta do mecanismo, ao citar, por exemplo, as melhorias em transporte coletivo que poderiam ser feitas com a arrecadação. “Mas a medida tiraria votos e os executivos públicos se preocupam com isso. Por isso não consegui implantar a ideia nas minhas gestões”, admite. Um levantamento do Departamento de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Abril Mídia com 3.458 motoristas de carro, em março, mostrou que 80% eram contrários ao pedágio.

Isso não acontece à toa, já que não faltam tarifas a corroer nosso orçamento. “É injusto cobrar do cidadão a falha do governo, que não investiu na ampliação da malha metroviária com a devida eficiência”, diz o engenheiro e mestre em Transportes pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) Sergio Ejzenberg. Não se pode esquecer, porém, que o tráfego travado tem hoje esse papel nefasto sobre nosso dinheiro. Tome-se o gasto com combustível. Teste publicado por VEJA SÃO PAULO no ano passado mostrou que um motorista gastava o triplo de gasolina ao percorrer a Avenida 23 de Maio no horário de pico na comparação com o horário de fluxo livre.

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Para Scaringella, trata-se de uma medida “social”. Diz ele: “Hoje em dia, quem não tem carro e depende de transporte público passa mais tempo no trânsito devido à quantidade de veículos particulares levando uma só pessoa”. Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Cândido Malta calcula que, para abranger o centro expandido, seria necessária a instalação de pelo menos 45 portais em corredores como as marginais Pinheiros e Tietê, as avenidas 23 de Maio e Radial Leste e em vias de acesso a eles. As possibilidades técnicas são várias. Na versão inglesa, 197 câmeras espalhadas pelo perímetro da restrição leem placas para registrar quem deve pagar. Outra opção é recorrer à tecnologia de radiofrequência, na qual portais à beira das vias identificam dispositivos nos carros e registram a entrada e a saída.

Em nenhuma das grandes cidades que adotaram o pedágio (veja quadro abaixo) há obstáculos como cancelas. A cobrança também pode ser ajustada conforme as necessidades. Karen Anderton, especialista no tema pela Universidade de Oxford, considera equivocada a forma escolhida por Londres, em que se desembolsam por dia as mesmas 10 libras (cerca de 32 reais) apenas por estar na área restrita, seja por poucos minutos ou muitas horas. “O pagamento por quilômetro, nos moldes do adotado pela cidade americana de Portland, no Oregon, é muito mais coerente.” Na terra da rainha, o faturamento anual líquido (descontados os custos de operação) em apenas um ano é equivalente aos gastos para a implantação, de 415 milhões de reais. “Aqui, poderíamos abrir uma licitação para que uma empresa privada instale os equipamentos e receba parte da arrecadação”, sugere o vereador Carlos Apolinário (DEM), autor de uma proposta de lei de 2010, para autorizar o Poder Executivo a iniciar o projeto.

É fundamental, porém, que a maior parte dessa arrecadação — ou toda ela — vá para o investimento em transporte público. É o que se faz em Londres. A vantagem dessa destinação é sustentar o projeto oferecendo alternativas a longo prazo. Na capital inglesa, que conta com uma rede de metrô de 402 quilômetros, ruas foram estreitadas para a ampliação de calçadas, em benefício de pedestres, e a redução dos engarrafamentos permanece até hoje. Mesmo com uma série de obras viárias que interromperam o fluxo no ano passado, os índices foram 8% menores que nos tempos pré-pedágio. “Os arredores de pontos turísticos como Trafalgar Square ficavam terríveis, e hoje passamos por eles sem grandes problemas”, diz o taxista Paul Smith, isento da tarifa devido à profissão.

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O pedágio urbano, como o rodízio, é um tema espinhoso e antipático para a maioria, até que seus resultados positivos apareçam. Mas precisa ser discutido, sem populismo, com seriedade e com coragem. Antes que a cidade pare de vez.

COMO FUNCIONA POR LÁ

Implantação: fevereiro de 2003

Abrangência: 21 quilômetros quadrados na região central, de segunda a sexta, das 7h às 18h

Efeitos imediatos: redução de 30% nos congestionamentos, aumento de circulação de outros meios de transporte na área (23% para ônibus, 17% para táxis e 20% para bicicletas) e crescimento da velocidade média de 14,3 km/h para 17,3 km/h

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Quanto custa: 10 libras (32 reais) para cada dia que o carro passar pelo perímetro pedagiado. Moradores da área podem requisitar descontos que chegam a 90%

Como é o controle: 197 câmeras fazem a leitura da placa e o condutor pode pagar a fatura por meio de débito automático, cartão de crédito, SMS, lojas autorizadas e outras formas

Quem é isento: motocicletas, bicicletas, táxis, veículos de emergência e carros usados por pessoas com deficiência física

POR QUE É IMPORTANTE DISCUTIR A IDEIA

As vantagens…

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– Nas cidades onde foi implantado, o pedágio reduziu os engarrafamentos em até 45%

– A cobrança é coerente: pagam os que optam pelo carro, ganha quem escolhe os ônibus, que se tornam mais velozes

– Não requer grande estrutura. Em Londres, a instalação de 197 câmeras leitoras de placas, a mudança de sinalização e as obras viárias custaram 130 milhões de libras (415 milhões de reais), o equivalente ao faturamento líquido anual do sistema

….e as desvantagens

– Seria um custo a mais na rotina do cidadão

– “É uma limitação do direito de ir e vir”, dizem os críticos

– Temos um transporte público insuficiente. Apenas 74,3 quilômetros de metrô e 15.000 ônibus, que na maior parte do tempo ficam lotados

ESTORVO PAULISTANO

Como o trânsito toma nosso tempo, saúde e paciência

– A velocidade média dos carros na cidade é de 15 quilômetros por hora no pico da tarde (17h/20h)

– Um a cada quatro moradores da capital perde entre uma e duas horas por dia para ir ao trabalho de carro, ônibus ou metrô – sem contar o tempo da volta

– A frota cresce muito mais que a oferta de vias públicas. Em 1970, eram 965.000 veículos cadastrados em 14.000 quilômetros de ruas. Hoje são mais de 7 milhões para 17.000 quilômetros

– A taxa média de ocupação é de apenas 1,4 pessoa por veículo

– Em uma hora no trânsito, aspiramos os mesmos gases tóxicos de um cigarro inteiro

 

Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Companhia de Engenharia de Tráfego

 

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