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Novas famílias

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 19h44 - Publicado em 18 set 2009, 20h19

Dia desses estava em uma loja de roupas infantis e brinquedos. Encontrei uma conhecida enchendo sacolas e sacolas. Surpreendi-me. Na casa dos 40, ela vive com uma amiga há uns quinze anos. Fiquei ardendo de curiosidade, é claro. Que vontade de formular todas as perguntas que coçavam na minha língua! Aproximei-me.

– Fazendo compras? – perguntei, para puxar conversa.

– Ah, é para minha filha! – sorriu ela. – Está com 2 anos, é uma loucura como cresce sem parar! De um dia para o outro, nada serve!

Olhou uma boneca de pano, bem molinha.

– Vou levar esta também.

– Ah, não sabia que você tinha uma menina!

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– Adotei!

Feliz da vida, entregou o cartão de crédito. Enquanto pagava, com os olhos brilhando de alegria, pensei: “Como é amada essa garotinha!”.

Muita gente poderia se escandalizar. Dizer que não seria bom para a menina ser criada por duas mulheres. Digo o contrário. Vi acontecer. Quando era muito jovem, tornei-me amigo de um casal. Ela, de saúde frágil, faleceu cedo. Deixou três filhos pequenos, o último quase bebê. Ele saiu do armário, como costumam dizer. Assumiu ser gay. Não recorreu às avós. Fez questão de criar os filhos. Assisti a sua luta. Não era rico. Trabalhava muito para pagar boas escolas, sempre com bolsa parcial. Quando faltava dinheiro, dava um jeito. Ia para o exterior e voltava com a mala cheia de roupas para vender. Montou um pequeno restaurante. Não podia contar com as facilidades que o dinheiro traz. Tinha uma empregada para ajudar. Mas pegava no batente após o trabalho, cuidando dos meninos. Educava. Ajudava nos deveres escolares. Também não deixou de lado sua vida amorosa. Os garotos cresceram conhecendo a identidade do pai e seus relacionamentos. Sempre com muito respeito entre todos.

O tempo passou. Os filhos tornaram-se amigos e confidentes do pai. Mais tarde, os três tornaram-se bons profissionais. Nenhum partiu para as drogas, ou para qualquer tipo de vida desestruturada. Foram trabalhar, para contribuir com a renda familiar. Dois já se casaram. O terceiro está a caminho. Os primeiros têm filhos, e o pai agora ajuda a cuidar dos netinhos. Nenhum dos três é gay. Não por receio ou preconceito. Simplesmente, não é o caminho de cada um deles.

Isso derruba a suposição de que filhos criados por pais gays teriam a mesma identidade. Sempre duvidei da possibilidade. Já conheci gays provenientes de lares onde até falar do tema é tabu. Talvez não seja fácil perceber, porque muitas das novas famílias preferem agir com discrição. Evitam confrontos na vida profissional. Ou na escola. São mães aparentemente solitárias, que na verdade têm uma companheira. Pais muitas vezes empenhados em aparentar o que não são. Medo da reação social, que poderia atingir os filhos.

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Tenho certeza: o número de lares não tradicionais é cada vez maior. Aos poucos, não são mais os pais ou mães, mas famílias inteiras que saem do armário. Problemas certamente existem. Como em todas as outras. Jovens problemáticos surgem em famílias conservadoras, por que não vão aparecer nas gays?

Sou muito curioso, não nego. Uma vez tomei coragem. Perguntei ao pai da história que contei:

– Como você conseguiu criar filhos tão certinhos, tão bem ajustados, apesar da falta de tempo, da pressão social e, não vamos negar, do falatório?

Ele sorriu e me deu uma lição de vida:

– Só existe um segredo. Amor. E amor, eu juro, nunca faltou na minha casa!

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