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O calor da hora

Por Ivan Angelo
Atualizado em 5 dez 2016, 19h44 - Publicado em 18 set 2009, 20h18

Uma amiga me pergunta se não vou me neutralizar. Assim, direto, como se fosse obrigação saber do que se trata. Não sabia. Fiquei sabendo: é compensar com alguma ação a favor as minhas agressões à natureza. Tipo você também é responsável pela poluição e, já que não pode parar de jogar dióxido de carbono na atmosfera, de consumir energia ou de produzir lixo orgânico, vamos, faça alguma coisa de bom para o planeta.

Não qualquer coisa, nananinanão, negativo. Existe uma fórmula para calcular quanto você está devendo, baseada na sua participação pessoal no estrago. Uma fórmula que combina quanto você consome de energia elétrica, quantos metros cúbicos de gás gasta individualmente, quantos quilômetros roda por mês, com pesos diferentes para quem tem carrinho ou carrão, quanto lixo orgânico seu vai para os lixões, e entra até a sua milhagem aérea sobre o território nacional. Somando, multiplicando e dividindo, você apura qual seria a sua contribuição.

A modalidade mais romântica de pagamento é plantar um número exato de árvores, que o cálculo dá. Minha amiga sabe tudo a respeito. A fórmula rola em sites green na internet, diz ela.

– Não viu o Oscar? Não viu o DiCaprio com o Al Gore? Não viu o lindinho ex-Gisele anunciando que a cerimônia era green? Totalmente carbon free. Cada lâmpada acesa, o gás de cada limusine e o ar climatizado seriam compensados com plantio de árvores. Sabia não?

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Imaginei um Martin Scorsese plantando plátanos, um Clint Eastwood neutralizando-se com sequóias, um Jack Nicholson contribuindo com um hectare de cânhamo.

Tive vontade de dizer para a minha amiga: olha, não tenho carro, tomo banhos frios na metade do ano, só ligo a televisão para assistir ao Lost uma vez por semana e a dois noticiários por dia, congelo cascas e folhas de alimentos para diluir na comida dos cachorros, acendo fogão só ao anoitecer, já plantei três árvores na capital ­ inclusive uma magnólia que se recusa a dar flores ­ e umas seis dezenas no sítio, dividindo com os micos e morcegos minhas jabuticabas, bananas, mangas, cajus, mantendo atarefados abelhas, besouros e beija-flores…

Faço o que posso, e na minha santa ignorância pensei em ponderar que muito antes do homem o planeta passou por aquecimentos e esfriamentos, chegou a perder 95% das espécies em um período, criou milhares de outras e perdeu 80% no período seguinte, que a desertificação provocada pelo homem é um nadinha diante dos desertos que já encontrou, que milhões de anos antes dos automóveis a Terra já se sufocou de calor várias vezes por excesso de dióxido de carbono e gases estufa, que as calotas polares já derreteram e voltaram a gelar e derreteram de novo, que muitos acham que o homem se civilizou em parte pela necessidade de se adaptar às mudanças climáticas…

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Não falei nada. Tive medo de que ela pudesse interpretar minhas palavras como oposição à idéia, e não as considerasse apenas uma baixada de bola no que vai me parecendo uma modinha em alguns casos, uma paranóia em outros.

Moda ou onda, a batalha é do bem. Falta enfatizar, em meio à ligeireza das informações, que a grande novidade, a única novidade, é a rapidez do aquecimento. O que acontecia ao longo de milhões de anos está acontecendo em apenas dezenas. Aqui no nosso canto do mundo, diz o relatório da ministra Marina, as noites quentes eram 5% nos anos 1950, hoje são 35%; os dias frios ocupavam 25% do ano na década de 1970, reduziram-se a 5% e 10% em 2001 e 2002. Cientistas reunidos pela ONU culpam o homem, “acima de qualquer dúvida razoável”. Se a mudança tem remota origem não humana, estamos dando uma boa ajuda agora.

Olha, já faz um milhão de anos que estamos mexendo no planeta. Plantar árvores ajuda. Eu, mesmo considerando que não o tenho estragado tanto, fiz as contas para me “neutralizar”: estou devendo quatro árvores. Até já as escolhi. Acho que precisamos de umas sapucaias.

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