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Outros progressos

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 13h46 - Publicado em 28 nov 2014, 23h00

Pergunto ao meu neto de 11 anos se ele sabe o que faz o correio, para que serve, e ele faz uma cara de tá me gozando, ô vô, e eu insisto, se sabe, diga lá, e ele, iPhone na mão, claro que eu sei, então diz, e ele, pê da vida por falar o óbvio, com certeza pensando ah, esses velhos, não titubeia: correio manda pacotes para as pessoas. É o que eu supunha: a cabeça dele eliminou as cartas, carta já era, o correio transporta o que não pode seguir via smartphone, e-mail ou iPad, por onde agora trafegam as palavras, escritas ou faladas. É um progresso? Seja. Cartas levavam dias para chegar, às vezes nem chegavam. Hoje, basta um clique e despacham-se palavras de amor, ódio ou negócios, recebidas em segundos. Nas mensagens de amor faltará o perfume, mas elas chegam com a urgência dos que amam.

Na crônica passada contei como lidávamos com três coisas do dia a dia que progrediram muito nestes quarenta anos: o carro nacional, o telefone e o beijo, mas ficaram faltando coisas nessa olhada para trás, como as cartas.

Outra que faltou: religião. Se fartura é sinal de avanço, a religião avançou muito. Antes havia uma igreja católica nos bairros principais e uma ou outra batista, metodista, um centro espírita, meio invisíveis nas cidades. Hoje são dezenas à escolha, multiplicam-se evangélicas de variado matiz, há templos budistas, judaicos, muçulmanos, maronitas, espíritas, anglicanos, casas de mesa branca, de umbanda… Havia pecado e inferno, quando o rigor dos pregadores nos levava a acreditar que tudo o que era bom era proibido. Não é mais assim. Cresce o número de igrejas, mas fraqueja o poder de freio que elas tinham. Em cenas na TV, políticos dão-se as mãos e agradecem em oração a propina alcançada; bandidos agradecem a Deus o assalto bem-sucedido.

A fotografia dava trabalho a amadores: carregar o trambolho da máquina e rolos de filme, levar o filme ao laboratório para revelar e copiar, a longa espera, as cores que empalideciam, o problema de guardar, o custo de tudo. Hoje, um clique no celular e ói nóis na fita, em imagem digital, correndo mundo.

Fora de casa, ouvir a música que a gente queria, não a que estava tocando no rádio, era impossível. Depois ficou só complicado: inventaram aqueles aparelhos enormes, a pilha, conjugando dois alto-falantes, toca-fitas, rádio e gravador. No começo pesavam uns 4 quilos, e havia “boys” que carregavam a coisa pelas ruas, trens e ônibus, volume no máximo. Gente fina não usava aquilo, não ouvia música na rua. Então inventaramo CD, e daí a pouco ficou chique ter um walkman pendurado no pescoço, fones nos ouvidos, até que Steve Jobs criouo iPod, e veio o celular que toca o que você quer.

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Tudo bem que churrasco não é coisa do dia a dia, mas olha: até os apartamentos já vêm com churrasqueira. Antes,nas casas, o anfitrião tinha de amontoar tijolos no quintal para queimar o carvão, era aquela fumaceira sem chaminé, defumando os convidados. Hoje há lojas de churrasco por toda parte, que têm o que se possa imaginar, e butiques de carne, todos os cortes, filas nos fins de semana.

E as compras? Shopping centers! Todas as facilidades! Segurança! Cidades como Roma, Paris, Amsterdã, Milão, Nova York preferiram suas vitrines nas ruas, mas as inseguras e mal-arrumadas metrópoles brasileiras não tiveram muita escolha. Aqui, shopping é progresso, comércio moderno. A padaria e o boteco, indomáveis, são o último refúgio da simpática vida das ruas.

ivan@abril.com.br

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