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Pesquisador lança livro com famosos e engenhosos contos do vigário

Professor e historiador José Augusto Dias Júnior exibe em sua obra intrigantes histórias de golpes aplicados no início do século passado no Brasil

Por Isabella Villalba
Atualizado em 29 dez 2016, 14h06 - Publicado em 4 dez 2010, 03h14

Quem nunca sentiu vontade de abrir aquelas mensagens tentadoras da internet que oferecem grandes oportunidades, mas, na verdade, só trazem vírus para infectar o computador? Esse desejo que muitas pessoas têm de obter recompensas à custa de pouco esforço é antigo, e foi o que possibilitou o aparecimento de malandragens e golpes com intrincadas táticas nos grandes centros. É isso que o professor da Faculdade Cásper Líbero e historiador José Augusto Dias Júnior apresenta no livro “Os Contos e os Vigários — Uma História da Trapaça no Brasil” (editora LeYa; 326 págs.; R$ 44,90). “Parti do princípio de que o conto do vigário é uma dramatização, e o golpista, um verdadeiro ator”, conta ele.

Logo na introdução, o autor explica as possíveis origens da locução “conto do vigário”. Corrente inicialmente em Portugal e depois no Brasil, a expressão correspondia a um golpe aplicado no início do século XX por falsos padres espanhóis, que apresentavam um suposto testamento documentando uma herança legítima e a tutela de uma jovem de 13 anos a uma certa pessoa. O papel vinha cheio de autenticações. Para liberar os bens, porém, era exigida uma soma em dinheiro do “herdeiro”, que pagava sem hesitar. Arapuca armada com sucesso, o “vigário” escapava com o bolso cheio de contos de réis.

“O crescimento populacional das metrópoles criou um ‘palco’ propício para golpes e fugas fáceis em meio à multidão”, explica o professor. “O ambiente dessa época é um fator que nos auxilia a compreender a origem dos golpes.”Foi justamente entre 1930 e 1960 que a população da cidade de São Paulo saltou de 880 000 para 3,7 milhões de habitantes, e, não por acaso, data de 1934 o registro oficial do “maior clássico da dramaturgia da vigarice brasileira”, como define o escritor: o golpe do bilhete premiado. A farsa consiste numa tentativa de vender a um incauto o tal bilhete com a numeração alterada para corresponder ao sorteado. Quem cai nessa compra o bilhete por um valor bem inferior ao do prêmio, crente de que está fazendo um excelente negócio e ainda ajudando o dissimulado trambiqueiro, que inventa uma desculpa para não poder reivindicar a bolada. Ao tentar trocar seu bilhete pelo prêmio, o ludibriado, é claro, fica a ver navios.

Essa expectativa de se dar bem é um dos aspectos que mais colaboram para o êxito de quem aplica o ardil, assim como a ingenuidade de quem sofre a trapaça. “A vítima sempre supõe estar enganando o vigarista”, explica Dias Júnior. Outro golpe comum era o do poste da Light, empresa que gerenciava o sistema de energia elétrica da cidade. Um sujeito fingia ser um oficial da empresa e prometia acelerar a instalação da rede elétrica em ruas que contribuíssem com uma “ajuda financeira”. Os moradores pagavam, mas nada de receberem energia elétrica. “Os vigaristas se aproveitavam da falta de infraestrutura urbana durante a expansão da metrópole”, diz o historiador.

A obra mostra que até mesmo o ex-prefeito Paulo Maluf já foi vítima de uma dessas armadilhas. A reportagem “Vigário passa o conto em Maluf”, publicada em 21 de novembro de 1984 pela revista VEJA, relata o caso de um falso bispo de São João do Meriti, no Rio de Janeiro, que fez uma foto sua ao lado de Maluf, declarando o apoio dos católicos ao então candidato à Presidência da República. Detalhe: o tal “bispo” nunca fez parte da Igreja. “No Brasil, funciona a lei de Gérson. As pessoas tentam tirar vantagem de tudo”, brinca Dias Júnior.

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O EMPREGO DOS SONHOS

O vigarista dizia ser funcionário público de alta patente. Em troca de algum dinheiro, oferecia um cargo de prestígio. Quem almejava a estabilidade do serviço no governo aceitava a proposta. A promessa não se cumpria, e a vítima tinha de trabalhar ainda mais para recuperar a grana perdida para o trambiqueiro. A versão mais atual desse golpe são e-mails vindos de países como China e Nigéria, propondo parceria em negócios mirabolantes que proporcionam o retorno do dinheiro investido em um prazo curtíssimo.

A MÁQUINA DE FAZER DINHEIRO

Uma máquina de imprimir dinheiro é vendida com a promessa de proporcionar um enriquecimento instantâneo. O comprador, animado com a possibilidade de — literalmente — fazer dinheiro fácil, se ilude, mas logo percebe que o aparelho não funciona e não serve para nada. Achou essa história absurda? E o que dizer do caso real do sergipano que, em 1969, quando os astronautas chegaram à Lua, foi preso em Belo Horizonte após vender lotes em solo lunar a dois ricos fazendeiros? A vítima sempre acredita que está fazendo um negócio do outro mundo.

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O FALSO POLICIAL

O indivíduo se apresenta como policial para usufruir serviços de graça. Vai a uma boate, por exemplo, e diz estar participando de uma investigação sigilosa. Consome o que quer sem pagar e deixa o dono da casa noturna com um baita prejuízo. Recentemente, um jovem ficou famoso ao aplicar um golpe parecido: passou-se por dono da companhia aérea Gol e aproveitou o Carnaval em camarotes restritos a celebridades. O caso virou filme, que será lançado no ano que vem, com o ator Wagner Moura no papel principal.

A LUZ QUE NUNCA CHEGA

Um sujeito se passava por funcionário da Light, empresa que operava a distribuição de eletricidade pela cidade, e prometia dar prioridade a determinada rua no calendário de expansão da rede elétrica. Os moradores pagavam, mas a luz nunca chegava e a rua continua va às escuras. No início do século passado, os golpistas se aproveitavam da deficiente infraestrutura urbana das cidades para criar os mais variados golpes.

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