Continua após publicidade

Jornada dupla: professores que dão aulas na rede pública e privada

As dificuldades enfrentadas por professores de colégios particulares que também dão aula na rede pública

Por Fabio Brisolla
Atualizado em 5 dez 2016, 19h29 - Publicado em 18 set 2009, 20h29

No centro da sala de aula, a professora Débora da Costa organiza seus alunos em círculo. São 34 crianças com 5 anos, em média, na turma pré-escolar da Escola Municipal de Educação Infantil Jardim Novo Horizonte Azul, no Jardim Ângela. Ela pede silêncio e direciona um olhar de reprovação aos que continuam falando. A tarefa do dia é escrever uma mensagem dirigida a meninos e meninas da mesma idade do Colégio Nossa Senhora das Graças, no Itaim. Enquanto alguns relatam detalhes sobre a rotina em classe, contam sobre o almoço e sugerem um encontro no futuro, a professora anota as idéias num papel. Débora é a responsável pela entrega da carta. Após a aula na periferia, ela assume o posto de professora assistente na escola do Itaim. Sua idéia é que as crianças passem a se corresponder com freqüência. Na cidade de São Paulo, 103 000 professores trabalham com 2,3 milhões de alunos distribuídos em 2 440 escolas públicas municipais e estaduais. Outros 40 000 atendem 650 000 estudantes em 3 200 instituições particulares. Débora figura nas duas listas. Faz parte de um grupo acostumado a transitar por realidades distintas na área da educação.

Onde quer que Débora esteja, segue o mesmo roteiro. Antes de iniciar a leitura, por exemplo, recita um poema. Alguns alunos observam concentrados, outros olham para o teto ou cochicham com o colega ao lado. “Apesar de agitadas, as crianças nessa idade são muito interessadas”, afirma a professora. “Tudo para elas é novidade.” Com a garotada ela aprendeu muitas lições. A mais óbvia foi perceber que, em determinadas situações, teria de agir de forma diferenciada em cada escola. Certa vez, convocou a mãe de um aluno bagunceiro para relatar os problemas que estava tendo. No dia seguinte, soube que o menino de 9 anos havia levado uma surra em casa por causa da queixa. “Às vezes, prefiro não acionar os pais para evitar que a criança apanhe”, conta.

Na prática, a presença de um professor capacitado parece não ser suficiente para garantir o aprendizado. Além das notórias carências na infra-estrutura da rede pública, o contexto familiar é um fator decisivo na evolução de uma criança ou de um adolescente. “Nos colégios privados, quando os alunos têm dificuldades os pais contratam professores particulares ou psicólogos”, comenta Laís Car-valho, professora do Colégio Móbile, em Moema, e da Escola Municipal Parque Terra Nova II, no município de São Bernardo do Campo. Na rede pública isso é mais raro. Outra diferença é a expectativa em relação ao estudo. “Uma das minhas alunas, de 10 anos, precisa limpar a casa todos os dias porque a mãe trabalha fora”, diz Laís. “Não tem tempo de fazer as lições.”

O dia-a-dia dos estudantes é bem diferente. No Móbile, por exemplo, entre os 56 alunos das duas turmas da 4ª série, apenas um volta sozinho para casa. Já entre os 34 alunos da Terra Nova, doze voltam desacompanhados. “Eles são mais independentes”, conta Laís. Diante do professor, essa postura pode resultar em confronto. Inácio Guimarães dá aulas de matemática para uma turma de 3º ano na Escola Estadual Professor João Baptista de Brito, no município de Osasco. Trabalha há 22 anos na rede estadual e ainda enfrenta dificuldades para controlar seus alunos. “Eles saem sem avisar, falam ao celular e escutam música dentro da sala.” Por duas aulas semanais, recebe 150 reais por mês. Em seu outro emprego, no Colégio Palmares, em Pinheiros, o salário por 32 aulas semanais chega a 6 000 reais por mês. Mesmo assim, ele prefere seguir no ensino público por estar prestes a se aposentar.

Inês Gonçalves também tem esse plano. Ela ganha 5 000 reais no Colégio Bandeirantes, no Paraíso, por 26 aulas semanais. Pela mesma carga horária, recebe 1 200 reais na Escola Estadual Alarico Silveira, na Barra Funda. Ela leciona para alunos de 2º e 3º anos do ensino médio. “É um grupo heterogêneo”, afirma Inês. “Alguns querem apenas cumprir uma etapa para arrumar emprego.” Entre os que decidem estudar, ela identifica a mesma razão do sucesso constatada em alunos da rede privada: “Por trás de um bom aluno existe sempre um pai atento e preocupado”.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe semanalmente Veja SP* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de São Paulo

a partir de R$ 39,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.