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Como funciona o Instituto de Criminalística de São Paulo

Laboratório de DNA da entidade ajuda a identificar as vítimas do acidente de Congonhas

Por Edison Veiga
Atualizado em 5 dez 2016, 19h24 - Publicado em 18 set 2009, 20h33

O Núcleo de Biologia e Bioquímica do Instituto de Criminalística (IC) de São Paulo está mais agitado do que nunca. Desde o dia 21, quando as primeiras amostras dos corpos das vítimas do trágico acidente do Airbus da TAM chegaram ao laboratório de DNA, no 1º andar do número 410 da Rua Moncorvo Filho, no Butantã, dezesseis dos dezoito peritos que trabalham ali se debruçam sobre o caso. “Normalmente, só realizamos exames de DNA depois de excluídas todas as outras possibilidades de identificação: reconhecimento visual, impressões digitais e arcada dentária”, explica a perita Norma Bonaccor-so, há dez anos na equipe. “Mas decidimos iniciar paralelamente esse processo para tentar minimizar o sofrimento dos familiares.” Um andar acima, numa sala que em nada lembra os cenários de CSI, série campeã de audiência nos Estados Unidos sobre os bastidores de um laboratório de perícia criminal, funciona o Núcleo de Engenharia, ou-tro departamento envolvido com o acidente do dia 17. As investigações a respeito das condições do avião e do aeroporto são de competência federal. Quatro engenheiros do IC, no entanto, foram acionados para colher provas para o inquérito aberto pelo 27º Distrito Policial da capital, que apura as responsabilidades pelas 200 mortes. Os peritos do departamento nunca estiveram diante de uma tragédia dessas dimensões, a maior da história da aviação brasileira. Mas eles acompanham muitos outros casos – em média, cinqüenta por mês. Atualmente, por exemplo, ainda investigam o desabamento da Estação Pinheiros do metrô, em janeiro, e o acidente com uma grua que matou quatro operários na Marginal Pinheiros, em junho.

Estruturado em dezenove núcleos, o IC atua como auxiliar do Judiciário. Os 1 100 peritos que trabalham ali elaboram, juntos, 2 milhões de laudos por ano. Faz parte da rotina deles analisar objetos e locais. Ou seja, buscam evidências o tempo todo. “Nosso trabalho ajuda a prender os culpados e libertar os inocentes”, diz Sumara Antonio Quixadá, há 21 anos no Nú-cleo de Balística. Para se tornar um perito e embolsar um salário inicial de 4000 reais, é preciso ter formação superior (em qualquer área), ser aprovado em um concurso público e fazer um curso preparatório de onze meses na Academia de Polícia. O instituto foi fundado em 1924 – chamava-se Delegacia de Técnica Policial – com a missão de aplicar métodos científicos no esclarecimento de crimes. Desde 1998, com a criação da Superintendência da Polícia Técnico-Científica, o IC está diretamente ligado ao Instituto Médico Legal – ambos dividem um orçamento anual de 157 milhões de reais vindo da Secretaria Estadual de Segurança Pública, mais 800000 reais do governo federal. Verba nem sempre suficiente. Apesar dos esforços dos funcionários, a estrutura física do IC é precária. Muitas salas são improvisadas, algumas caixas de papelão fazem as vezes de armário e há peritos que reclamam da falta de material. “Não temos sequer luvas de couro para trabalhar com destroços”, diz Antonio Nogueira Neto, do Núcleo de Engenharia. “No caso de Congonhas, tivemos de usar máscaras emprestadas da Defesa Civil.”

À espera da Aeronáutica

Pouco mais de uma hora após a tragédia, o engenheiro Lourenço Trapé Neto, do Núcleo de Engenharia, chegou às proximidades do Aeroporto de Congonhas. “Ainda não haviam começado a resgatar os corpos”, lembra. Ele e outros três dos 24 peritos de sua equipe estão no caso. Munidos de câmera fotográfica, vistoriaram o prédio atingido, os destroços do avião e toda a situação da área ao redor. Como se trata de um acidente aéreo, agora precisam aguardar por um relatório da Aeronáutica, prometido para daqui a seis meses. “Não temos acesso à caixa-preta, por exemplo”, diz. “Por isso, dependemos dessa investigação para concluir a nossa perícia.”

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Mutirão para analisar mais de 100 amostras

A cada seis horas, chegam ao laboratório de DNA do Instituto de Criminalística mais amostras dos corpos não identificados do maior desastre aéreo já acontecido no Brasil. Até a manhã da última quinta (26), eram mais de 100. “Essa etapa do exame torna-se menos complexa quando conseguimos extrair o DNA de células do sangue”, conta a perita Norma Bonaccorso, que retornou antecipadamente das férias para coordenar as pesquisas. Em casos de carbonização, os peritos normalmente analisam os ossos. “Recebemos um fragmento e precisamos prepará-lo, em banho-maria, para isolarmos a célula”, diz. “A partir daí, quebramos as membranas da célula, extraímos o DNA e comparamos com o de um familiar.” No dia 21, foram coletadas amostras de sangue de 84 familiares de vítimas. Exames feitos com ossos costumam levar, na mais otimista das hipóteses, uma semana para ficar prontos. Devido às condições atípicas dessas amostras, no entanto, a equipe não se arrisca a estipular prazo para a conclusão do trabalho.

Detalhistas e boas de tiro

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Quando olham para um projétil, em casos de crime, todos os dezenove peritos do Núcleo de Balística enxergam detalhezinhos que passariam despercebidos para os leigos. “É como uma impressão digital”, conta Sumara Antonio Quixadá (acima, à esq.), que às vezes chega a ficar seis horas consecutivas de olhos grudados nas lentes de um dos três microscópios do departamento. “Depois de disparado, um projétil nunca é igual a outro.” A caçula da equipe, Fabiana Paiva Pires, 28 anos, começou a trabalhar em janeiro e ainda tem muito o que aprender. Mas não se intimida. “Gosto de armas desde criança”, afirma, com cinco band-aids nos dedos machucados de tanto manuseá-las. “Trabalhar aqui é um sonho, pois chego a dar 200 tiros por dia.” No núcleo há um espaço destinado a esses disparos. São necessários para testar as armas apreendidas, muitas vezes em más condições, e comprovar o uso das mesmas nos crimes investigados. Informações importantes que, como tudo no IC, se transformam em laudos.

Oitocentos computadores para analisar

No fim da década de 60, o adolescente Sérgio Shoiti Kobayashi devorava livros de ficção científica e sonhava com supercomputadores. Desde janeiro, ele dirige o Núcleo de Perícias de Informática, onde trabalham doze peritos. “Tenho cerca de 800 computadores na fila de espera para analisar”, diz. “Cabe tanta informação neles que encontrar indícios é como achar agulha em palheiro.” Estão com a equipe, há um mês, os 25 discos rígidos dos computadores utilizados pelos alunos que invadiram a reitoria da USP, durante a greve estudantil ocorrida neste ano. Dentro dos discos, há atas de reuniões, textos de panfletos e outros documentos. “Eles apagaram diversos arquivos, mas nós os estamos recuperando”, afirma Kobayashi. “Todos os nomes envolvidos constarão no laudo.” A perícia deve ser concluída dentro de um mês.

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