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O santo sábado na Oscar Freire

Passamos o dia no calçadão dos Jardins, do café-da-manhã no Fasano ao lanche da tarde. Como sonhar não custa nada, fizemos escalas na Dior, Bulgari, Cartier...

Por Vilma Gryzinski
Atualizado em 5 dez 2016, 18h11 - Publicado em 13 abr 2011, 16h26

Passear, bater perna, fazer umas comprinhas, dar um rolê. Ver e ser visto. No interior, chamava-se fazer o footing. Na Itália, a elegante “passeggiata” da tardinha, com todo mundo vestindo as melhores roupas. Quantas vezes você já fez isso na Oscar Freire? Hoje, vamos tentar a mesma coisa, mas de um jeito diferente: entrar em lojas nunca antes desbravadas, enfrentar preços jamais cogitados, checar o atendimento — e a paciência — dos vendedores com a busca de um presente fictício, vasculhar cantinhos que parecem conhecidos, mas guardam segredos. As condições são manter um desvio máximo de uma quadra da rua principal, não recuar diante de nenhum cifrão e confinar as compras ao campo puramente teórico. Na busca pela originalidade, comecemos pelo café-da-manhã no Hotel Fasano. Sim, já começamos infringindo a primeira condição, mas vale a pena. O café servido no pequeno Nonno Ruggero não tem overdose de carboidratos e é a maneira — como dizer? — mais econômica de conhecer o Fasano. Isso caso sua margem de tolerância para um café-da-manhã esteja na faixa dos 50 reais. Incluídos ovos mexidos feitos na hora, deliciosos, e a gentileza do Gomes. Só de cruzar o saguão do hotel, um ambiente que parece feito para conversas sussurradas, a vida fica mais suave.

O dia promete. Por que não entrar na Cris Barros, bem ali em frente? “Abre-te, Sésamo”, diz o porteiro, com um gesto de Aladim e a incomparável cordialidade brasileira. A porta automática, claro, se abre para as roupas que todas as mulheres jovens, finas e chiques de São Paulo — e não pensem nem por um momento na palavra patricinhas — querem usar. Ao fundo, uma parede verde, recoberta de folhagens, que parece ser o item obrigatório nas lojas da moda. Diálogo:

“Quer ver alguma coisa?”

“Um presente.”

“Para alguém em especial?”

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“Uma tia. Até que número tem aqui?”

“44.”

A resposta da vendedora, esguia como as clientes habituais, não contém um segundo de hesitação. Ponto para ela. Camisas a 576 reais. Ali do lado, a Jorge Elias parece o lugar ideal para encontrar um presente se você tem uma tia muito, muito rica. É um mundo azul eletrizante ou vermelho feérico. Logo na entrada, uma pilha de capas para almofadas. 40 reais. Nossa, será que o preço está certo? Um par de “guéridons”, mesinhas laterais com pés de ferro e tampo de mármore, logo desfaz qualquer ilusão: 9.000 reais, cada um. São de época? Não, mas tem aqui um conjunto de quatro poltronas, “francesas e assinadas”, estofadas de veludo carmesim. 450.000 reais. Talvez seja melhor ficar com a capa de almofada.

É uma manhã fresca do caprichoso começo de primavera em São Paulo e todas as mulheres parecem usar jeans, botas e bolsas Gucci. Todos os homens estão de suéter de cashmere, sobre camiseta ou paulistanamente jogado nos ombros. A julgar pelo que se vê nas vitrines, no verão todos vestirão camisas pólo com brasões, insígnias e inscrições misteriosas, todos enormes. Retomemos o percurso principal. Antes, uma paradinha na Bulgari — hoje é dia de ousadias. Um elegante relógio quadrado, com pulseira de couro, custa 19.800 reais. Se você for o melhor sobrinho do universo, e sua tia só sair de casa de carro blindado, pode ficar com o maravilhoso modelo de ouro rosê, caixa negra e diamantes. 87.780 reais. A vendedora fala no “valor emocional” que tem um relógio, um argumento e tanto. “Volte sempre”, diz o segurança, com elegância de lorde.

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O clima de cordialidade está ficando cada vez melhor. Surgem os primeiros cachorros. As donas aproveitam e levam as bolsas para passear também. Um bichon frisé, uma yorkshire. Uma Gucci, duas Gucci. Na Diesel, Guilherme nem pisca os cílios recurvados quando confrontado com o inconcebível: “Você tem algum jeans que não seja de cintura baixa?” É verdade que ele mostra um modelo que cairia bem numa menina de 12 anos e 40 quilos. Mas quem mandou não reconhecer os próprios limites? Os jeans da Diesel, de cintura baixa e preços altos (faixa de 600 reais, para começar), são praticamente um uniforme dos rapazes bem de vida.

Mais cãezinhos, mais bolsas. Um maltês, duas fêmeas de buldogue francês — fica meio esquisito falar buldogues francesas. Um schnauzer, uma Chanel. Esta com um certo jeito Twenty Five, a famosa Vinte e Cinco de Março, aonde todo mundo já foi ou irá. Mas hoje é o santo sábado na Oscar. Depois da reforma que repaginou as calçadas, colocou novos bancos e lixeiras, enterrou os fios e plantou ipês no lugar dos antigos postes, o movimento mais do que dobrou. Em dezembro passado, no auge das compras de fim de ano, ele foi medido por uma empresa especializada: deu uma média de 33.177 pessoas por dia, com pico de 47.707 no último sábado antes do Natal. “A conseqüência nas vendas é mais do que evidente”, diz Rosângela Lyra, a mentora das melhorias como presidente da Associação de Lojistas da Oscar Freire, conceito que inclui as adjacências. Os custos naturalmente acompanharam a demanda. O preço do metro quadrado de um imóvel na Oscar Freire vai de 20.000 a 25.000 reais, o que redundaria em 4 milhões de reais para uma loja de 200 metros quadrados, tamanho considerado modesto. Isso se o interessado achasse alguma coisa para comprar. Como ter uma propriedade na região quase equivale a uma licença para imprimir dinheiro, ninguém quer vender. Os aluguéis batem nas alturas. O proprietário de um imóvel na área nobre atualmente no mercado, com 441 metros quadrados, está pedindo 80.000 reais por mês, fora luvas de 1 milhão.

Continuemos. Como bater perna na Oscar também é sonhar, não custa dar uma olhada no espetacular trench coat de estampa de onça da Dior. Com uma calça preta por baixo e um salto alto – “et, voilà”, uma verdadeira Angelina Jolie. Treze mil e cem reais. Da mesma forma que a Dior, a Emporio Armani também segue as estações do Hemisfério Norte, com casacos e acessórios de inverno. Uma echarpe de pele de coelho (2 280 reais) nos lembra do presente fictício usado para testar a paciência do simpático Eduardo. Diálogo:

“Ah, não dá coragem de comprar coisas de pele.”

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“Mas os nossos coelhos são abatidos para alimentação. A pele é conseqüência.”

Eis aí um original argumento de venda. Valeria até uma discussão com Peter Singer, o filósofo do tratamento ético dos animais. Eduardo despede a cliente com sorrisos e beijinho. Bendita cordialidade. A compaixão por todos os seres vivos precisa ser invocada, agora em relação a humanos, numa outra loja onde a vendedora tenta apressar a venda: “Essa roupa foi usada numa novela da Globo…”. Ai, doeu.

O sol esquenta e o movimento aumenta. Minivestido e botas. Shorts e botas. Uma Louis Vuitton, duas, três. Em menos de vinte segundos! Quem disse que as Gucci dominam o mundo? Judeus ortodoxos de terno, barba e chapéu passam com as famílias numerosas a caminho da sinagoga. Parece o Brooklyn. De Nova York, claro. A diversificação de públicos é cada vez maior. Os belos e gays usam bermudas, mocassins e camisas tão justas que parecem embaladas a vácuo. Os que não são uma coisa nem outra seguem atrás das mulheres, com o ar vago dos maridos que carregam sacolas. Como em certos casamentos, quem é de fora não entende o amor dos paulistanos por nossa cidade tão cheia de defeitos. A Oscar não é diferente. As três virtudes inerentes à sobrevivência da vida conjugal — tolerância, tolerância e tolerância — também são necessárias para conviver com o trânsito, o preço dos estacionamentos, as erupções de esnobismo e o número estupefaciente de vezes que perguntam “Como é seu nome?”. As crianças que pedem dinheiro ou vendem miudezas não nos deixam esquecer onde estamos. Em compensação, na Oscar a renda também tem escoamentos. O salário dos manobristas dos restaurantes chiques da região, fixado em magros 730 reais, engorda com as gorjetas. “Cada um fatura de 40 a 50 reais no almoço; um pouco mais no jantar”, diz Rivaldo José da Silva, chefe dos manobristas do Gero, onde aos sábados e domingos a média é de 110 carros. Não é fácil impressionar esse pessoal com qualquer carrão. “Todo manobrista sonha dirigir uma Ferrari”, entrega Silva, que trabalha justamente num lugar onde isso não é impossível, apesar do ciúme de certos donos que não deixam a chave na mão dos profissionais.

Servir espumante é um agrado ao cliente que se propagou no comércio da Oscar. Quem tomar só um golinho em cada loja vai ter de ficar fazendo compras umas quatro horas a mais para não bombar no teste do bafômetro. Bem, talvez a idéia seja essa. Na Arezzo, tem espumante e DJ. Na H. Stern, espumante e um pouco conhecido “off price” no andar de cima — descontos de 30% a 50%. Na Le Lis Blanc, a bebida ajuda a relaxar do clima de zona de combate que se enfrenta no provador num sábado quente. A loja da Oscar vende em média 15.000 peças por mês, e às vezes parece que as clientes querem comprá- las todas ao mesmo tempo, bem na sua frente. Uma vendedora calma como a Fernanda ajuda nessas horas. Qualquer possível stress pós-traumático desaparece quando se entra na Santa Maria Novella, de piso quadriculado igual ao da sede de Florença e estímulos olfativos inebriantes. Uma cliente está claramente eufórica. Diálogo:

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“Que cheiro maravilhoso.”

“Dá vontade de comprar tudo, não? Eu compro mesmo. Uma amiga me perguntou se tenho pai rico.”

“E tem?”

“Claro. O nome dele é Itaú. Parcela tudo…”

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A sacolinha que ela leva à mão deve equivaler a um supermercado do mês, considerandose que o sabonete mais — como dizer? — em conta custa 52 reais. A água-de-colônia de tuberosa (395 reais) é uma das melhores coisas que se podem aspirar sem infringir nenhuma lei.

Como no rio de Heráclito, não se fazem compras na mesma Oscar Freire duas vezes. As lojas mudam a decoração, renovam-se, transformam- se. Algumas desaparecem de repente, outras murcham lentamente até fechar. Vítimas de recentes e fracassadas trocas de comando, a Fause Haten e a Zoomp estão na segunda categoria. Nesse ambiente em constante mutação, o Frevinho oferece a permanência reconfortante dos pratos imutáveis e dos garçons idem. Diálogo:

“Tem alguma coisa light?”

“Bacon, maionese, batata frita…”

A ironia é compreensível, levando em conta que os acompanhamentos do filé frevo paulista consistem em farofa especial, banana à milanesa, fritas, queijo derretido, cebola frita, alface, tomate e maionese, tudo com sabor dos restaurantes de antigamente. Quem consegue apreciar a beleza proustiana do momento não deve dispensar o chope suntuosamente cremoso. Para os fortes de espírito, que não cedem às calorias nem ao cansaço, vale ir até o fim da Oscar, já no Baixo Jardins, conferir as novidades. Lá pelas 4 da tarde, as lojas começam a fechar. Hora de voltar. O trânsito continua do mesmo jeito que está há algumas horas — infernal. Saem das vitrines as jóias “importantes”. Vão-se as panteras de Cartier, linha celebrizada pela duquesa de Windsor (anéis começando em 92.600 reais). Vão se as bolsas com preço de jóias (4.100 reais a de couro de avestruz da Victor Hugo). Quem ainda tiver pique poderá virar na Melo Alves e passar na Dengosa, onde “os frios são bem cortadíssimos”, segundo a consultora de moda Gloria Kalil, moradora da região — na mais chique das recomendações no ramo da panificação e afins. Termine o dia no calçadão dos Jardins levando para casa a fastfood paulistana por excelência. Dois pãezinhos franceses (1,03 real) e 100 gramas de mortadela fina como pétalas de violeta (0,99 centavos a nacional; 7,80 reais a italiana). Um luxo.

Até o próximo sábado, Oscar.

(Colaborou Fabio Brisolla)

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