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O outro lado: a versão dos motoboys

Por Alessandro Duarte e Edison Veiga
Atualizado em 5 dez 2016, 19h26 - Publicado em 18 set 2009, 20h31

Eficiência comprovada

Às 10 horas da última quarta, Veja São Paulo mandou três envelopes (de moto, carro e ônibus) da Avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, no Brooklin, para o Viaduto do Chá. Confira quanto tempo cada portador demorou para fazer o percurso de 11 quilômetros

1 -17 minutos

O motoboy andou pela Marginal Pinheiros, entrou na Avenida Rebouças e seguiu pela Rua da Consolação até o centro. “O túnel da Rebouças estava meio parado, mas de moto não tem erro”, disse. “A gente vai costurando.”

2 – 33 minutos

Para fugir do trânsito da Avenida Rebouças, o motorista preferiu sair da Marginal Pinheiros e pegar as ruas Gabriel Monteiro da Silva, Groenlândia e Bela Cintra. “A coisa só complicou um pouco perto do cruzamento da Gabriel com a Faria Lima.”

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3 -52 minutos

“Caminhei por 350 metros até o ponto, na Marginal Pinheiros”, disse o office-boy. “O ônibus Praça Princesa Isabel demorou doze minutos para chegar.” Ele desembarcou no Túnel do Anhangabaú e subiu a escadaria até a prefeitura.

DEPOIMENTO

Vaga é o que não falta

Em um dia, repórter de Veja São Paulo tenta se empregar como motoboy em três firmas. Foi aprovado em todas

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Edison Veiga

Dirijo moto há quatro anos. Acho incrível sentir o vento batendo no corpo e ouvir o ronco do motor. É um misto de liberdade e perigo. Se não fosse jornalista, até que eu poderia ganhar a vida sobre duas rodas. No último dia 18, uma sexta-feira, vesti uma camiseta alaranjada, uma surrada calça jeans e calcei um par de tênis velhos. Treinei algumas gírias para parecer mais convincente – abusei de “trampo”, “mano”, “treta”, “barão” e “é nóis na fita”. Fui pedir emprego em três firmas de motofrete. Logo na primeira, na Vila Olímpia, um motoboy chamado Paulo me animou: “Se trabalhar direitinho, dá para tirar até um barão e meio, filho”. Ou seja, 1 500 reais. Ele me orientou a pedir informação no balcão de atendimento. “Sempre tem vaga.” Mandaram que eu preenchesse uma ficha com dados pessoais e do meu emprego anterior. Entreguei o papel e fiquei quase uma hora esperando para ser entrevistado. Enquanto aguardava, outro candidato, Rodrigo, puxou assunto. “Entra nessa, não, mano. Já caí quatro vezes”, contou ele, com seus seis anos de experiência. Durante a entrevista, a funcionária foi simpática, disse que eu iria ganhar três camisas de uniforme e seria contratado como esporádico, ganhando 6 reais por hora. “Ser registrado só depende de você”, garantiu. “Então chegue sempre no horário e cumpra suas obrigações.” Bons motociclistas ainda são recompensados com uma cesta básica no fim do mês. Aprovado na primeira etapa, teria de entregar toda a documentação (RG, CPF, foto 3 por 4, CNH e atestado de antecedentes criminais) na próxima segunda para agendar minha entrevista com a psicóloga. Fiquei preocupado, mas o motoboy Paulo falou que era “mamão” (algo fácil). “De boa, mano. Aqui todo mundo é louco mesmo.”

Dali, eu me dirigi a uma empresa menor, em Santo Amaro. Na entrada, uma faixa anunciava: “Precisa-se motoqueiro”. Ofereci-me. Fátima, a responsável pela firma, me deu um caderno espiral. “Escreva aí seu nome, endereço, telefone e RG.” “E quando começo?” “Pode vir na segunda, pagamos de 5,30 reais a 5,50 reais a hora, de acordo com o cliente.” Com dois empregos na garupa, tentei um terceiro na Vila Mariana. O atendimento foi bem parecido com o da Vila Olímpia. Um homem que se apresentou como Sampaio pediu que eu levasse os documentos na segunda-feira. Começaria no dia seguinte. Na cidade dos congestionamentos, o que não falta é vaga para motoboy.

O que eles pensam sobre…

Veja São Paulo reuniu na semana passada um grupo de motoboys para um bate-papo. Durante duas horas, eles soltaram o verbo. Confira algumas frases:

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MOTORISTAS

“Falta atenção e respeito com os motoboys. Nove em cada dez motoristas que fecham a gente estão no celular.”

José Mariano Lucas Junior, 28 anos, motoboy há cinco

“Quando o cara está em casa esperando uma pizza quentinha, nos recebe com o maior love. Aí você encontra o mesmo cara durante o dia e passa a ser inimigo dele.”

Luiz Fernando Bicchioni, 37 anos, motoboy há dezoito

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“Deveriam aumentar o rodízio para os carros: das 8 da manhã às 8 da noite.”

Andréa Sadocco Giannini de Oliveira, 36 anos, motogirl há dois

SOLIDARIEDADE

“A gente não fica nem cinco minutos parado na rua. Se acabar a gasolina, a moto quebrar ou acontecer um acidente, aparece sempre outro motoboy para ajudar.”

Emerson Tavares Lopes, 21 anos, motoboy há três

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“Ninguém gosta de dar informação. Uma vez um taxista falou que iria me responder só porque eu sou mulher.”

Andréa

VIOLÊNCIA

“Quando o motorista fecha e já pede desculpa, beleza. Mas a maioria fecha e ainda sai xingando. Aí não tem jeito. Perdemos a cabeça mesmo.”

Bicchioni

“É difícil conhecer algum motoboy que não tenha chutado um retrovisor ou uma porta. A gente é tratado com violência e responde com violência.”

Eliezer Muniz dos Santos, 41 anos, motoboy há vinte

MOTOCICLETA

“Comprei uma moto zerinho e amassei o tanque com o capacete. Quanto mais cara de velha tiver, menor o risco de roubarem. Levaram a minha mesmo assim.”

Santos

“O ladrão rouba a nossa moto e vende na Rua General Osório, no centro, por 500 reais.”

Lopes

“Como as concessionárias cobram caro, nós financiamos esse mercado. Um jogo de pneus novos custa 230 reais. Um de meia-vida (usado) sai por 50.”

Ronaldo Simão Costa, 34 anos, motoboy há catorze

DROGAS

“Todo mundo que trabalha em empresa conhece dois ou três colegas drogados: usam de maconha a cocaína. Isso acontece em todas as profissões.”

Santos

“Tem um chegado meu que fuma maconha e desce a 23 de Maio a 130 quilômetros por hora. Uma loucura. Se qualquer coisa esbarrar na moto, é morte certa.”

Lucas Junior

FAMÍLIA

“Minha mãe e minha mulher pedem todo dia para eu sair dessa profissão. Mas não tem jeito. Ser motoboy vicia.”

Lucas Junior

“Meu próprio pai, que é taxista, odeia motoboy. Sempre diz que, se algum embaçar com ele, vai derrubar mesmo.”

Lucas Junior

“Tinha três irmãos, todos motoboys. Um morreu num acidente de carro. Nunca tive vergonha de ser motoboy.”

Lopes

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