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Entenda por que o noticiário do Corinthians ganhou as páginas policiais

Como um bando aventureiros conseguiu jogar o Corinthians na maior crise de sua história quase centenária

Por André Rizek [Filipe Vilicic]
Atualizado em 6 dez 2016, 09h05 - Publicado em 18 set 2009, 20h32

Não é a primeira vez que a fiel torcida atravessa um momento de trevas. Em 1912, ela viu o Sport Club Corinthians Paulista ter sua sede penhorada. No primeiro ano do profissionalismo no futebol brasileiro, em 1933, amargou derrotas históricas para o Palestra Itália (8 a 0 e 5 a 1), para o Santos (6 a 0) e para o então São Paulo da Floresta (6 a 1). Ficou quase 23 anos sem gritar “campeão”, de 1954 a 1977, e teve de agüentar a ironia dos adversários – no início da década de 60, o time era tão ruim que ganhou o apelido de “Faz-me Rir”, em referência a uma música de sucesso cantada por Edith Veiga. Até para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro a equipe já foi, em 1981. Mas nunca, em 97 anos de história, o clube havia mergulhado em um buraco tão fundo como o de agora.

Segundo pesquisa publicada pela revista Placar deste mês, o Corinthians detém 14,83% dos torcedores brasileiros, atrás apenas do Flamengo (15,34%). O São Paulo, o terceiro do ranking, possui 11,89%. “A torcida do Flamengo é terceirizada, formada por quem mora no Nordeste e diz que é Bahia e Flamengo, Fortaleza e Flamengo”, afirma o publicitário e torcedor fanático Washington Olivetto. “Aqui, o cara é Corinthians e acabou. Somos a maior marca do Brasil.” Clube mais popular da maior e mais rica cidade do país do futebol, o Corinthians, caso fosse administrado com competência, poderia ver sua fama facilmente ultrapassar as fronteiras nacionais – e ter o tamanho de um Real Madrid ou de um Milan.

Infelizmente, essa fama veio – não por suas glórias, e sim pelas ações criminosas de seus dirigentes. “Já perdemos muitas vezes, mas perdíamos com extrema dignidade”, diz Olivetto. “Hoje, o momento é deprimente. E o menor dos males são as derrotas.” A equipe, entre as últimas do Campeonato Brasileiro, está no meio de uma crise moral. Neste ano, o Corinthians passou a freqüentar as páginas policiais do jornais, acusado de ter sido usado pela máfia russa para o crime de lavagem de dinheiro (veja quadro ). Seu presidente, Alberto Dualib, de 86 anos, viu-se obrigado a renunciar, assim como todos os seus vice-presidentes, tamanho o mar de lama em que se meteram.

O publicitário Washington Olivetto representa um período da história corintiana que ficou enterrado no passado. Ele foi vice-presidente de marketing em 1982 e 1983. Naquela época, o clube conseguia aglutinar colaboradores como José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que por trinta anos esteve à frente da programação da Rede Globo, e a consultora de moda Gloria Kalil. O Corinthians era a vanguarda. Vinte e cinco anos depois, seus dirigentes são o que há de mais atrasado no futebol nacional.

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Em dezembro de 2004, o clube acumulava 20 milhões de dólares em dívidas e não havia recursos para reforçar uma equipe que vinha de péssimas campanhas. Apareceu aí o empresário Renato Duprat, santista de coração, que anos antes havia levado a empresa de planos de saúde Unicor à falência. Ele se candidatou a arranjar investidores na Europa dispostos a colocar dinheiro no clube. Ganhou carta branca. Em sua peregrinação, conheceu o iraniano Kia Joorabchian. Ofereceu o Corinthians pelos mesmos 20 milhões de dólares da dívida. Um negocião. Afinal, por dez anos, a MSI, fundo administrado por Kia, tomaria conta de todo o futebol corintiano e controlaria suas receitas, como patrocínio, cotas de TV e negociação de jogadores. Para se ter idéia da ninharia que representa o valor pago pela MSI, em agosto o Corinthians vendeu um jogador de 19 anos, Willian (apenas dois gols marcados como profissional), por 19 milhões de dólares ao futebol ucraniano.

Kia Joorabchian é apontado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal como laranja do magnata russo Boris Berezovsky, condenado em seu país por fraude financeira. Berezovsky queria investir no Brasil – fez ofertas para comprar um jornal esportivo, uma emissora de TV e pretendia levar a empresa aérea Varig. O Corinthians seria apenas uma vitrine lucrativa para quem desejava lavar dinheiro. No começo da parceria, quase tudo foi uma festa. O clube venceu o Campeonato Brasileiro de 2005 e pôde ostentar um time milionário, que tinha no craque argentino Carlitos Tevez o seu grande expoente. “O raciocínio era pegar o dinheiro da MSI, pagar as dívidas, montar um time forte e depois passar a perna nos gringos, mandá-los embora de algum jeito”, diz o presidente do conselho de orientação fiscal do Corinthians, Antônio Roque Citadini, também membro vitalício do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. “Não interessava de onde vinha o dinheiro, apenas que viesse.”

Depois do título de 2005, enciumados com o carisma de Kia, os dirigentes do Corinthians passaram a minar a MSI. O clube descumpriu o contrato de parceria. E o grupo do iraniano parou de investir. Começaram as investigações do Ministério Público e da Polícia Federal sobre lavagem de dinheiro. Elas acharam outros problemas. Com a renúncia de toda a sua diretoria, o clube terá eleições na terça-feira (9). O próximo presidente vai assumir uma dívida que bateu em 74 milhões de reais (cerca de 37 milhões de dólares) neste ano. Ou seja, mesmo diminuindo as despesas com a entrada da MSI, a dívida corintiana quase dobrou de tamanho em dois anos e meio. Especialistas também calculam que o clube pode ser multado em quase 100 milhões de reais pela Receita Federal por causa de transações feitas pela MSI que teriam descumprido a legislação brasileira. “No fim da década de 90, colaborei dois anos com o Corinthians, para trazer investidores, mas desisti”, lembra o economista Ibrahim Eris, ex-presidente do Banco Central. “Vi como o clube era desorganizado, sem nenhum planejamento, com tudo feito na base da informalidade.”

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Num exemplo de quanto o Corinthians está atrasado em relação a seus rivais, ele não tem sequer um projeto de sócio-torcedor, como o Santos, o São Paulo ou o Internacional, de Porto Alegre, que conta com 54.000 seguidores contribuindo mensalmente para assistir a seus jogos. “Na Espanha, um dos presentes mais populares de filho para pai é o carnê de jogos do Barcelona, válido para todo o ano”, diz Olivetto. “É incrível que o Corinthians não tenha nada semelhante. Que pai corintiano não gostaria de ganhar um presente desses?” Pudera. O vice de marketing do Corinthians, até a renúncia de Dualib, era um cardiologista, Jorge Kalil, que admitia publicamente não entender nada da área sob sua responsabilidade. Para fazer uma comparação, o diretor de marketing do São Paulo, desde 2004, é o publicitário Júlio Casares, diretor de planejamento estratégico da Rede Record e presidente da Associação Brasileira de Marketing e Negócios (ABMN).

“Nosso problema não é de recursos, como ocorre na maioria dos clubes brasileiros”, afirma o economista Luiz Paulo Rosemberg, conselheiro do clube. “É de gestão e ética nos negócios.” Ele forma com os colegas Manoel Félix Cintra Neto (presidente da Bolsa de Mercadorias & Futuros) e Eduardo Rocha Azevedo (ex-presidente da Bolsa de Valores de São Paulo) um grupo de conselheiros corintianos que sempre se opôs à parceria com a MSI. “Quando bati o olho no contrato, sabia do que se tratava”, conta Rosemberg. “Ofereci-me para, de graça, modificá-lo e evitar problemas de lavagem de dinheiro para o clube, mas nem quiseram ouvir.”

Além de resolver todas as pendências judiciais em que está envolvido, o Timão está diante de outro perigo: a real ameaça de rebaixamento no Campeonato Brasileiro. Já se disse que o Corinthians não é um clube que tem uma torcida, mas, sim, uma torcida que tem um clube. Sem time e sem diretoria, a paixão da Fiel é tudo o que restou para salvar esse símbolo paulistano de um vexame ainda maior em 2007. E quem sabe fazer com que ele volte a ser, um dia, como diz seu hino, o campeão dos campeões.

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NA MIRA DA JUSTIÇA

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• Parceria com a MSI

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Os dirigentes são acusados de usar o clube para o crime de lavagem de dinheiro, na parceria assinada em dezembro de 2004 com o fundo de investimentos MSI. Por trás do fundo estaria o magnata russo Boris Berezovsky, condenado em seu país por diversas fraudes financeiras. Seu testa-de-ferro seria o iraniano Kia Joorabchian, que ocupava a função de presidente da MSI. A Justiça brasileira decretou a prisão preventiva dos dois, que vivem em Londres, onde Berezovsky tem asilo político e Kia, cidadania britânica.

Além deles, estão indiciados por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro o ex-presidente do Corinthians Alberto Dualib e seu vice, Nesi Cury (ambos renunciaram em setembro). Por parte da MSI ainda são acusados o empresário Renato Duprat (intermediador da parceria), Paulo Angioni (ex-diretor de futebol), Alexandre Verri (advogado da MSI) e o também iraniano Nojan Bedroud, que atuou como diretor financeiro do fundo. Todos alegam inocência.

• Notas frias

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Segundo o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público Estadual (Gaeco), o clube estaria envolvido em um esquema de emissão de notas fiscais frias. O dinheiro das notas falsas iria para os dirigentes Alberto Dualib e Nesi Cury. Pelo menos 500.000 reais desviados do clube já teriam sido rastreados pelas autoridades.

• Operação Uruguai

Os bens do ex-presidente Alberto Dualib podem ser penhorados se forem comprovados prejuízos ao Corinthians durante sua gestão. De acordo com promotores do Gaeco, para fugir de uma eventual condenação, o cartola teria repassado parte de seu patrimônio (14,3 milhões de reais) para empresas sediadas em Montevidéu, no Uruguai.

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