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Instituto Butantan trabalha na imunização contra gripa A

A orgão já é responsável por 90% das vacinas produzidas no país

Por Filipe Vilicic
Atualizado em 5 dez 2016, 19h33 - Publicado em 18 set 2009, 20h26

Basta o auxiliar de laboratório Julio Alves Pereira dar um espirro que começam as piadas entre seus amigos e familiares: “Fica longe que não quero me contaminar!”. Não é à toa que Pereira virou alvo de brincadeiras. Há quatro meses, ele trabalha no Laboratório de Influenza do Instituto Butantan, órgão ligado à Secretaria Estadual de Saúde e sediado na Avenida Vital Brasil, no bairro do Butantã. Lá são feitos atualmente os testes para a fabricação de vacinas contra o vírus H1N1, responsável pela transmissão da gripe A. “Todo mundo sempre acha que estou doente”, conta Pereira. “Na verdade, somos tão precavidos no serviço que é mais fácil pegar vírus fora daqui.” O Butantan – mais conhecido pela produção de soros antiofídicos e pelas cobras, lagartos e escorpiões que mantém em cativeiro – recebeu no último dia 12 a ampola com o H1N1 congelado, base para a produção da vacina, que começa em outubro. É uma boa notícia, principalmente para quem anda alarmado com a doença. “Apesar de o vírus ser menos fatal que o da gripe sazonal, espalhou-se muito rápido e assustou a população”, afirma o médico Isaias Raw, presidente da Fundação Butantan. “A vacina também deixa o país prevenido caso a pandemia volte com força no futuro.”

O ambiente do laboratório parece tirado de um filme de ficção científica. Para entrar lá, é preciso usar proteções nos pés, touca e um uniforme descartável. Dentro, a pressão atmosférica é menor que a do lado de fora, para impedir que o ar escape. A produção começa quando um caminhão desembarca caixas com ovos de galinha fecundados na recepção. Elas são enviadas à área de veterinária, que conta com dezesseis incubadoras com capacidade para armazenar quase 2 milhões de ovos a 38 graus Celsius, temperatura ideal para os embriões evoluírem. Após onze dias nessa chocadeira, os ovos passam pelo ovoscópio, uma máquina similar a um raio X que identifica e separa os aptos a receberem o vírus (fetos mortos, por exemplo, são descartados). Depois, o material é inoculado com um agente na seção farmacêutica e guardado por até 72 horas em sete câmaras. Resfriam-se os ovos em uma temperatura entre 2 e 8 graus Celsius, o que mata o embrião. Um aparelho separa a solução com o vírus concentrado – a casca do ovo, o cadáver do pintinho, o sangue congelado e outras impurezas vão para o lixo. Esse líquido é centrifugado, filtrado e purificado. “No fim, inutilizamos o vírus e usamos proteínas que provocam a imunidade para compor a vacina”, explica a bióloga Cosue Miyaki, responsável pelo laboratório. Após o processo, o produto ainda tem sua eficácia comprovada por testes de qualidade. De cada ovo se obtém uma única dose de vacina.

Até março de 2010, o Butantan promete fabricar ao menos 12 milhões de doses contra gripe. “Se for preciso, conseguimos fazer 50 milhões para combater o H1N1 em um ano”, garante Isaias Raw. O instituto tem tradição na área. Sua origem está ligada a outra doença que preocupou paulistas em 1889: a peste bubônica. Para combater o mal, que se espalhava a partir do Porto de Santos, o estado comprou a Fazenda Butantan e instalou um laboratório de produção de soro antipestoso. Em 23 de fevereiro de 1901, criou-se o Instituto Serumtherápico, renomeado Butantan dezessete anos depois. Até a década de 80, porém, o trabalho com vacinas era feito em condições precárias. “Usávamos garrafas de vidro para armazenar as doses e manipulávamos culturas de bactérias com as janelas abertas”, lembra a bióloga Maria Aparecida Sakauchi, que trabalha ali desde os anos 70.

Em 1984, a qualidade melhorou com o começo da construção das fábricas que hoje formam a Divisão Bioindustrial. Esse centro conta com oito unidades para a produção de vacinas e soros espalhadas em uma área de 40.000 metros quadrados. De lá, saem 90% das doses fabricadas no país. Além do laboratório de influenza, há, por exemplo, outros especializados em tétano e raiva. Três novas áreas estão sendo cons-truídas, como a de hemoderivados (onde o plasma do sangue humano pode ser fracionado para combater infecções, doenças genéticas e outros males). O prédio custará cerca de 57 milhões de reais e contará com equipamentos estimados em 120 milhões de reais. Deve ser entregue até o fim de 2010. No ano passado, 89,7 milhões de vacinas saíram da divisão. A maior parte é destinada ao Ministério da Saúde, que comprou quase 20 milhões de doses da vacina contra o vírus de influenza por 125 milhões de reais. “Queremos depender o mínimo possível da indústria farmacêutica internacional”, diz Raw, presidente do instituto. “Em uma epidemia, o governo precisa estar preparado para cuidar, sozinho, da população.”

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Camundongos como o da foto abaixo ajudam a combater muitas doenças. Neles são testadas vacinas contra gripe, tétano, difteria… Avalia-se, assim, a eficácia da dose e se tudo correrá bem quando ela for injetada em uma pessoa. “Sem essas provas preliminares, uma criança poderia adoecer após ser vacinada”, explica a bióloga Ubimara Pereira, diretora técnica do biotério do Instituto Butantan. O viveiro fica em uma área de 5.300 metros quadrados. Lá são criados cerca de 20.000 camundongos, além de 1.500 ratos, 380 porquinhos-da-índia, sessenta coelhos e quarenta hamsters. Divididos em casais, eles se reproduzem continuamente em gaiolas. Todos os meses, 13.000 crias são destinadas a testes de vacina, outras 6.500 servem de alimento para cobras e 5.500 vão para pesquisas diversas. “Dá dó, mas os fins justificam os sacrifícios”, diz a veterinária Elizabeth Valentini, que trabalha na seção há dez anos. “Eles ajudam a salvar vidas, erradicando pandemias e imunizando pessoas.”

O biotério é dividido em cinco blocos, todos com entrada restrita a funcionários, devidamente trajados com touca, protetores nos pés, jaleco e luvas. Cada casal de camundongo vive em uma gaiola transparente. Semestralmente, técnicos matam alguns exemplares para que passem por uma necropsia com o objetivo de atestar se estavam mesmo saudáveis. “Para um animal ser utilizado em testes, ele precisa estar livre de germes e doenças”, explica Ubimara. “Fazemos tudo para desestressar e proteger os bichos.” O Butantan ainda conta com um macacário e uma fazenda em Araçariguama, no interior do estado, com 800 cavalos utilizados na produção de soro contra veneno de aranhas, escorpiões e cobras. Também vende cobaias (os principais clientes são laboratórios particulares e a Universidade de São Paulo). O preço varia de acordo com a espécie: um camundongo custa 6 reais e um coelho, 30.

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