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Os bastidores do caso do ex-monitor do Colégio Mackenzie acusado de violentar três alunas

Falta de provas e inconclusões no processo tornam a história controversa

Por João Batista Jr. e Nataly Costa
Atualizado em 1 jun 2017, 17h10 - Publicado em 28 nov 2014, 23h00

Nas primeiras noites que passou na cadeia pública de Carapicuíba, o monitor educacional Antônio Assis, de 44 anos, mal conseguia dormir. “Ele tinha medo de ser agredido ou morto”, diz a enteada Kamila Pereira, de 23 anos, filha de Katia, com quem Assis está casado há dezoito. O crime do qual é suspeito está na lista dos imperdoáveis, mesmo entre os bandidos mais barras-pesadas: a promotoria o denunciou sob a acusação de abusar sexualmente de meninas de 3 anos. Desde 8 de maio, ele aguarda sentença atrás das grades (atualmente, está em Guarulhos) e, na prisão, ao menos por enquanto, tem sido “absolvido”. “Os detentos levantaram tudo sobre a vida dele e acreditam que é inocente, por isso não foi atacado”, diz Katia.

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Do lado de fora, porém, muitas dúvidas tornam a história controversa. Para a polícia, o caso é claro: segundo o inquérito, as vítimas narraram com detalhes ter sido tocadas pelo “tio Antônio” e reconheceram o funcionário. Por outro lado, boa parte dos pais concorda com a tese da defesa: ali haveria uma grande injustiça, até pela falta de provas.

 

Tudo começou quando uma aluna do Colégio Presbiteriano Mackenzie de Barueri se queixou de irritação na região genital à babá, em 22 de abril. Ela relatou que o “tio Antônio” a teria “examinado”, tocando suas partes íntimas e as de outros três colegas, duas meninas e um menino, em uma sala de educação física da escola. Segundo ela, sob os olhos de uma “tia Pati”. A segunda suposta vítima descreveu que o monitor tirava sua calcinha e, em uma ocasião, ficou nu na frente dela. Uma terceira aluna disse que o mesmo funcionário tocava suas partes íntimas — tentando descrever o ocorrido, fez um movimento para cima e para baixo com o dedo indicador. Três meses depois, porém, uma das crianças disse que não se lembrava de isso ter acontecido. O inquérito não crava se esses eventos teriam ocorrido em um único dia ou em datas diferentes.

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No dia da prisão do monitor, três crianças foram levadas para fazer o reconhecimento de Assis. Enfileirado em uma sala com mais três homens, ele acabou apontado por uma das meninas como o “tio Antônio malvado” — para seus defensores, uma confusão infantil, pois ele havia interpretado o vilão de uma peça de Páscoa. As outras duas também o reconheceram, mas por foto. Ainda sem o resultado dos exames sexológicos nem um laudo psiquiátrico detalhado a respeito do comportamento das meninas, o delegado Alexandre Palermo, do 2º Distrito Policial de Barueri, responsável pelo caso, pediu a prisão preventiva do monitor, atendida de imediato.

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Em paralelo, começou um clima de caça às bruxas no colégio. Em grupos fechados no Facebook e no WhatsApp, pais relatavam os boatos que ouviam, trocavam fotos de empregados tidos como suspeitos e discutiam providências a ser tomadas. O Mackenzie contratou três terapeutas especializadas no tema e recebeu famílias para palestras e debates sobre o assunto. “Os pais chegaram aqui em pânico. Tivemos de tomar medidas para acalmá-los e para preservar tanto as crianças quanto os funcionários que não tinham nada a ver com as denúncias”, diz Thiago Leite de Abreu, advogado do colégio. A seguir, alguns pontos que tornam o caso peculiar.

Falta de provas materiais

Os laudos do Instituto Médico-Legal não apontaram lesões nas meninas que indiquem abuso. “Mas nem todo caso deixa marcas. Hoje, o simples fato de expor o menor a uma perversidade sexual já é considerado estupro pela lei”, pondera a psicóloga Natali Maia, especialista em avaliações de crianças e adolescentes com suspeita de violência doméstica do Instituto de Psiquiatria da USP. A principal lacuna levantada pela defesa do ex-funcionário do colégio é a falta de imagens de segurança anexadas ao processo. Se o monitor realmente estava com o grupo, por que nenhuma câmera que capta o acesso à área de educação física mostra isso?

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Em um primeiro momento, o delegado pediu para ver os registros de 22 de abril, data que colocou no inquérito como sendo a do abuso. Sem encontrar nada, pediu as imagens dos seis dias anteriores. Mais uma vez, nada apareceu. “Isso mostra que meu cliente é inocente, pois nem estava com essas crianças”, diz a advogada Anabella Marcantonatos. Os policiais responsáveis pela investigação minimizam o fato. Para eles, o testemunho das crianças de 3 anos tem força suficiente para sustentar a acusação. “É fácil captar a contradição em um adulto, mas o testemunho infantil é recheado de uma enorme dose de subjetividade e insegurança”, alerta o criminalista Alberto Zacharias Toron.

A POSIÇÃO DO COLÉGIO

O Mackenzie adotou o princípio da tolerância zero. No dia seguinte à queixa feita por uma das mães, optou por demitir não só o acusado judicialmente e uma funcionária chamada Patrícia, mas outro monitor, também de nome Antônio. Esse último foi levado à delegacia, mas não foi apontado por nenhuma das crianças. Ou seja: ali dentro, a demissão de Assis está em um contexto de gerenciamento de crise, sem indicativos de que a direção acredite que ele seja culpado. No momento da dispensa ,o colégio não disse a verdade ao funcionário. Assis ouviu que se tratava de corte de custos. “Ele pensou que o motivo era sua cirurgia recente de hérnia de disco, que o impediria de correr tanto”, afirma sua mulher, Katia.

Com nove anos de Mackenzie, ele nunca teve um histórico de problemas. Quando contratado, egresso de outros colégios de elite paulistanos, sua ficha criminal foi verificada e nada constavana época. Cinco anos depois, porém, Katia registrou dois boletins de ocorrência (um em 2009 e outro em 2010) por ele “quebrar a casa toda em brigas motivadas por falta de dinheiro”. Os casos não foram levados adiante e a mulher se diz hoje arrependida de ter procurado a polícia. “Era mesmo um momento muito difícil para nós”, afirma.

O colégio manteve as bolsas integrais de estudo para as filhas de Antônio, de 13 e 17 anos de idade, e para a enteada, aluna de direito na Universidade Mackenzie — benefício sempre crucial para Assis, que ganhava 1 400 reais mensais. Depois que a acusação contra o funcionário veio a público, a direção orientou os seguranças a proteger as duas adolescentes, com receio da possível hostilização.

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A DIVISÃO ENTRE OS PAIS

A notícia, claro, deixou os pais transtornados.“Muitos levaram suas crianças ao pediatra para procurar evidências de abuso”, recorda a terapeuta Claudia Bruscagin, contratada pela escola. Os mais revoltados queriam medidas drásticas: pediram até para que fosse trocada toda a direção da entidade, o que não aconteceu. Entre as demandas atendidas, todos os monitores do sexo masculino que atuavam na educação infantil foram tirados dessas funções. Uma das mães se mostrou incomodada com a presença de outra inspetora chamada Patrícia, que não tem nada a ver com o caso.

Ao longo do tempo, algumas famílias começaram a questionar o tratamento dado a Assis, que era querido por muitos. A ele, que é cristão protestante, foi confiada até a aplicação de insulina em uma garotinha diabética. O empresário Flávio Fujimoto, cujo filho de 9 anos estuda há cinco na escola, tem convicção da inocênciade Assis. “Eu só confio nesse funcionário para acompanhar o meu garoto”, ressalta ele, um dos 66 nomes de um abaixo-assinado que pedia sua soltura. Parte desse grupo também realizou uma manifestação na frente do colégio, na segunda (24). Eles questionavam o fato de as imagens do circuito interno não terem sido anexadas ao processo. Nesse dia, uma das manifestantes recebeu um telefonema de uma das mães autoras da denúncia. Ela havia visto a amiga ao vivo na TV e pediu que se retirassedali; pedido acatado.

Em meio à tensão entre opiniões divergentes, uma série de rumores começou a surgir. Um diz que uma das famílias pedia na Justiça indenização milionária, o que a direção nega. É verdade, porém, que a instituição ofereceu bolsas aos envolvidos, até o fim do ano letivo. “Trata-se de uma maneira sensível de tratar o caso”, diz o advogado do Mackenzie. Algumas escolas da região passaram a oferecer descontos que chegam a 30% a possíveis egressos da instituição.

DEMORA NA DEFESA

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Quando depôs na delegacia e saiu de lá para a prisão, Assis não tinha advogado. O primeiro a entrar no caso, depois que ele já estava preso, foi Ascenir Jordão. Ele não chegou a pedir habeas corpus para soltá- lo em nenhum momento, praxe nesse tipo de situação. Acabou substituído meses depois por Anabella, mãe de duas alunas do Mackenzie. “Assumi o caso em 15 de outubro por ter convicção de que ele é inocente.” Nas duas últimas semanas, ela teve o apoio jurídico do criminalista Jeferson Luiz Mattos, mais experiente. Ele a auxiliou com o pedido de soltura, negado na semana passada, e deixou o processo. Ainda não se sabe quando a sentença será expedida. Os advogados de ambas as partes tinham até sexta (28) para se manifestar.

Soma-se às muitas incertezas da história a sombra do caso da Escola Base, do bairro da Aclimação, de 1994. Os donos tiveram o colégio depredado e foram expostos nacionalmente como pedófilos, até que ficaram evidentes erros graves na condução da investigação. A sede de justiça é um ponto comum entre os que acreditam nas duas versões. “Mas, infelizmente, é provável que só Deus saberá a verdade”, diz a decoradora Regiane Ribeiro, mãe de um aluno de 3 anos.

Caso Escola Base
Caso Escola Base ()

-> Cronologia

Os caminhos da história

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Entenda como o ex-funcionário acabou na prisão:

23 de abril – A mãe de uma menina de 3 anos vai ao colégio denunciar que a filha teria sido tocada intimamente por um “tio Antônio”, conforme relatou a babá ao explicar uma vermelhidão. A criança teria citado o nome de duas colegas e um menino, todos da mesma idade,cujos pais seriam depois convocados pela escola.

24 de abril – Pais e mães das três crianças são chamado sao colégio. Apenas a mãe do menino não comparece — ela jamais prestou queixa.

25 de abril – Alegando reestruturação de seus quadros,o Mackenzie demite três pessoas que foram citadas no caso: dois monitores chamados Antônio e outra de nome Patrícia (segundo uma das crianças, uma “tia Pati” presenciou a cena ou as cenas — os depoimentos não são conclusivos nesse ponto)

29 de abril – A polícia, procurada pelo Mackenzie, abre um inquérito a fim de investigar o caso. Diante da comoção entre pais dos estudantes, a escola convoca uma equipe de três psicólogos para conversar sobre o tema.

8 de maio – Antônio Assis depõe pela primeira vez. É apontado pelas três crianças como o “tio malvado” que teria feito o contato impróprio. Sua prisão preventiva é decretada. Desde então, passou por Carapicuíba, São Paulo e, agora, está em Guarulhos.

18 de novembro – Laudos do Instituto Médico-Legal, feitos em abril, foram anexados ao processo: não há elementos para comprovar abuso sexual.

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