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“Minha filha também foi culpabilizada”, diz mãe de garota estuprada por seis no Ibirapuera

Quatro meses após o crime, ninguém foi preso pela violência sexual ocorrida no parque

Por Adriana Farias e Sérgio Quintella
Atualizado em 27 dez 2016, 17h31 - Publicado em 1 jun 2016, 19h29

A mãe da estudante de 18 anos que foi estuprada por seis homens no Parque do Ibirapuera em janeiro deste ano diz que está acompanhando o caso ocorrido no Rio de Janeiro e que vê muitas semelhanças com o que aconteceu com sua filha. “Assim como ocorreu com essa jovem carioca, minha filha, vítima, também foi culpabilizada pelo fato”, disse ela a VEJA SÃO PAULO nesta quarta (1º).

Moradora de Moema, bairro de classe média alta da capital, e filha de advogados, a jovem que sofreu estupro coletivo no parque da Zona Sul no dia 17 de janeiro concedeu depoimento exclusivo a VEJA SÃO PAULO três dias após o ataque brutal e lamentou o tratamento recebido na Polícia Civil. “Eu me senti em um ambiente muito machista. Eles usavam um tom inquisidor: ‘Ah, então você fez isso”; “Você foi até lá?”; “Você estava com ele’. Sempre com olhar de reprovação”, contou. “Não sou essa promíscua que estão dizendo.” Outra garota de 16 anos, moradora de Cidade Ademar, também foi estuprada naquele mesmo dia.

A mãe conta que a jovem está se recuperando aos poucos do trauma que sofreu. “Ela está bem. Nunca mais conversamos sobre o que aconteceu e também não estamos falando sobre o caso do Rio”, diz. “Agora ela está focada nos estudos para passar no vestibular de direito”.

A Polícia Civil concluiu o inquérito após a realização de três exames (sexológico, toxicológico e pericial no local) e não indiciou ninguém pela prática de estupro. O único jovem preso – depois de levar o celular da vítima – vai respoder na Justiça por furto qualificado, cuja pena pode chegar a quatro anos de prisão.

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“Houve estupro, mas não conseguimos identificar os autores, apenas o rapaz que tomou posse do telefone dela, mas, especificamente na relação com esse rapaz, o sexo foi consentido”, afirmou o delegado Márcio de Castro Nilson, do 36º DP, no Paraíso. “Não temos provas, não temos imagens, não temos testemunhas e a vítima não consegue identificar nenhum dos autores. Por causa disso, ficamos de mãos atadas. O caso foi encerrado e submetido ao Judiciário”, completa. 

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Em depoimento à reportagem, a jovem contou que chegou ao parque por volta das 16h daquele domingo. Foi até a marquise se encontrar com um grupo de amigas para uma comemoração e tomou um susto quando viu a grande quantidade de pessoas [só no dia seguinte soube que se tratava de um rolezinho organizado pelas redes sociais].

Por causa daquela ‘muvuca’, conta que decidiram fazer o piquenique mais afastado e sentaram no gramado próximo ao MAM [Museu de Arte Moderna]. O pessoal havia trazido bastante bebida e bebeu sem ver o tempo passar. Até que em um momento, um rapaz se aproximou puxando papo…

Releia o depoimento dado por ela no dia 21 de janeiro a VEJA SÃO PAULO

Conversamos sobre vários assuntos, de política à educação. E continuamos bebendo. O pessoal com quem eu estava foi se dispersando e, no fim, ficamos só ele e eu. O parque, naquele momento, continuava bem cheio. Era por volta das 19h30, estava escurecendo e eu queria ir embora. Até porque já estava bem mal por causa da bebida. Ele levantou a mão, abriu e mostrou um punhado de droga. Perguntei o que era e ele disse que se tratava de cocaína. Contou que havia acabado de comprar ali no parque mesmo. Lembro de ter ficada assustada e de não ter usado. No meu depoimento à polícia, perguntaram se havia ocorrido consumo de drogas. Eu disse que sim. Mas eles entenderam que eu havia usado, o que eu não lembro ter acontecido.

Falei para ele que precisava ir embora e fomos caminhando juntos, de mãos dadas, até o portão 6. Ele começou a ir para uma área mais escura e com muitas árvores, próximo do local chamado de ‘bananal’, um lugar que eu só conhecia de nome. Sabe quando tem pavor de um lugar? [o local fica próximo ao Viveiro Manequinho Lopes, onde jovens, tanto héteros quanto homossexuais, fazem sexo].

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Continuei dizendo que precisa ir embora. Estava muito mal e zonza. Ele foi me forçando. Foi aí que tudo aconteceu. Ele se aproveitou de mim, da minha fragilidade, ainda que sem violência. Eu me vi no chão quando, de repente, num lapso de tempo, eu já não o via mais ali ao lado. Imediatamente, chegaram três homens na minha frente e acredito que mais outros três atrás de mim. Eles me xingavam de p.., de vadia e vieram para cima.

Eles me colocaram abraçada contra uma árvore, de costas para eles, seguraram meus braços e me estupraram. Foi uma hora de terror. Eu gritei, pedi ajuda, mas chegou um momento de tanto pavor que a voz nem saia de dentro de mim. Eu só queria que aquilo terminasse logo. Quando eles me soltaram dei por falta das minhas coisas. Os estupradores disseram que o rapaz com quem eu estava antes afirmou que era namorado e levou tudo.

Eu saí correndo, chorando, até encontrar um funcionário do parque, que me ajudou a chegar até em casa. Liguei desesperadamente para minha mãe, que estava num jantar, mas não consegui contar o que aconteceu por telefone. Só pedi para ela chegar logo. Entrei em estado de choque sem abrir a boca. Aos poucos, de forma monossilábica, contei o que aconteceu. Eu me senti envergonhada e culpada. Chegamos ao 27º DP [Campo Belo] por volta das 23h para registrar o boletim de ocorrência. Eu me senti num ambiente muito machista. Eles usavam um tom inquisidor: “Ah, então você fez isso”; “Você foi até lá?”; “Você estava com ele”. Sempre um com um olhar de reprovação. Acho que é por isso que as mulheres vítimas de violência não prestam queixa.

Estou em choque com tudo isso. Não sou essa menina promíscua que as pessoas estão falando. O meu relato à polícia foi deturpado. Se eu estivesse em sã consciência, jamais teria acontecido isso. Ainda mais porque eu que sempre fui àquela pessoa que tem noção do perigo, sempre me previno muito.

Sou grudada com a minha mãe, mando WhatsApp de onde estou, que horas vou chegar [a mãe mostra as conversas num smartphone]. Jamais teria chegado perto desse garoto se tivesse o ar de uma pessoa ruim.

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Estou com dores na clavícula, nos braços, e meu joelho está todo dolorido. Fui encaminhada ao Hospital Pérola Byington para exames e tomei uma série de medicações e vacinas preventivas contra doenças sexualmente transmissíveis. O tratamento vai durar 28 dias. Quero que tudo isso passe logo quero esquecer o que vivi. Está até difícil de sair de casa.”

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