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A cara da nova dramaturgia paulistana

Eles têm no máximo 30 anos e injetam sangue novo na cena teatral da cidade

Por Bruno Machado
Atualizado em 1 jun 2017, 17h40 - Publicado em 7 jun 2013, 14h05

Michelle Ferreira, Rafael Gomes, Guilherme Junqueira e Rudinei Borges. Todos na casa dos 30 e, em comum, o fato de estarem surgindo numa efervescente cena teatral, que tem lugar para todos, desde os clássicos de Shakespeare, Beckett e Nelson Rodrigues até nomes novos e já consagrados como Leonardo Moreira e Roberto Alvim — influências para esses novos talentos, que aos poucos, assinam e dirigem suas próprias criações. Confira abaixo quem são eles.

+ Mais sobre teatro

– Michelle Ferreira: filmes de David Lynch e South Park

Nascida e criada em São Paulo, Michelle Ferreira (“com dois ‘l’, como na música dos Beatles”, ela faz questão de frisar) afirma que o cenário urbano é uma constante em sua obra. Tanto  Os Adultos Estão na Sala, que após temporada no Sesc Pinheiros reestreou no Cemitério de Automóveis, como  Tem Alguém que nos Odeia, previsto para estrear em julho no Teatro Augusta, se passam em salas de apartamentos. “O primeiro texto fala da dificuldade que as pessoas têm em amadurecer. Já o segundo é sobre a homofobia que sofre um casal de lésbicas”, afirma a atriz e dramaturga, formada pela Escola de Arte Dramática da USP com passagem de oito anos pelo Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho. “Foi lá que aprendi que não existem regras para escrever, que não existe o certo e o errado”, explica. Ela também teve textos dirigidos por Mário Bortolloto — Como Ser Uma Pessoa Pior, uma espécie de manual de autoajuda às avessas — e Cacá Carvalho — Estudo Hamlet.com, um diálogo entre as obras de Shakespeare e Schopenhauer.

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Além do teatro, a paulistana de 30 anos acabou se enveredando por outras áreas.Tardes Livres, longa-metragem de Renato Chiappetta, com roteiro de sua autoria deve estrear nos cinemas ainda este ano. A experiência lhe trouxe interesse no audiovisual, que resultou na criação de uma produtora de vídeo, a NoCubo Filmes. “Também tenho muita vontade de escrever para a televisão”, afirma Michelle, que planeja uma série com a atriz e diretora Sabrina Greve. “Há muitos anos, participei de um concurso de dramaturgia da TV Record. Escrevi toda a sinopse de uma novela chamada  Por Meus Pais.  Era muito dramática”, recorda. A escritora e diretora define seu trabalho como “uma mistura entre os filmes de David Lynch e  South Park”.

– Rafael Gomes: entre Maria Alice Vergueiro e Blanche DuBois

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É comum que escritores de teatro acabem trabalhando no cinema e na televisão. O santista Rafael Gomes, 30 anos, contudo, fez o caminho inverso — do audiovisual foi parar nas artes cênicas. “Se estou nessa vida de teatro, é tudo culpa da Maria Alice Vergueiro”, brinca o jovem dramaturgo, que também despontou como diretor.

Foi com Maria Alice que Gomes também conseguiu seu primeiro grande feito:  Tapa na Pantera, curta-metragem realizado em parceria com Esmir Filho e Mariana Bastos que se tornou febre na internet há seis anos. Com pouco mais de cinco minutos, o vídeo tem mais de cinco milhões visualizações acumuladas no YouTube desde 2007.

Tapa na Pantera - Maria Alice Vergueiro, sentada, e Rafael Gomes, Esmir Filho e Mariana Bastos
Tapa na Pantera – Maria Alice Vergueiro, sentada, e Rafael Gomes, Esmir Filho e Mariana Bastos ()
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Depois de uma série na TV Cultura – Tudo que É Sólido Pode Derreter, de 2009 –, o rapaz escreveu o tocante  Música para Cortar os Pulsos, texto inicialmente pensado para o cinema, mas levado ao palco pela Cia. De Teatro Sortido em 2010. O que era para ser um projeto modesto rendeu a Gomes, que também assinou a direção, o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte na categoria de melhor espetáculo jovem e alguns sedutores convites. Com João Fonseca, adaptou para o teatro o argumento do filme  Edukators  (2004), de Hans Weingartner. Na televisão, colaborou no roteiro das séries 3 Teresas, ao lado de Luiz Villaça e Leonardo Moreira, e  Louco por Elas, num time de redatores liderado por João Falcão. Foi com um texto de Falcão,  Cambaio, aliás, que Rafael fez sua segunda e bem-sucedida empreitada na direção.

Música para cortar os pulsos - com Marisol Ribeiro no papel de Isabela
Música para cortar os pulsos – com Marisol Ribeiro no papel de Isabela ()

No segundo semestre, o jovem artista se prepara para um ambicioso projeto: dirigir Marat Descartes e Maria Luísa Mendonça numa montagem do clássico  Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams. “A responsabilidade é grande, mas o que me dá segurança é estar cercado das pessoas certas”, afirma Rafael, que também tem planos de transformar  Música Para Cortar os Pulsos  em um longa-metragem, conforme o plano inicial. “Isso tem de acontecer logo, ou daqui a pouco não terei mais idade para falar de amor na adolescência. Sempre brinco com o Leonardo Moreira: até quando seremos jovens dramaturgos?”.

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– Guilherme Junqueira: “Sugar”, ou o irmão mais novo de Bortolloto

Há cinco anos, Guilherme Junqueira deixou Tatuí, a 131 quilômetros da capital, e veio a São Paulo decidido a viver do teatro. Contudo, a sorte não lhe sorriu de imediato. “Tentei formar duas companhias, mas nenhuma deu certo. Uma vez, em cartaz na Roosevelt com uma peça chamada  Baco.com, tivemos um único espectador na plateia, um cego que morava na rua. Um verdadeiro fracasso”, relembra o rapaz que treina boxe e gosta de escrever ao som de Chet Baker.

Depois de visitas ao Teatro Oficina e à Cia. Os Satyros, Junqueira encontrou seu lugar junto à companhia Cemitério de Automóveis e a Mário Bortolloto – de quem ganhou o apelido Sugar, em referência ao pugilista Sugar Ray Leonard. “O Mário é como um irmão mais velho para mim”, comenta orgulhoso. Em abril, Junqueira  estreou sua primeira montagem,  Monalisa Underwear, no teatro do diretor paranaense. Inspirada na “maldição dos 27 anos” — a fatídica idade com que Amy Winehouse, Kurt Cobain, Janis Joplin e outros músicos morreram —, a peça faz parte de  Intrigas Augustas (Maçã de Vidro Edições),  volume de contos que Junqueira vende através de seu blog. Todas as histórias, afirma o escritor,  já estão prontas para o palco. “Só falta gente interessada em produzir”. Na coletânea, são recorrentes os personagens do  underground  e cenários do Baixo Augusta: prostitutas, cafetões, bêbados e  junkies  que não raramente mantêm encontros com entidades sobrenaturais.

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MonalisaUnderwear - Teatro
MonalisaUnderwear – Teatro ()

“Num dos contos,  Black Vomit Blues,  uma personagem recebe o convite do diabo em pessoa para uma noitada na Augusta”, explica Junqueira. Pela história, ganhou uma crítica negativa do escritor João Silvério Trevisan, com quem fez uma oficina. “Ele me disse que parecia uma paródia de  Crepúsculo. Fiquei um pouco chateado com isso, mas depois passou”, afirma o jovem que jura ter uma foto de Nelson Rodrigues na parede do quarto, com vista para o Cemitério da Consolação. “É uma paisagem que me inspira”.

– Rudinei Borges: o ônibus da memória

Paraense de Itaituba, Rudinei Borges, 30 anos, trocou há uma década a flora da floresta amazônica pela fauna da Praça Roosevelt. Em São Paulo, o escritor publicou Chão de Terra Batida (editora All Print) e criou o Núcleo Macabéa – “um jeito de homenagear Clarice Lispector usando uma personagem que é retirante como eu” – com o qual, em 2011, levou o espetáculo  Chão e Silêncio  à comunidade do Boqueirão, entre os bairros do Ipiranga e Cursino, na Zona Sul.

Inspirado na Folia de Reis, o espetáculo consistia em pequenos textos escritos por Borges, declamados pelos atores da companhia.  Outros poemas do autor também são objeto de um ciclo de leituras programado para este mês no Teatro Heleny Guariba. No mesmo teatro, está programada para setembro a estreia de Agruras – Ensaio Sobre o Desamparo, também de autoria do paraense.

Dentro é lugar longe
Dentro é lugar longe ()

Há dois anos, Borges se associou à Trupe Sinhá Zózima, que pesquisa o ônibus como espaço cênico. Atualmente em cartaz no Terminal Parque Dom Pedro II com  Dentro É Lugar Longe — também de autoria do escritor —, a companhia faz um giro pelo centro de São Paulo a bordo do coletivo narrando memórias de infância do elenco. “Dentro do ônibus, o cenário é o de uma casa do interior, e lá fora, o cenário  é  o  da cidade grande. São tempos e espaços diferentes que se cruzam, criando uma metáfora para o Brasil”, explica o dramaturgo que enumera referências mil para criar, desde Manoel de Barros, passando por Albert Camus  até Martin Heidegger. “O ponto de partida para os meus textos é a saudade dessa infância idílica que não volta. Esse é um dos grandes temas da angústia humana”.

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