Livro reúne memórias que revelam transformações de São Paulo
Com mais de 1 000 lembranças dos anos 50, 60 e 70, volume é composto de histórias sobre travessuras nos bondes, compras em magazines e os primeiros cachorros-quentes nas lanchonetes do centro
Desde o fim de 2005, o site SãoPauloMinhaCidade, criado pela SPTuris, recebe relatos de moradores da capital. Concentradas nas décadas de 50 a 70, quando boa parte de seus autores era então de jovens encantados com as modernidades recém-chegadas, as memórias revelam detalhes da transformação de São Paulo em metrópole. As narrativas nem sempre são precisas, mas trazem um entusiasmo raro em registros desse tipo. Lançado na quarta-feira, em um evento na Sala São Paulo, o livro SãoPauloMinhaCidade.com, que será distribuído a escolas e bibliotecas públicas, reúne mais de 1 000 memórias selecionadas do site. “Preservamos os estilos e a oralidade dos textos”, diz uma das coordenadoras do projeto, Clara Azevedo. A compilação aproxima-se muito de uma animada roda de histórias. Confira algumas delas.
“Havia muitas histórias sobre São Paulo.
Diziam que as crianças eram roubadas
das mães ao chegar à Estação da Luz
(na foto, em 1975) e que trombadinhas
com navalhas afiadas assaltavam as
pessoas à luz do dia. Com medo, minha
mãe costurou no bolso da minha calça
todo o dinheiro que a gente levaria.”
José Aparecido Barbosa
“Na década de 50, fui com meu pai à galeria do Vale do Anhangabaú ver o faquir Silk, que estava havia vários dias sem comer, tentando bater o recorde mundial de abstinência. Lá estava ele, num canto do corredor, enjaulado entre cobras, com a expressão de quem parou de viver para vencer seu desafio. Na ocasião eu tinha menos de 10 anos e aquilo tudo me fascinou e me intriga até hoje.”
Carlos Alberto Gomes
“Pulávamos, de costas, com o bonde (na foto, em 1966, no centro, dois anos antes de sua retirada de circulação) a 30 quilômetros por hora, onde ele estivesse. Assim, nasciam os primeiros estudantes malabaristas de São Paulo, após, claro, muitos tombos. Éramos sempre vencedores, pois o cobrador era um só para um contingente de muitos caloteiros. Aliás, a cada dia escalávamos um estudante ‘coelho’ para ser perseguido pelo velho cobrador, livrando os demais do pagamento da passagem.”
Luiz Renato Ribas Silva
“– Filha! Acorde, já são sete horas da manhã. Você quer ir ao Mappin? (Na foto, em 1983.)
Então eu levantava, tomava o nosso café matinal e ia. Andávamos por todos os seus andares e sempre havia uma novidade, mas tinha algo que não podia deixar de levar e que minha mãe sempre pedia:
– Não deixem de trazer minha bala predileta – uma bala de anis que não havia mais no mercado e que só encontrávamos no Mappin.”
Virgínia de Freitas Brito
“A Salada Paulista foi a pioneira do fast-food na Paulicéia. A coisa mais encantadora, além, é claro, da excelência da comida, era a forma como os atendentes contabilizavam o consumo dos clientes. Conforme o freguês consumia, o atendente anotava a lápis no mármore do balcão o valor do item pedido. Terminada a refeição, ele realizava a soma ali mesmo, na pedra, e em seguida apagava a conta esfregando um paninho úmido. Aí, então, o desfecho de ouro: terminada a transação, feito o pagamento e entregue o respectivo troco, você deixava uma gorjeta e o funcionário que a recebia gritava a todo pulmão, pois o lugar era obviamente barulhento: – Caixinhaaaaa! Ao que todos os demais integrantes do ‘exército’ respondiam em coro vigoroso: – Obrigadoooo!”
Marcelo Pacheco
“A Confeitaria Vienense marcou época com os seus salões no piso superior de um casarão assobradado, onde no chá das 5 se dava o encontro das pessoas chiques. À noite, a Barão de Itapetininga se tornava uma rua de paquera ou footing. As mulheres faziam o percurso pelas calçadas da Barão, Ipiranga, 24 de Maio, Dom José de Barros, e os homens ficavam postados no meio-fio, olhando o desfile e esperando ser os escolhidos para uma sessão de cinema. Quem permanecia no trecho da Confeitaria Vienense tinha o privilégio de ficar ouvindo as músicas, geralmente uma orquestra de cordas, com um piano bem executado. Tudo isso na década de 50.”
Turan Bei
“Entre os anos 60 e 80, ir aos cinemas de São Paulo era um compromisso social. Você ia bem vestido, com um bom perfume – um Lancaster ou um Rastro –, uma calça bem alinhada e sapatos lustrosos. Tudo isso traz as seguintes saudades… Saudade dos sofás do Cine Marrocos, da sessão da meia-noite do Cine Metrópole. Saudade do chique Cine Windsor, na Avenida Ipiranga, onde estreou o filme Help!, dos Beatles. Saudade do pequeno Cine Bijou, na Praça Roosevelt, do aconchegante Cine Coral, na Rua 7 de Abril. Saudade do popular Cine Art Palácio, do requintado Marabá, do acolhedor Cine Regina, do elegante Cine Metro (na foto, em 1983) e do Cine Espacial, todos na Avenida São João.”
Rubens Rosa
“Os Jardins já eram os Jardins, as escolas da região, as mesmas de hoje, os clubes também, mas não havia o Shopping Iguatemi. Em seu lugar, existia uma chácara, um grande terreno arborizado, que se destacava para nós, crianças, por um grande atrativo: acorrentada a uma árvore, víamos maravilhados uma oncinha! Não sei dizer quanto tempo ela lá permaneceu, mas às vezes, quando vejo o shopping, sinto saudade de ver a oncinha…”
Maria Cristina Masagão