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Impasse com escolas estaduais ocupadas deve se arrastar até 2016

Política de reorganização do ensino pretendida pelo governo Geraldo Alckmin enfrentou a resistência dos alunos; já são 77 instituições tomadas somente na capital

Por Daniel Bergamasco e Nataly Costa
Atualizado em 1 jun 2017, 16h29 - Publicado em 27 nov 2015, 23h00

Em frente à Escola Estadual Professor Pio Telles Peixoto, na Vila Jaguara, na Zona Norte, cinco garotos de idade entre 14 e 17 anos decidem quem entra e sai pelo portão principal. No colégio Fernão Dias Paes, em Pinheiros, a comunicação entre alunos é feita por walkie-talkie e pilhas de livros didáticos se transformam em camas para os manifestantes que pernoitam ali (durante o dia,o número passa de 100). Em Perdizes, meia dúzia de barracas foi montada junto à fachada do Miss Browne, a fim de abrigar os vigilantes do movimento que protestam contra a reforma da educação estabelecida pelo governo estadual. Na capital, a tomada de colégios por estudantes desde o início deste mês chegou a 77 unidades na quinta (26). Em todo o estado, o número chegava a 190.

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Anunciado em setembro, o plano do governo tem dois pontos principais. O primeiro: dividir as instituições da rede conforme o ciclo: fundamental I (1º ao 5º ano), fundamental II (6º ao 9º ano) e ensino médio. “Em locais organizados por faixa etária, o planejamento pedagógico pode ser muito mais adequado”, argumenta o secretário de Educação, Herman Voorwald. Segundo ele, locais de ciclo único têm desempenho 18% melhor.

Entre 2005 e 2013, São Paulo passou de quarto para segundo lugar no ranking do ensino médio estadual do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), liderado por Goiás. Esse dado, no entanto, precisa ser relativizado, considerando-se o quadro desolador da educação no país. No estado mais rico do Brasil, mesmo com os avanços recentes, apenas 36% do corpo discente tem nível adequado de leitura e 12% em matemática. “Tenho vergonha, como secretário da Educação, dos resultados que o Estado de São Paulo e este país apresentam. Não é possível que a sociedade se conforme com isso”, desabafou Voorwald numa entrevista à rádio CBN na quarta (25).

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Escolas
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Mais do que contestações às questões educacionais da reforma, tem pesado nos protestos  a alteração no cotidiano das crianças e adolescentes, apesar de a pasta ter estabelecido que as mudanças não envolverão, no geral, deslocamentos superiores a 1,5 quilômetro. “Ficarei em um colégio e minha irmã em outro, o que dificultará a vida da minha mã”, reclama Beatriz, de 16 anos, da Emygdio de Barros, no Jardim Bonfiglioli (Zona Oeste). Dos 3,8 milhões de frequentadores da rede, 311 000 trocarão de endereço.

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A segunda questão da reforma, que se tornou a mais incendiária, é o fechamento de 92 unidades (25 na capital). Um estudo da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) mostrou queda de 1,3% ao ano da população paulista em idade escolar. Desde 1998, são 2 milhões de inscritos a menos. Sobram 58% das vagas, se levado em conta o número de pessoas por sala considerado ideal pela gestão: trinta no ensino fundamentalI, 35 no fundamental II e quarenta no médio. Locais que usam abaixo de 79% da capacidade deixarão de existir. A promessa é de que os prédios continuarão destinados à educação. Na metrópole, dezenove se tornarão creches, um virará Escola Técnica Estadual (Etec) e cinco se destinarão a ensino regular integrado com o técnico.

Escolas ocupadas
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Os críticos lembram que essa matemática risca do mapa unidades como a escola Professor João Nogueira Lotufo, no Jardim Santa Mônica, na Zona Norte. Ali, a nota do Idesp, sistema de avaliação estadual, é 6,1, enquanto a média da cidade está em 4,58 (os matriculados serão transferidos para dois colégios de conceitos 5,4 e 5,2). “Querem desativar um lugar ótimo, com professores excelentes”, queixa-se o vendedor Emerson Kafka, de 43 anos, com duas filhas na escola.

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No local, há salas com apenas doze alunos. “E por que se considera isso um problema, se o resultado final é bom?”, questiona Ocimar Alavarse, pesquisador da Faculdade de Educação da USP. “Um número tão baixo pode ser visto como mau uso do dinheiro público. Mesmo nas escolas particulares, a média é muito maior”, pondera a especialista em educação Guiomar Namo de Mello. Ela diz que a reorganização “faz todo o sentido em vários aspectos, do pedagógico à adequação do imobiliário”, mas tem ressalvas. “Faltou sagacidade política para ouvir antes os professores e os pais.”

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Nos bastidores, as dimensões do movimento incomodam o governador Geraldo Alckmin. Não se esperava tanto barulho. Ao decidir pela reforma, a pasta avisou as 91 diretorias de ensino do estado e pediu a elas que elaborassem, em menos de dois meses, o plano de transferência e a indicação das unidades a ser desativadas. “Mas se esqueceram de ouvir os maiores interessados: quem estuda aqui”, reclama Rembrandt Soares, de 15 anos, acampado na Miss Browne (onde costuma receber mantimentos levados pelo pai, Ribamar, prestador de serviço em condomínios residenciais).

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No último dia 19, durante audiência de conciliação no Tribunal de Justiça de São Paulo, o governo pela primeira vez se disse aberto a alterações pontuais no plano. “Caso sejam apontadas falhas, vamos corrigi-las”, prometeu Voorwald. A exigência do secretário para iniciar o debate foi o esvaziamento dos prédios, o que não ocorreu.

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Um dos problemas do impasse é a suspensão das aulas. Não há como programar a reposição sem a data para o fim da obstrução dos colégios. Docentes dos centros ocupados ficarão sem o bônus salarial atrelado aos resultados do exame Saresp, que não foi aplicado nesses locais devido à suspensão das atividades. O Tribunal de Justiça votou contra pedidos de liminar para a reintegração de posse feitos pelo estado, sob a conclusão de que o objetivo não é a apropriação dos edifícios, mas a pressão pela causa. A decisão em definitivo deve ser dada só em 2016.

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Há relatos de pais que fazem vigília para impedir que o lugar onde os filhos estudam seja mais um palco dos atos. Afinal, não só as escolas afetadas pela reorganização estão no alvo. A Brigadeiro Gavião Peixoto, na Zona Norte, a maior da cidade, invadida há cerca de dez dias, não está na lista de mudanças. Na Fernão Dias Paes, a primeira da capital a ser tomada (e onde houve até show do cantor Chico César), uma das líderes, Mariah Ferreira, de 18 anos, nem estuda ali, mas em uma Etec. “Fazemos de tudo para manter a ordem e a limpeza”, afirma ela. Uma cartilha espalhada por redes sociais e WhatsApp traz orientações como a colagem de cartazes nas entradas e a criação de comissões para diferentes atividades, além de pregar contra a depredação.

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Os protestos remetem a uma reorganização semelhante, feita em 1996 pelo governo de Mário Covas (1930-2001),em que se separou apenas o antigo primário (hoje fundamental I) dos demais ciclos, e 230 escolas foram fechadas. Apesar da forte oposição na época, o projeto foi implantado. “Havia uma diferença”, pondera Rose Neubauer, então secretária de Educação. “Não existiam redes sociais, que colaboram nessas grandes mobilizações para o bem e para o mal.” É difícil, portanto, prever o desfecho de um levante que tem se espalhado como um viral de internet.

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